tenho à minha espera o batido de frutas...
segunda-feira, dezembro 31, 2007
dual
tenho à minha espera o batido de frutas...
quinta-feira, dezembro 27, 2007
T-ARTE
quinta-feira, dezembro 20, 2007
Composto de Mudança
Alguns contos aparecem aqui no blog, se bem que nem sempre no seu “estado final”:
1. Magnífico caos
2. A casa dos corações partidos
3. Estória de amor pouco comum
4. Auto(r)fagia
5. Formas de morrer-se
6. A palavra gato morde
7. Uma gaivota
8. A peça (*)
9. Sonho… ilusão… retorno
10. A estória nenhuma
11. Engatinhar-se
12. Iniciação (*)
13. Hero (*)
14. Eva (*)
15. Composto de mudança
16. Monónimo (*)
17. Maias
18. Um dia extraordinário na vida de Eduardo Afonso
19. Pais (*)
20. A eternidade
21. Caro Alberto Caeiro (*)
22. Revisitação (*)
23. O que o tempo faz (*)
24. O falso turista
25. A fotografia
26. A casa de chá
27. Pedagogia (*)
28. O deus, as escadas e o pijama
29. A meio caminho para lado nenhum
30. A casa das raposas
31. Primavera
32. Teoria das cores
33. Roteiro da perdição
34. 3g de açúcar
35. As pequenas grandes dores
36. Os finalistas
37. Pelos meus olhos
38. A ronda da noite
39. Casamento: nó e mousse de frutos silvestres
40. O prodígio de Nossa Senhora das Neves
41. Na volta do homem
42. O piolhoso
43. Sobre o mesmo barco (*)
44. Confiança e reconhecimento
45. Trazer a chuva
46. Miaugente
47. Chá para um
48. Noites de amor e de música
49. Tudo sobre os comboios
50. A luz, os olhos e o poema
51. Baixa no Natal
52. 7 vidas ou o regresso do gato
quinta-feira, dezembro 13, 2007
Diversão sem fim... e nervos
quarta-feira, dezembro 12, 2007
Poema de Natal - Vinicius de Moraes
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Fernanda Botelho: 1926/2007
As meninas foram banhar-se no ribeiro, brincando e cantando com a alegria própria da idade. Dera-lhes para ali! Atrás de uma árvore de tronco grosso, viu-as refulgentes de nudez e de beleza, o jovem filho do tabelião, que por ali passava as suas férias, vindo da tabelionice da cidade do Porto, também pode ser a de Lisboa.
Eram felizes, jovens, bonitos. E ambos economistas. O Boss não gostou de os ver de mãos dadas, vinham eles dos lavabos, para onde ele, o Boss, se dirigia, já de a desabotoar a braguilha. O Boss não era feliz, nem jovem, nem bonito, simplesmente economista e outrotanto casado.
As Coordenadas Líricas
Desviou-se o paralelo um quase nada
e tudo escureceu:
era luz disfarçada em madrugada
a luz que me envolveu
A geométrica forma de meus passos
procura um mar redondo.
Levo comigo, dentro dos meus braços,
oculto, todo o mundo.
Sozinha já não vou. Apenas fujo
às negras emboscadas.
Em cada esfera desenho o meu refúgio
— as minhas coordenadas.
sábado, dezembro 08, 2007
50. A luz, os olhos e o poema
Nos olhos do gato, iluminando a noite da escrita do poeta, podia ler-se, ouvir-se, sentir-se. A vela terminava em últimos suspiros de luz, consumida. E o poeta, via das coisas mais pequenas, vivia das basicidades elementares. Na casa escura preenchida de sombras dançantes, o silêncio era quebrado pela luz do gato, que parecia dizer ao poeta para aproveitar o resto da luz da vela, ou então a luz dos seus olhos, enquanto não adormecia. O poeta leu as horas nos seus olhos e pegou na pena. Em tempos já escrevera sobre isso, mas agora aquilo que parecia realmente real, com sentido, não o conseguia tornar em palavras. O outro já o dissera muito bem: «Ó cousas; todas vãs, todas mudaves, /Qual é tal coração qu’em vós confia? /Passam os tempos, vai dia trás dia,/ Incertos muito mais que ao vento as naves». Era tudo, um soneto que não se importava de ter escrito. E afinal tudo passa, já diziam os clássicos. Heraclito e o seu rio de constante corrida e fuga, não passante segunda vez pelo mesmo leito, e a irrecuperável vida passada, a dos montes brancos, das rosas, das rosas e do vinho do tegúrio de Horácio… E as estações, sempre volvendo, como que negando tudo…
Nos olhos atentos do gato, fitos na luz da vela ainda, o poeta lê que as coisas mudam, bem como o próprio homem que as vê e as muda ao mesmo tempo. Talvez só o gato fique igual, nas suas sete vidas imortais e transmigre para outro lado. A mãe já lhe dissera coisas, coisas que eram como pontos de partida. Às vezes, a fala de alguém é um ponto de partida para escrever - «Fez o tempo outra volta», «São voltas que o mundo dá», «uns choram pelo passado e outros pelo presente». Mas faltava alguma coisa. Ou existia alguma coisa que o impedia de escrever. E, no entanto, queria. E só agora fazia realmente sentido falar assim, disto, do perpétuo Inverno e da infindável dor, as únicas coisas não mudáveis. Enquanto a vela se extinguia sem retorno, o gato espreguiçou-se e deslocou-se para a frente do poeta, iluminando a noite. O poeta observava-o, admirando com inveja a sua agilidade e elegância estudadas. Sabia o que queria dizer, sabia como, mas não escrevia. Um ligeiro desconforto de estar mal sentado impedia-o de se abstrair.
