quarta-feira, julho 25, 2007

a primeira amora do ano


foi ontem que comi a primeira amora do ano. e não fui eu quem fez este grafitti artístico nas paredes de poiares...

Saber Ler – ou «A leitura e a liberdade»




Leonis Panwels em Aprendizagem da Serenidade apresenta cinco espécies de leitura. Começa com a mais frequente e, para muitos, a única: «a leitura dita de informação» - e esclarece a designação chamando a atenção para o papel manipulado e manipulador da imprensa em geral. Questões ideológicas, políticas, económicas e etc. modelam os discursos, através do fragmentário, de lógicas mais ou menos marxistas, ou capitalistas, formatando opiniões (mais do que formando). «A imprensa é uma arma política», o que não é grave ou revoltante: o que o é, é a incapacidade de destrinçar os reais construídos pelo pensamento dominante a cada texto. Ler só isto é quase tão mortal como não ler nada. Manter-se afastado da realidade não é aconselhável, mas há que fazer pausas e criar os seus próprios reais.
Outros tipos são apontados como constituídos pelas obras-primas, embora não só, embora aquelas misturem as quatros outras espécies. A leitura de distracção – que permite evasões no espaço, no tempo, da realidade…, a leitura de aquisição – do saber, de conhecimentos; a leitura de deleite – e aqui estão as obras-primas da literatura; e leitura de elevação – obras de espiritualidade, filosofia e sabedoria em geral. Todas elas devem fazer parte do dia-a-dia de cada leitor. (Não sejamos líricos: até eu que me considero um bom leitor, ou pelo menos acima da média, não consigo ler de tudo – a distracção e a elevação têm andado em baixo).
Seguem-se as regras (quase à maneira que mais tarde surgirão em Daniel Pennac, Como um Romance) de leitura: ler de tudo «uma leitura multiforme, como a própria vida»; fazer marcas, sublinhar, anotar, e não é obrigatório ler do início ao fim, mesmo num romance! «Diariamente, um pouco de leitura de elevação» - (Será que a poesia de Daniel Faria pode entrar aqui?).
Tempo e dinheiro não são problema! Uma hora por dia chega, os livros de bolso e as feiras estão por aí (já para não falar em bibliotecas e as estantes dos amigos!). Outra regra: «Não ser indiferente ao essencial» - por exemplo, preferir a televisão e seus programas estupidificantes em detrimento de uma leitura; e ainda «Saber o que se quer, o que se vale» - embora sobre este (e também de todos os outros pontos) convido antes à leitura do artigo integralmente:
Leonis Panwles, Aprendizagem da Serenidade, Lisboa: Verbo, 1987, p.144-51

explicação da ausência

Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer – fosse abertura –
E a saudade é tudo ser igual.


Daniel Faria, Poesia

quarta-feira, julho 11, 2007

pequeno poema

As noites trazem-me às vezes a vontade de morrer.
Talvez porque sejam tuas e tão diferentes das manhãs.
O respirar intenso do mundo amacia e convida
A desejar ardentemente o tempo dos outros ausentes.

maravilhas




Com muito aparato (e também algum ridiculismo) lá se fez a eleição das 7 maravilhas de Portugal e do Mundo. Embora não comentando coisas demasiado óbvias, não posso deixar de lamentar a ausência de um monumento do Porto (eu preferia a Igreja de São Francisco, mas os Clérigos são mais emblemáticos, sim), o que demonstra um certo desinteresse do Porto por estas coisas…Eu tinha votado em: Palácio de Mateus de Vila Real (é Vila Real, pronto), Igreja de São Francisco do Porto (fantástica, e é do Porto), Igreja e Torre dos Clérigos (idem), Mosteiro de Alcobaça (pelo gótico e magnificência e por guardar os protagonistas da história de amor mais conhecida em Portugal), o Mosteiro dos Jerónimos (verdadeira obra-prima), o Templo Romano de Évora (mais recordações pessoais e pela herança Romana, ou em alternativa, o Convento de Cristo em Tomar…) e o indiscutível Palácio Nacional da Pena em Sintra (nem preciso de comentar, claro). Os que foram escolhidos não estão mal, embora dois para Lisboa me pareça muito e o Castelo de Guimarães me pareça demasiado valorizado.
Mariza extraordinária, acompanhada por Camané, Rui Veloso e Carlos do Carmo: a real nata da boa música portuguesa (só faltou Rodrigo Leão e os Madredeus).