Todalas cousas eu vejo partir
do mund’ en como soían seer,
e vej’ as gentes partir de fazer
ben que soían, tal tempo vos ven,
mais non se pod’ o coraçon partir
do meu amigo de me querer ben
Pero que ome part’ o coraçon
das cousas que ama, per bõa fe,
e parte s’ ome da terra ond’ é
e parte s’ ome du gran prol
non se pode parti-lo coraçon
de meu amigo de me querer ben
Todalas cousas eu vejo mudar,
mudan s’ os tempos e muda s’ o al,
muda s’ a gente en fazer ben ou mal,
mudan s’ os ventos e tod’ outra ren,
mais non se pod’ o coraçon mudar
de meu amigo de me querer ben
E na sua cabeça um ritmo começou a bater. As palavras foram surgindo; uma vida parecia prestes a nascer da sua mão. Olhou profundamente nos olhos do gato, agradecido. Leu ainda, antes de começar, na luz do futuro dos olhos: «Viva o Parnaso, que desde a sua fundação até hoje não se escreveu soneto igual a este. Pesa mil arrobas de majestade, de elegância e de imagens e de belezas… Só sabe dizer isto com tal limpidez e eficácia quem o tem muito bem trilhado com profundíssima ponderação. E tão comentado e apreciado será que até histórias sobre a sua génese se inventarão».
- Mas só nós dois saberemos a verdadeira – disse-lhe o poeta.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
….
sexta-feira, dezembro 07, 2007
Manuel Rui, Rioseco - dois fragmentos
Eu estou muito longe. Também nunca hei-de estar perto de nada, porque quando isso me acontece, sinto, por dentro, uma vontade de me afastar para longe.
Explicação do Medo
E não voltou a ser visto no seu andar vistoso.
Vestia calças de ganga e camisola amarela com uma bandeira
Pouco cabelo, olhos do tamanho das varandas
De onde via o mundo em movimento.
Desapareceu de seus pais, de sua vida
Perante o olhar indiferente dos outros.
Esperou-se o tempo necessário e nada.
Rapto, fuga, acidente, morte sem aviso prévio,
Como quase todas as mortes que nos ceifam da vida
Que amamos acima da nossa própria…
Desapareceu de sua vida própria, mesmo que vivo,
Tendo talvez uma outra vida não planeada com o mesmo amor
Mas ainda assim uma vida, um outro ser.
Desapareceu e suas coisas são lembranças
Que não se podem apagar nem arrumar numa caixa.
Desapareceu e pode andar por aí.
Desapareceu.
Desapareceram com o tempo e os anos as esperanças
Nem sempre as últimas a morrerem.
Perdidos na sua casa, nas suas coisas,
Os pais falam às coisas e ensinam a lição às paredes,
Às vezes, embalam almofadas e fazem cócegas aos livros…
Quando dão por si, estão incapacitados para amar
E indisponíveis para a vida futura.
Também eles desaparecerão, gritando de raiva.
sábado, dezembro 01, 2007
um-seis-um
E passo-a a outras escritas de nível: Gimane, Rascunhos-Ana, Pensamentos Blogueados, Fuga de Pensamentos e É a Bidinha. Só têm de pôr a vossa citação no vosso blogue, mesmo que não faça nenhum sentido… e passar para mais cinco pessoas! Depois avisem qual a citação que lhes calhou! A minha é extraordinária, melhor seria impossível. calhou-me tal coisa que nem sei o que pode significar.
Aqui fica:
«Se, pois, se.»
«A benfazeja», Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa, 4.ª reimpressão a partir da 5.ª edição/1.ª edição especial, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005 (1962)
Casimiro de Brito, Ode & Ceia
Encosto-me ao tempo
Quando chego a casa
o deserto é outro
Abro a janela
recordo que houve sol
invento braços no corpo das sombras
e a noite me encontra
silencioso e fácil
à beira do sono.
sexta-feira, novembro 30, 2007
Memorial...
Em memória de dois gatos que me morreram este ano. O primeiro, uma coisa pequenina de semanas, todo preto só com os pés brancos como se fossem sapatos, muito amistoso, mas que dois cães estúpidos não pouparam. O segundo, um gato tigrado parecido com o Guano, o da minha tia, mas muito mau. Morreu provavelmente envenenado; descobri-o na casa das maçãs, batatas e cebolas, ainda vivo… E em saúde do outro gato, aquele que há cerca de um mês ajudei a sair de um silvado. Com pena minha, a minha mãe não mo deixou trazer para casa e ficou junto aos dois restaurantes de Poiares. Quando lá passo com a minha mãe e a minha tia, à noite, quando vamos dar a volta diária, aparece às vezes, mas já não mia como antes, desesperado É preto, todo imensamente preto, até os olhos. Tal igual o gato que ontem, depois do outro gato ter morrido, no meio da nossa volta, veio ter comigo, miando e roçando-se nas minhas pernas… Podia ser ele se não estivesse tão crescido. nenhum destes gatos foi meu, mas como não me deixam ter nenhum, todos eles me pertencem
eles se reintegram
no ronronar da eternidade.
suas almas saem de fininho
atrás de algum de rato.
morte não passa de uma forma
mais refinada de preguiça.
mais alto é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.
- se somem – é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.
sábado, novembro 17, 2007
espelho...
Eu fiquei sempre, nunca fui – mesmo quando me perdi.
Às vezes ainda me decido a partir. E parto. Mas nunca venço seguir. Se não é por culpa minha – é por culpa dos outros, que me acenaram.
É que eles, se me acenaram, foi por julgarem que eu nunca os seguiria – foi para sofrerem. E como afinal parti atrás dos seus gestos, desencantaram-se de mim, fugiram escarnecendo-me. Tombei-lhes.
Só me é permitido ser feliz, não o sendo.
É inacreditável!
Quase todos se contentam consigo próprios – bastam-se. E vivem, e progridem. Fundam lares. Há quem os beije.
Que náusea! Que náusea! Não se ter ao menos o génio de se querer ter génio!... Miseráveis!
47. Chá para um
Ultimamente costumava ir todas as noites à cozinha. Numa caneca punha água do garrafão, e depois de dois minutos no micro-ondas punha um saquinho de chá e duas colheres de açúcar. E saboreava então um sabor único e quente, reconfortador. Às vezes acompanhava-o com um pão ou tostas com doce de amora de queijo. No armário, junto à cevada, ao café e ao açúcar estavam as caixas do chá. Chá preto, chá verde, chá de cidreira, chá de lúcia-lima, chá de limão, chás com nomes e especiarias orientais, chá de Marrocos, chá de frutos silvestres, chá de maçã-canela, chá de tília, chá branco… Várias caixinhas que iam variando de dia para dia, dando assim a ilusão de variedade e companhia. Uma noite, sentado na cadeira, sentindo o vapor quente enublar-lhe os olhos, leu metade das instruções escritas numa das caixas:
Use sempre água acabada de ferver e espere 3-5 minutos antes de servir. 2 a 3 chávenas: use um saquinho.
Não acabou de ler as instruções sobre «no bule» e «para beber frio», porque subitamente sentiu-se muito só, numa cozinha enorme, ao olhar o seu saquinho com uma única chávena à sua frente…
últimas coisas...
Para ocupar o tempo tenho visto muitos filmes em dvd ou outros formatos que estavam lá em casa, já há alguns anos. Vi finalmente coisas tão espectaculares como Babel, Hotel Rwanda e Crash – Colisão, só para citar os melhores e mais emocionantes. Mas revi também a trilogia do Senhor dos Anéis, agora toda seguida e com os dvd dos extras e opções especiais. Uma verdadeira maratona de fazer perder a cabeça a qualquer um. Mais emocionante do que quando vi cada um deles no cinema. Talvez por já conhecer e poder atentar noutros pormenores. Seguir-se-ão os livros, um dia destes, uma vez que as bandas sonoras também já foram ouvidas. Uma história que ali aparece aflorada e que no livro deve vir mais desenvolvida é a de Faramir (desempenhado por David Wenham), que no fundo não tem grande interesse para a progressão da história, para nenhuma delas (a de Frodo e Sam, ou a das batalhas em Gondor), embora intervenha nas duas. Mas é uma preciosidade no meio de todo o valor físico e emocional da história. Ainda bem que não a eliminaram do filme…
Estar aqui no fim do mundo parece que implica o atenuar das coisas da cultura. Vou vendo o Câmara Clara, o Jornal 2, o Bastidores, mas parece que as coisas surgem sem o mesmo brilho e importância. José Luís Peixoto publicou Cal e não me chegou a mesma excitação que aquando de Cemitério de Pianos. António Lobo Antunes voltou com um pequeno O meu nome é Legião, e não me chegou o mesmo impacto de Ontem Não Te Vi em Babilónia… E até mesmo o Harry Potter e os amuletos da morte me passou um pouco despercebido… Será de mim, de estar focado em outras coisas mais técnicas, ou de andar a recuperar coisas do passado, ou será de estar aqui no desterro? Imagino então se trabalhasse, se tivesse companhia, filhos e casa para cuidar, se tentasse escrever a sério e se estivesse a trabalhar a sério na tese… Não é falta de tempo, mas talvez preguiça…
Por falar em escrita, a tese vai ponicamente. Tenho de falar com os orientadores para ver o que faço efectivamente. Tenho lido muitos artigos sobre o antes e o durante da obra e Arlindo Barbeitos e coisas de teoria literária sobre geração, convenção e inovação em sistemas literários, mas ainda falta ser a obra dele em específico (não há muitos…), sobre poesia japonesa, literaturas orais, aspectos de retórica e estilística, angolanidade e questões de identidade e nacionalismos literários, enfim… Na escrita mais artística, as coisas vão andando, sem grandes avanços. Mas re-ordenei a minha obra. Composto de Mudança, os 52 contos que estou a escrever ao ritmo de um por semana, desde a primeira semana de Janeiro até à última de Dezembro deste ano, está quase pronta: o último que escrevi está até adiantado, pois tenho tido um tempo mais livre, mas também é tão pequeno… A trilogia tem finalmente nome: As Mil e Uma Noites de Solidão e Medo (um verso de Alexandre O’Neill), composta por Inventário das Coisas Sós, Gravado na Pedra e Explicação da Luz (títulos ainda provisórios, romances ainda não escritos). A Antologia Poética Possível espera pelo último livro de poesia em que vou escrevendo alguma coisa, a Explicação das Coisas. Mas quero começar a trabalhar noutras coisas: Vazio Repetido (de um verso de Daniel Faria) será uma continuação do projecto do Composto de Mudança), e quero muito escrever finalmente um romance (mas mais fácil do que Inventário das Coisas Sós, de que cheguei ao terceiro capítulo) que tem o título provisório de Algumas tardes entre o mar e a morte (verso de Ruy Belo). Podem chamar-me maluco vá, eu deixo, mas nunca se sabe o que pode sair daqui! Está tudo gravado no pc e na pen (não vá o diabo tecê-las). Qualquer dia deixo algumas pessoas lerem alguma coisa, para além do que vai aparecendo aqui no Tulisses. E as leituras, tantas! Agora com este tempo frio em que nada se faz (sim, continuo desempregado, embora em Janeiro e Fevereiro tenha trabalho na Reitoria/FLUP para mais um EILC), leio. Recomendo, do que recentemente passou pelos meus olhos e mãos: Bom dia Camaradas de Ondjaki, Estação das Chuvas de José Eduardo Agualusa, A Casa Velha das Margens de Arnaldo Santos, Jornada de África de Manuel Alegre e, para não ser tudo prosa, nem tudo africano ou sobre África, mas também porque vale por si próprio, e muito, Todos os Poemas de Ruy Belo.
quinta-feira, outubro 18, 2007
Desejos vãos
Perder-me no pó pelo meio do vento
Escorrer-me com a chuva pelas pedras
Seguir em curso até ao fogo mais longo
Ou estar simples entre as coisas
Fugindo de mim e das ausências…
41. Na volta do homem
Maria das Dores estava sentada na varanda baixa, entre os seus novelos e panos de lã e de renda, tal como quando um fim de tarde de Verão o seu marido saiu para comprar tabaco e nunca mais regressou.