As sete maravilhas do mundo: a escolha talvez seja mais difícil e mais perspectivas se pudessem levantar sobre elas. A minha votação foi obviamente pensada embora pudessem ter sido outros locais os escolhidos. Votei em: Acrópole de Atenas, Petra na Jordânia, Stonehenge na Inglaterra, Alhambra em Granada, Estátuas da Ilha da Páscoa, Taj Mahal em Agra na Índia, Torre Eiffel em Paris. Indiscutível a importância da Muralha da China, ou de Machu Picchu, mas a Estátua do Cristo Redentor deixa-me muitas dúvidas: e a certeza de que houve um interesse económico-turístico muito forte por detrás por parte dos brasileiros que, como sabemos, são imensos. O Coliseu de Roma também me parece um pouco ridículo, até porque foi a única maravilha da Europa que foi escolhida (eu escolhia quatro… embora pudesse largar a Torre Eiffel), quando a mais representativa do modo de ser europeu e até ocidental é, sem sombra para dúvidas, a Acrópole de Atenas, onde, no fundo, nascemos para a intelectualidade.
Do espectáculo em si, salientam-se os apresentadores, muito simpáticos, os filmes de promoção do pais, a Dulce Pontes com o José Carreras, Alessandro Safina, embora a Jennifer Lopez e Chaka kan (?) me parecessem um pouco deslocadas de tudo aquilo.



Mais uma vez, tal como noutras votações (lembram-se dos Grandes Portugueses?) as escolhas são discutíveis e problematizadas. Ficou a promessa de colocar estes locais nos livros de História e tentar conservá-los. Bem, alguns já têm vantagem: a Acrópole e o Coliseu, pelo menos, já estão nos livros há muitas décadas. Os outros, e daqui até isso ser feito… E não nos esqueçamos que ser nomeado uma das maravilhas do mundo não quer dizer que signifique prevalecer no tempo com existência física (das antigas maravilhas só sobreviveram as pirâmides do Egipto!).





Vêm aí as maravilhas da natureza. Mais um pónei, talvez, mas mesmo assim não deixem de votar. Eu voto!

segunda-feira, julho 02, 2007

O deus, as escadas e o pijama

«E porque os deuses são ciumentos, não serão permitidas, em meu corpo, as carícias de outros braços ou o beijo de outras bocas.»


Tito Lívio, Senhor Partem Tão Tristes

As escadas alongavam-se até ao chão. De madeira com mármore do meio para a borda, propícias à revitalização da alma pela perde do corpo, ou pela imobilidade opaca. Uma nesga de céu azul era visível pela janela do tecto. Parado, fixado no chão do olhar, o deus chorava. A dor primeira da separação estava quase leve, andava leve. Em vez da continuação surgiu uma nova que mais valia ter surgido na mesma altura que a outra: outra pessoa na sua vida – dor de pensar nos corpos juntos e da partilha da vida que fora quase dele para a eternidade e que agora poderia pertencer a outrem. Mas isso não era a maior dor aos sete meses – mas sem saber que nem dois meses depois da separação o outro encontrara outra pessoa. E ele, o deus, que era tão especial, que continuaria a ser amado para sempre – chorava a sério ao ver-se esquecido tão cedo.