Ao princípio, Maria das Dores estranhou. Depois preocupou-se, a seguir saiu de casa disparada e foi ao café. Ninguém o vira, nada, nem em todo o dia. Procuraram na vila, nas hortas, em redor e não se via coisa diferente. Até que o Luís dos Fios apareceu às pessoas em volta da chorosa Maria e disse que a sua Laurinda também desaparecera. Pareceu-se ali explicar o mistério, afinal simples e de carácter amoral-amoroso: ambos se extinguiram da vila, juntos.
Passaram-se dez anos sem notícias dos fugitivos. O Luís dos Fios envelheceu como se o tempo passasse mais depressa por ele. Na sua velhice antecipada tinha dois rapazes para acabar de criar e apenas a ajuda da própria Maria das Dores, irmanada na dor comum, que lhe fazia algumas lides domésticas, uma vez que o Luís dos Fios não sabia nem estrelar um ovo nem pregar um botão – nem queria aprender, com medo e que a barba não lhe crescesse e ficasse menos homem: já bastava ser corno declarado na terra. Agora morria, rodeado pela família, com o orgulho a esganá-lo e a inquietação do abandono a apertar-lhe o coração.
Maria das Dores chorou e berrou e partiu muita coisa em casa. Só se consolou por nunca ter tido filhos. Se sozinhava na imensidão de uma casa vazia onde só os móveis projectavam sombras, recusando a companhia dos animais e das flores. Depois acalmou e seguiu a sua vida. Ganhava-a como sempre o fez, a remendar, costurar, pôr fechos, pregar botões, fazer bainhas, bordar fazer tricôt e renda. Boa de mãos, e agora menos de olhos, trabalhava ainda nas hortas do homem que a convencera a deixar a casa dos pais e a sua aldeia, transladando-se para uma terra estranha onde não conhecia ninguém. Porém, sobre ela o tempo parecia não passar, perdido por aí, entre o vento, não chegando sequer a subir às escadas para a varanda.
Mas naquele dia, em que o Luís dos Fios morria e Maria das Dores continuava na varanda entre as suas linhas infinitas que se cruzavam umas com as outras em cores e espessuras diferentes, se misturando em infinita alegria, o vento subiu as escadas, brincando com as pontas soltas. O arrepio por ele provocado fê-la levantar os olhos. Na véspera do primeiro degrau estava o marido. Mais velho, braços caídos pelo corpo com a roupa gasta e baça. Maria das Dores teve dificuldade em reconhecê-lo e ainda pensou que pudesse sem um sonho, visão ou fantasma. Ele ia falar mas ela antecipou-se-lhe:
- Se te sentares aqui, ao pé de mim, agora, e pegares nas minhas mãos, enlaçando-as com as tuas, e te chegares ao meu peito, à minha alma, não me poderás abraçar por inteira, haverá pontas e sobras. Mas será o último abraço, a última partilha de vida entre nós. Ou nem isso.
O homem ouviu-a e não compreendeu. Subiu as escadas e sentou-se a seu lado mas não chegou a abraçá-la. Do colo de Maria das Dores a mortalha que bordava inteirou-se e envolveu-o, aos poucos. As pontas e os fios perdidos ataram-se devagar, perante a placidez branca do homem. Maria das Dores levantou-se, com o sentimento de tudo cumprido e resolvido. Desceu as escadas e seguiu para casa do vizinho Luís dos Fios.
- Morte por morte, ao menos a daquele que nunca me prometeu, mas também nunca falhou...
E seguiu rua abaixo, sem olhar para trás. O homem, debaixo do mundo, sorriu pela companhia que lhe adivinhava.
a importância do livro na vinha
OUTONO
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
Miguel Torga
Planta alta e trigueira
- Dás-me dez anos da tua vida?
Eu só tinha cinco anos, pus-me a contar pelos dedos, vi que ia ficar com muito pouco.
- Dou – disse eu.
E ainda hoje, que nunca mais soube de mim, vou com o vento, balouçando. E agosto é todo o ano para mim.
Natália Correia
Hoje venho oferecer esta tristeza às coisas
No gesto esquivo de não as desejar.
Pôs na minha alma como o sol nas frias lousas
A vida o gosto de esplandecer em recusar.
São-me alheias estas margens onde corre
O destino que aos dados aos deuses eu lancei.
O que me dói é ver que tudo morre
Noutras mãos em gestos que tracei.
****
Cantos de Safo para Átis
V
Lentos meus gestos desenham o seu rosto
Rasgando a escuridão da sua ausência.
E o meu cantar enleia-se no gosto
De a cantar em distância e em transparência.
***
Venho simplesmente dizer
que uma laranja é uma laranja
e comove saber que não é ave
se o fosse não seriam ambas
uma só coisa volátil e doce
de que a ave é o impulso de partir
e a laranja o instinto de ficar.
Não sei de nada mais eterno
do que haver sempre uma só coisa
e ela ser muitas e diferentes
e cada coisa ternamente ocupar
só o espaço que pode rodeada
pelo espaço que a pode rodear.
Sei que depois de laranja
a laranja poderá ser até
mesmo laranja se necessária
mas cada vez que o for
sê-lo-á rigorosamente
como se de laranja fosse
a exacta fome inadiável.
De ser laranja gomo a gomo
o íntimo pomo como se enternece
e não cabe em si de amor
embriagada de saber
que a sua morte nos será doce.
Apesar de ter gostado de outros, estes são os mais interessantes para mim. e depois, não sobram assim tantos como isso. não gostei da necessidade estranha e permanente da rima e das imagens estrambóticas... mas quem sou eu...
quinta-feira, setembro 13, 2007
agosto II - imagens verídicas
Foto da porta do meu ex-aparamento. digno de receber um professor de portuguêz dezempregado!!!
agosto
Revi a Marisa, encontros imprevistos e rápidos, sempre no metro… E a Ana Cabral, pela FLUP. E a Celine, a Susana Melgaço, a Lídia, a Rute – todas cada vez mais lindas, e o Roberto… Muitas conversas pelo msn com a Sandra, Milai e Bruna… muitas e nem sempre fáceis… Café com a Marta, Patrícia e Guilherme. Almoço interessante com Constantina, Mário, Ivo, Marta, Patrícia e Guilherme. O costume, mas diferente.
Saldos: de roupa e de livros (Feira do Livro da Bertrand – fraquinha…, e Feira do Livro e do Material Escolar do Mercado Ferreira Borges, onde comprei 31 livros e um caderno por 40€…).
Depois o apartamento partilhado com amigos e não só, onde muito aconteceu, e se calhar não deveria, e se calhar até devia, para chegar a conclusões que se calhar naufragaram entretanto, ou não. Mas como não sou pessoa muito pensadora, as coisas flutuam ainda por aí, meias esquecidas. Mas serviu para escrever uma mão cheia de contos para o meu livrinho (Composto de Mudança) e para a história de fazer o funeral mental… que resultou, até que houve uma ressurreição, por assim dizer, que me estragou um pouco os planos de ontologia da palavra e da mente, mas enfim, o que está morto, morto pode voltar a ser. E foi a morte do artista, ou antes, da artista: Madonna. Para mim está bem enterrada, para já. Redescobri algumas coisas dos Madredeus, foi bem. Mas a Mariza voltou a ocupar o lugar… que nunca perdeu, realmente. Quem se perdeu foi eu, no último dia, em que me aconteceu uma… mas que eu não conto, foi daquelas de anedotas, como ir carregado no metro para ia apanhar o comboio, dar conta que falta o telemóvel e voltar para trás, sabendo que não se tem a chave de casa e se tem de esperar que algum dos colegas volte… e em vez do comboio das cinco, apanha-se o das dez… pronto, já contei…
O trabalho: no início foram três dias loucos na Reitoria, onde conheci uma menina muito interessante, física e psicologicamente, cabo-verdiana ;). Afiei imensos lápis, fiz dossiers, tirei cópias, distribui folhetos de Coimbra, Braga, Porto, Gaia, Aveiro, Guimarães… Enviei emails, fiz compras, fiz arranjos equilibristas com bandeiras de todos os países da Europa para a sessão de abertura, enfim. Tudo em prole do IELC – Intensive Erasmus Language Course, para sessenta meninos e meninas (alguns mais velhos do que eu, mas enfim) que vieram a prender Português. Durante o resto do mês, prestei apoio no que pude e o melhor que pude aos alunos (dúvidas linguísticas, localizações: procurar casa, encontrar sítios e ruas, metro, comboio, autocarros, feiras e, pasmem, casas de meninas – mas isto eu não sabia…), acompanhá-los, com a guia, a Marta Villares, nas visitas pelo Porto – baixa e monumentos como Palácio da Bolsa e Igreja de São Francisco e caves de Gaia (6 e 10 de Agosto), Guimarães – castelo, Paço dos Duques e centro histórico (17 de Agosto), Braga – Bom Jesus, Sé e centro histórico (24 de Agosto) e Serralves (31 de Agosto). E apoio às extraordinárias formadoras: Ana Isabel, Ana Paula e Débora (power point, fotocópias, acetatos e retroprojectores, impressões, entrevistas, vídeos…). Enfim, às vezes uma estafa por ter de andar de um lado para o outro, outras vezes uma calmaria arrasadora. Tinha uma sala de 40 computadores com ligação à Internet e assim ia ocupando os tempos mortos. Os miúdos eram espectaculares. E ficam na memória da ternura alguns: Greta, Sara, Giulia, Alex, Simone, Valentina (italianos), Estefânia, Pablo (espanhóis), Muhammet, Fatih, Belkis (turcos), Vera, Kate (alemãs), Tomasz, Hubert (polacos), entre outros… No fim foi difícil despedir-me de todos, alunos, formadoras e Rosi. É que os laços criam-se... e ficam…
Do meu caderno (Pensamentos Ligeiros – vol.13, que mantenho desde os catorze anos, tipo diário/registos vários/poemas meus e de outros e afins…) posso transcrever que a «A primeira noite foi estranha, claro. Choveu e água bateu forte no plástico e no vidro da marquise» - o meu quarto tinha contacto directo com a única parte da casa com janela para o exterior - «conversa até tarde, muito, sobre muitas coisas – sobre nós de vez em quando, de fugida». Mas sobre isto não vou revelar mais, só no tal conto.
Já o disse, as leituras foram poucas. Mas agora em Setembro (agora que já acabei todos os trabalhos de mestrado) posso vingar-me e é o que estou a fazer. Contos Outra Vez, de Luísa Costa Gomes é extraordinário, seguem-se Olhos Verdes, também dela, Na berma de nenhuma estrada do eterno Mia Couto, acompanhados pela Bílbia, Poesia Completa de Natália Correia, e depois se verá.
Casamento da Joana
Com o João, que ainda não conhecia. A primeira da minha geração, da fornada de 1983. Pelo menos das mais chegadas… Foi na igreja de São Miguel de Lobrigos, uma igreja pequena e bonita com uma talha dourada velha. Estava linda a nossa Joaninha. Não como sempre, mas mais especial. O padre a arrastar os rrrrrrr e os leitores a despacharem as leituras bíblicas em três tempos foram acompanhados por um brilhante coro. O copo d’água foi no Hotel Régua Douro, com uma vista extraordinário sobre o rio. Havia de tudo, como é costume nos casamentos. Destaque para o creme de legumes, o bolo gelado, a mousse de frutos silvestres, as frutas, os mini-salgadinhos, bola, crepes (bom, isto foi do que comi e mais gostei…). Com música ao vivo, quase tipo casamento à americana, mas com músicos muito bons, com muitas fotografias, leilão da gravata do noivo e enfins. Resta desejar as maiores felicidades possíveis e força para os momentos menos bons. E ela merece!!!
terça-feira, setembro 04, 2007
3 poemas de Alexandre O’Neill
A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou numa noite qualquer.
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.
*
Há palavras que nos beijam
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas e inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
*
O quarto
Aqui dormi.
Aqui sonhei.
Aqui me masturbei.
Da parede,
o mesmo azul do mapa
me convida.
Mas não fui de «longada».