O deus estava de pé e hesitava em começar a descer as escadas. Um pé estendia-se com vontade de acção, mas o olhar parado parecia não dar autorização – e todos sabemos do poder dos olhos – ele, que o outro disse tantas vezes como: deus grego ou Apolo, às vezes um anjo protector outras um demonão, o shamsu, o que fazia festinhas cómicas (leia-se cócegas), o que era lindo lindo lindo, o miau, o do cabelo e braços fofinhos, o das pernas boas, o das mãos irrequietas, o dos lábios macios, o da inteligência argumentadora e irónica, o da surpresa e do inesperado, o da falsa indiferença patente nos olhos vivos. O amor – que o deus via nas orelhas que estranhava no outro e que aprendeu a amar com o tempo de vida partilhado, não reparando ou amando também os dentes afastados da frente ou pouco cabelo, valorizando as suas pernas, as suas mãos, a sua boca, o seu pescoço, as suas costas com os seus risquinhos. Agora, todo este corpo seria de outro, bem como a sua humildade, dedicação e alegria de viver. E o outro corpo estava só e não era assim tão perfeito como o pintado anteriormente – o deus aumentava de volume porque a dor o fizera compensar-se na comida, sobretudo nos doces e chocolates – e já só achava dignos de si os seus pés e as suas mãos.

Resolveu finalmente sentar-se. Olhou o céu e parou de chorar, embora sentisse ainda o peito como que espalmado entre duas tábuas rijas que dificultassem o respirar. A notícia tinha-o atingido de mansinho, mas aos poucos foi-se insinuando com cada vez mais força, oprimindo, tolhendo. Ao passar pelo jardim de Primavera onde lho contaram, as flores iam murchando e os pássaros calaram-se. Alguém cantava e ficou sem voz quando o deus a olhou. Os semáforos ficaram vermelhos para toda a gente durante horas e gerou-se um caos profundo.

Um pé balançava-se três degraus abaixo, enquanto o outro estava plenamente pousado sobre o mármore frio das escadas que também eram de madeira. Recostou-se contra o contra o corrimão em que ninguém mais passaria a mão. As palavras ditas não voltariam a ser ditas. Que dicionário teríamos outros inventado? Que palavras teriam voltado a ser usadas? Miau? Demonão? Que outras teriam tido mais significado? Que gestos se teriam convertido em rituais de iniciação e de amor? Mas agora também não interessava mais – o deus tinha feito aquilo que lhe competia. O deus não era ciumento, mas não permitia que um corpo que fora seus fosse agora objecto de prazer – dar e receber – de um outro. Ninguém o pode julgar por isso porque ele é o deus, e terá o seu plano que transcende todos os humanos e simples mortais.

O deus estava de pijama, um pijama azul, abotoado até cima, como nas noites de verão em que parecia incompreensível ao outro que o deus vestisse pijama – mesmo que de verão – e abotoasse tudo até ao fim – ou início, dependendo do ponto de observação – e usava cobertor, enquanto o outro se afastava da roupa de cama, nu ou quase, recebendo ainda a brisa do rio pela varanda aberta.

O deus estava de pijama azul com uma mancha vermelha que ia também por um dos braços, abotoado até cima. Já não chorava e não comia chocolate nem se sentia ele próprio um caos profundo. Isto porque resolveu, com um empurrão, usando as escadas longas e fortes, transcender todos os humanos e simples mortais – que afinal os outros dois eram. Antes de se sentar lavou as mãos do sangue dos outros em seu sacrifício involuntário, depois, enquanto fechava a porta da varanda e se sentava no topo das escadas, desejou deixar de fazer parte de tudo isto. Porque inespecífica demais a formulação, acabou por deixar a vida quando deixar aquela vida era apenas o que pretendia.


FIA


Do jantar de mestrandos com o professor Alberto Carvalho não falo – fica no segredo dos deuses chineses. Mas foi bom, muito bom, logo a seguir à última aula do professor, da sua vida de professor!
Com o David, a Esmeralda e o André fui à FIA, na FIL. Três pavilhões cheios de tudo e mais alguma coisa: desde roupa e calçado a jóias, passando por móveis, estátuas, pinturas, rendas e bordados, instrumentos musicais, colchas e chapéus, bonecos, cadernos… E claro, as máscaras. Adorei algumas do Senegal e de Trás-os-Montes. Ultimamente ando muito virado para as máscaras. Pessoa, Brandão, mas também Brecht e Leopardi…
Entretanto, de volta a Poiares, estive com a Sandra e a Alcina. Fomos ao cinema a Vila Real – Ruptura (grande pónei, mas pronto…) – e caminhámos até ao Monte Raso. Uma loucura.