De lombada em lombada,
quanta estante corrida!
segunda-feira, setembro 03, 2007
excerto de uma conversa no msn com a sandra...
as minhas epígrafes do trabalho:
tiago diz:
«Poesia é bem o que dificilmente se pode descrever ou definir…»
Ana Hatherly, Caminhos da Moderna Poesia Portuguesa, s/d, p.76
«Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.»
Fernando Pessoa/Bernardo Soares, O Livro do Desassossego, 1998,
título:
tiago diz:
Poesia, Linguagem Poética e Lírica: em torno de conceitos (in)definíveis
sandra diz:
gostei particularmente de Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.»
tiago diz:
Assim, todas as definições que se possam tecer em torno destes conceitos deverão ter em conta condicionantes extra-literárias e o próprio objecto que se pretende trabalhar, para evitar equívocos e falhas, embora sejam sempre redutoras, porque:
Definir seja o que for é criar ao definido a possibilidade de ser precisamente algo diferente do que se diz na definição. Ou seja, é criar-lhe perspectivas de não o ser, de se exceder e transgredir.
e esta é a conclusão
tiago diz:
na p.17
tiago diz:
(mais três paginas de bibliografia...)
sandra diz:
q lindo
tecer es aranhiço???
tiago diz:
n percebi...
tiago diz:
ah... já percebi
tiago diz:
sim, eu teço mt, como a penélope só que ela esperava o ulisses e ele voltou
tiago diz:
eu sou o próprio
tiago diz:
tulisses...
tiago diz:
espero e volto, continuamente, a mim, de mim,
tiago diz:
em mim
tiago diz:
sempre solitário a bordar a mortalha com que me envolverei ao morrer
tiago diz:
lol
tiago diz:
eu agora estava em delírio poético
sandra diz:
uauuuuuuuuuu
tiago diz:
pois ééééééé
sandra diz:
aproveita e faz uma camisola para moi
tiago diz:
está bem
tiago diz:
tens preferência no material?
tiago diz:
podem ser lágrimas ou preferes sangue das veias dos pulsos?
sexta-feira, agosto 31, 2007
Mariza - Ó gente da minha terra
No site de mariza podem ver-se três video-clips e e um making of. a não perder. http://www.mariza.com/
quinta-feira, agosto 30, 2007
Mariza ao vivo no Porto
14.Ouça lá ó senhor vinho
quarta-feira, agosto 29, 2007
Alberto de Lacerda
Ilha de Moçambique
Desfeitos um por um os nós sombrios,
Anulada a distancia entre o desejo
E o sonho coincidente como um beijo,
Exalei mapas que exalaram rios.
Terra secreta, continentes frios,
Ardei à luz dum sol que é rumorejo
Para lá do que eu sou, do que eu invejo
Aos elementos, aos altos navios!
Trouxe de longe o palácio sepulto,
A cobra semimorta, a bandarilha,
E esqueci poços, prossegui oculto.
Desdém que envolve por completo a quilha,
Sou bem o rei saudoso do seu vulto,
Vulto que existe infante numa ilha.
http://www.iplb.pt/pls/diplb/!get_page?pageid=402&tpcontent=FA&idaut=1717589&idobra=&format=NP405&lang=PT
segunda-feira, agosto 27, 2007
Eduardo Prado Coelho
mais informação:
sexta-feira, agosto 24, 2007
Explicação das Coisas
Explicação dos Montes
Procuro a luz e o calor
E a fuga do fundo. Cresço
Como se fosse vida o que trago.
Mas só em milhares de anos
Chegarei a metade do caminho.
*****************
Explicação do Mundo (selon Plotino)
Existe desde sempre porque é autónomo.
Existe porque é exigido por e subordinado à
Eternidade.
Não sabe o que quer, mas quer infinitamente.
*********************
Explicação do Rio
Vontade de ser grande
De correr ou de fugir do nada.
Vontade de me afogar ou fundir.
Vontade de ver mais e mais longe
E morrer, contigo.
************************
Explicação ténue do suicídio
Defendia-me da morte todos os dias.
Mas hoje achei que não valia a pena continuar.
quinta-feira, agosto 23, 2007
poema de arlindo barbeitos
não sabem
quem matou o antílope
cor de vento listrado de chuva
e
pombos verdes
de vôo redondo
não sabem
por que o homem tatuado
caiu no feitiço das coisas de longe
in: Nzoji
(é este o famoso poema de que usurpei os últimos dois versos paar me definir face às literaturas africanas...)
Matem a madonna, por favor
P.S. - é agora que alguém do lobby gay me mata...
quarta-feira, agosto 22, 2007
Agosto
quinta-feira, agosto 16, 2007
segunda-feira, agosto 13, 2007
Primavera
Se as árvores se vão cobrir de flores
E o homem se sentiu sorrir à Vida!
Quem pode impedir a surda guerra
Que vai nos campos deslocando as pedras
- Mudas comparsas no ritmo das estações –
E da terra inerte ergueu milhares de lanças
Que a tremer avançam, cintilantes, para o limite
Em que a luz aquosa se derrama
Como um ar infinito onde o arado
Abre caminhos misteriosos à seiva inquieta?
Quem pode impedir a Primavera
Se estamos em Maio e uma ternura
Nos faz abrir a porta aos viandantes
E o amor se abriga em cada um dos nossos gestos?
Quem?...
Se os sonhos maus do Inverno dão lugar à Primavera?
Ruy Cinatti
sexta-feira, agosto 10, 2007
3 grandes mulheres do cinema
Kate Winslet (http://www.imdb.com/name/nm0000701/)
quarta-feira, agosto 08, 2007
Teoria das Cores
«Na natureza, o verde é uma coisa, na Literatura é outra completamente diferente.»
Virgínia Woolf, Orlando
Diante do mestre Diamantino, sete pessoas, homens e mulheres, estavam sentadas em posição de lótus, de olhos fechados, meditando sobre uma qualquer praia e o seu corpo nela, ao sol, a ser percorrido desde as planas dos pés até ao cabelo, passando, frisado, pelos glúteos, por uma nuvem fresca. As pessoas estavam todas vestidas de branco, embora, para se distinguirem, cada uma tivesse uma fita de pano de cor diferente na testa. Assim, o homem mais à frente tinha uma fita laranja e a mulher ao seu lado, cinzenta. Se nos fosse permitido entrar no jardim onde todos estavam diante do mestre, poderíamos ver que a cor do homem mais distanciado era azul – a fita, claro.
Se nos fosse permitido circular por ali, veríamos a forma como o sol ali habita. Embora rodeado por árvores frondosas, cada uma com seus verdes das mais variegadas matizes, além da cerca de arame farpado, que dava um tom de privacidade ao espaço, embora algo selvagem e violento, o espaço era amplo e parecia aberto, recebendo o sol morno em si como um casal de amantes. Nasciam por isso plantas com bastante facilidade, mantidas também por um riacho que percorria o jardim e o dividia a meio; ligadas as margens por três pontes de pedra (ponte talvez seja uma palavra demasiado grande para as designar, mas sempre têm a mesma função, embora a palavra em si também não seja muito grande). À luz do sol, as coisas ganhavam contornos nítidos e precisos. Um girassol era um girassol, e os cravos e as rosas eram eles. Quando o sol abruptamente adormecia, essa nitidez esbatia-se e as formas como que se uniam, em êxtase e indefinição. Mas naquele momento era dia e o sol cumpria a sua função de luz e tudo resplandecia com a cor que o sol lhes emprestava, incluindo as tais faixas que diferenciavam cada um dos participantes do encontro.
Todos os anos, o mestre Diamantino, especialista em filosofias orientais que pretendem transcender o tempo e o espaço através da mente e de uma relação especial com o corpo, escolhia alguns dos seus mais fiéis e avançados alunos da sua Academia, devidamente creditada e referenciada pelos especialistas do mesmo assunto, para fazer uma viagem até um local remoto do mundo a fim de estabelecerem um novo ponto de contacto com a Terra-Mãe, num local semi-virgem, onde poucos tivessem profanado o chão. Era teoria deste grupo que a nossa existência era prejudicial para o equilíbrio da Terra-Mãe e, embora vivêssemos nela, tínhamos de conseguir estabelecer uma forma mais neutra de nos relacionarmos com ela. Assim, só comiam frutos e vegetais caídos da árvore, húmus e coisas meio estranhas, criadas de propósito por eles, para eles. E assim, sem reparar que entravam em contradição com as suas crença, iam todos os anos para um local ermo, levando consigo a sua presença e, obviamente, o avião que os levava – com certeza a Terra-Mãe agradecia a agitação do pó que em cima dela se acumulava por milhares de anos. Porém, de há uns anos para cá, por maior comodidade e respeito por essa Terra-Mãe, o grupo comprou uma casa com um extenso terreno algures no meio de África e ali se reuniam todos os anos, rodando os membros escolhidos. Outros grupos, provenientes de todos os lados do mundo, de todas as cores de olhos, cabelos e pele se juntavam, embora cada grupo na sua divisão. Se nos fosse permitido entrar ali, veríamos a diversidade dos outros grupos, mas este era até bastante coeso: sete pessoas com idade para terem juízo, já entradas na metade do século. Nos outros grupos falavam-se muitas línguas, embora as conversas nem sempre fossem muito interessantes, embora todas, sem excepção, lamentassem o estado do mundo, da moral ao clima. Este era, aliás, o tema mais versado: os animais em vias de extinção, as plantas e insectos que desaparecem todos os dias, os pulmões do mundo a serem cortados, os glaciares a perderem a sua vida gigantesca, a seca extrema de determinadas zonas, contrastando com outras. Aquela zona não fora ainda atingida pelas mudanças. Continuava a haver sol e humidade suficiente para todos os animais e plantas sobreviverem por ali. De alguma forma, o grupo considerava-se responsável por isso: as energias que recebiam da Terra-Mãe devolviam-nas transformadas em amor àquele lugar sacralizado, mantendo o equilíbrio daquele espaço.
Era também crença do grupo, em especial do mestre Diamantino, que as certas cores eram positivas e outras negativas para a conservação da Terra-Mãe. Assim, o branco e o azul eram primordiais para o equilíbrio do ar e da água, respectivamente. O vermelho e o castanho para o fogo e a terra. Nada de novo, até aqui. Mas o verde era, na opinião deles que nenhum de nós pode confirmar, a não ser que sejamos aceites na irmandade e tivermos capacidade para a acompanhar em todas as suas vertentes, a cor por excelência da Terra-Mãe, a cor com que se enfeitava, vestia, brilhava. Tudo o que era verde era bom e puro. Perfeito e impossível de maltratar. Assim, quando naquela tarde de sol definidor da geografia das coisas e de concentração máxima, uma cobra enorme, verde, com umas riscas castanhas, de olhos brancos e vermelhos, apareceu subitamente no jardim e aos poucos foi engolindo o homem com a fita de pano azul – a única cor da perfeição que lhe faltava, ninguém pareceu notar o que se estava a passar, e mesmo que notassem talvez nada fizessem, já que a cor mandava sobre tudo. Mas disto nada sabemos, porque não pudemos lá entrar.
terça-feira, agosto 07, 2007
quarta-feira, julho 25, 2007
Saber Ler – ou «A leitura e a liberdade»
Leonis Panwels em Aprendizagem da Serenidade apresenta cinco espécies de leitura. Começa com a mais frequente e, para muitos, a única: «a leitura dita de informação» - e esclarece a designação chamando a atenção para o papel manipulado e manipulador da imprensa em geral. Questões ideológicas, políticas, económicas e etc. modelam os discursos, através do fragmentário, de lógicas mais ou menos marxistas, ou capitalistas, formatando opiniões (mais do que formando). «A imprensa é uma arma política», o que não é grave ou revoltante: o que o é, é a incapacidade de destrinçar os reais construídos pelo pensamento dominante a cada texto. Ler só isto é quase tão mortal como não ler nada. Manter-se afastado da realidade não é aconselhável, mas há que fazer pausas e criar os seus próprios reais.