Última noite em Lisboa


Última noite em Lisboa, a cidade que me acolheu este ano, algumas noites por semana. Acolheu-me mais a mim do que eu a ela, é a verdade. E tanta coisa passada, aprendida, vivida. Idas ao oriente e à baixa, o aeroporto, a cidade universitária, o world trade center, sete rios/jardim zoológico, parque Eduardo VII. O natal de Lisboa, a Primavera quente, o Verão chuvoso… O professor Alberto Carvalho: o susto da sageza e do rigor com a humaníssima figura (revelada ainda mais no jantar de final de ano, num chinês), a professora Vânia Chaves: a disponibilidade de ritmos alucinantes e a iniciadora na leitura efectiva (afectiva) de Guimarães Rosa, a professora Isabel Rocheta: a tranquilidade confiante de uma grande senhora, a professora Margarida Braga Neves: a discursividade apaixonada pela literatura de uma pessoa extraordinária, a professora Ana Mafalda Leite: pós-colonialismos e assim… A família de Lisboa que fui conhecendo melhor: Tia Maria Alice, David, Inês, Manela, João Pedro, em especial: André e Esmeralda (e o Jimmy, o único cão de que gosto porque percebeu que eu não gosto de cães). Muita coisa levo daqui, e muito mais poderia levar se tivesse ficado cá sempre. Mas o melhor de tudo: os amigos que eram primeiro colegas: João, António, Tatiana, Sónia, Rita, António Jorge, e do seminário do Ensino da Literatura: a Denise, a Vera, a Dora, e em especial a Conceição. Mas mais ainda, a Blanca e as minhas duas meninas de stresses e conquistas em comum: Manuela e Carla. Agora que chegaram finalmente as férias, e ao despedirmo-nos, já sentímos a falta de saber estarmos juntos dali a uma semana, em mais um seminário, a discutir trabalhos e a falta de tempo para os fazer como devia ser, ou a dificuldade de escrever com mais rigor, ou tudo. Um fim-de-semana em Pombal ficou mais ou menos alinhavado, pode ser que sim. Agora, que as férias estão presentes (embora ainda tenha trabalhos para fazer e entregar) é tempo de recuperar de muitas coisas, viagens longas, noites mal dormidas, leituras outras que foram sendo relegadas para esta altura, mas também é tempo de começar a pesquisar para a dissertação, arrumar ideias e textos, fazer algumas etiquetas e rótulos.

Desilusão

Pois é, a aventura no Instituto Camões acabou para mim. Fiz os psicotécnicos com pessoal fantástico, muitos deles já leitores há vários anos (em Angola, Moçambique, Bélgica, Polónia, Marrocos): destaque, desculpem os outros, para a Conceição (Moçambique) e o José (Polónia), mas também a aspirante a Marrocos. Acabei por não passar à segunda parte da entrevista, talvez porque na prova de grupo tenha falado muito pouco; preferi ouvir a voz da experiência e fazer algumas achegas quando achava necessário… Enfim, há que procurar outra coisa, entretanto, e rápido, e no próximo ano tentar outra vez! Assim sempre posso fazer melhor o mestrado, mas eu queria mesmo muito ir e trabalhar e estar fora daqui e de alguns pesos que me esmagam aqui em Portugal. Longe da vista, longe do coração: talvez fosse verdade, mas não era só por isso, claro.

Enfim, nem IC nem Universidade Júnior, já que segunda-feira tive de desistir por haver coincidência com o IC… enfim, vai chegar o momento em que todos me querem e eu já estou noutra!

Entretanto, afoga-se a tristeza em coisas tão bonitas como o álbum do Mika (life in cartoon motion - Any other world, Love today, Happy ending, Stuck in middle, além das mais conhecidas, Grace Kelly e Relax, take it easy) e o último dos Keane (Under the iron sea: Nothing in my way, A Bad dream, Crystal Ball, Is it any wonder?…). Destaques positivos: o futuro casamento da Joana Petinha (Setembro), ou a possibilidade da Sandra conseguir o seu primeiro emprego já na próxima semana!