Outros tipos são apontados como constituídos pelas obras-primas, embora não só, embora aquelas misturem as quatros outras espécies. A leitura de distracção – que permite evasões no espaço, no tempo, da realidade…, a leitura de aquisição – do saber, de conhecimentos; a leitura de deleite – e aqui estão as obras-primas da literatura; e leitura de elevação – obras de espiritualidade, filosofia e sabedoria em geral. Todas elas devem fazer parte do dia-a-dia de cada leitor. (Não sejamos líricos: até eu que me considero um bom leitor, ou pelo menos acima da média, não consigo ler de tudo – a distracção e a elevação têm andado em baixo).
Seguem-se as regras (quase à maneira que mais tarde surgirão em Daniel Pennac, Como um Romance) de leitura: ler de tudo «uma leitura multiforme, como a própria vida»; fazer marcas, sublinhar, anotar, e não é obrigatório ler do início ao fim, mesmo num romance! «Diariamente, um pouco de leitura de elevação» - (Será que a poesia de Daniel Faria pode entrar aqui?).
Tempo e dinheiro não são problema! Uma hora por dia chega, os livros de bolso e as feiras estão por aí (já para não falar em bibliotecas e as estantes dos amigos!). Outra regra: «Não ser indiferente ao essencial» - por exemplo, preferir a televisão e seus programas estupidificantes em detrimento de uma leitura; e ainda «Saber o que se quer, o que se vale» - embora sobre este (e também de todos os outros pontos) convido antes à leitura do artigo integralmente:
Leonis Panwles, Aprendizagem da Serenidade, Lisboa: Verbo, 1987, p.144-51
explicação da ausência
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer – fosse abertura –
E a saudade é tudo ser igual.
Daniel Faria, Poesia
quarta-feira, julho 11, 2007
pequeno poema
Talvez porque sejam tuas e tão diferentes das manhãs.
O respirar intenso do mundo amacia e convida
A desejar ardentemente o tempo dos outros ausentes.
maravilhas
Com muito aparato (e também algum ridiculismo) lá se fez a eleição das 7 maravilhas de Portugal e do Mundo. Embora não comentando coisas demasiado óbvias, não posso deixar de lamentar a ausência de um monumento do Porto (eu preferia a Igreja de São Francisco, mas os Clérigos são mais emblemáticos, sim), o que demonstra um certo desinteresse do Porto por estas coisas…Eu tinha votado em: Palácio de Mateus de Vila Real (é Vila Real, pronto), Igreja de São Francisco do Porto (fantástica, e é do Porto), Igreja e Torre dos Clérigos (idem), Mosteiro de Alcobaça (pelo gótico e magnificência e por guardar os protagonistas da história de amor mais conhecida em Portugal), o Mosteiro dos Jerónimos (verdadeira obra-prima), o Templo Romano de Évora (mais recordações pessoais e pela herança Romana, ou em alternativa, o Convento de Cristo em Tomar…) e o indiscutível Palácio Nacional da Pena em Sintra (nem preciso de comentar, claro). Os que foram escolhidos não estão mal, embora dois para Lisboa me pareça muito e o Castelo de Guimarães me pareça demasiado valorizado.
Mariza extraordinária, acompanhada por Camané, Rui Veloso e Carlos do Carmo: a real nata da boa música portuguesa (só faltou Rodrigo Leão e os Madredeus).
As sete maravilhas do mundo: a escolha talvez seja mais difícil e mais perspectivas se pudessem levantar sobre elas. A minha votação foi obviamente pensada embora pudessem ter sido outros locais os escolhidos. Votei em: Acrópole de Atenas, Petra na Jordânia, Stonehenge na Inglaterra, Alhambra em Granada, Estátuas da Ilha da Páscoa, Taj Mahal em Agra na Índia, Torre Eiffel em Paris. Indiscutível a importância da Muralha da China, ou de Machu Picchu, mas a Estátua do Cristo Redentor deixa-me muitas dúvidas: e a certeza de que houve um interesse económico-turístico muito forte por detrás por parte dos brasileiros que, como sabemos, são imensos. O Coliseu de Roma também me parece um pouco ridículo, até porque foi a única maravilha da Europa que foi escolhida (eu escolhia quatro… embora pudesse largar a Torre Eiffel), quando a mais representativa do modo de ser europeu e até ocidental é, sem sombra para dúvidas, a Acrópole de Atenas, onde, no fundo, nascemos para a intelectualidade.
Do espectáculo em si, salientam-se os apresentadores, muito simpáticos, os filmes de promoção do pais, a Dulce Pontes com o José Carreras, Alessandro Safina, embora a Jennifer Lopez e Chaka kan (?) me parecessem um pouco deslocadas de tudo aquilo.
Mais uma vez, tal como noutras votações (lembram-se dos Grandes Portugueses?) as escolhas são discutíveis e problematizadas. Ficou a promessa de colocar estes locais nos livros de História e tentar conservá-los. Bem, alguns já têm vantagem: a Acrópole e o Coliseu, pelo menos, já estão nos livros há muitas décadas. Os outros, e daqui até isso ser feito… E não nos esqueçamos que ser nomeado uma das maravilhas do mundo não quer dizer que signifique prevalecer no tempo com existência física (das antigas maravilhas só sobreviveram as pirâmides do Egipto!).
Vêm aí as maravilhas da natureza. Mais um pónei, talvez, mas mesmo assim não deixem de votar. Eu voto!
segunda-feira, julho 02, 2007
O deus, as escadas e o pijama
«E porque os deuses são ciumentos, não serão permitidas, em meu corpo, as carícias de outros braços ou o beijo de outras bocas.»
Tito Lívio, Senhor Partem Tão Tristes
As escadas alongavam-se até ao chão. De madeira com mármore do meio para a borda, propícias à revitalização da alma pela perde do corpo, ou pela imobilidade opaca. Uma nesga de céu azul era visível pela janela do tecto. Parado, fixado no chão do olhar, o deus chorava. A dor primeira da separação estava quase leve, andava leve. Em vez da continuação surgiu uma nova que mais valia ter surgido na mesma altura que a outra: outra pessoa na sua vida – dor de pensar nos corpos juntos e da partilha da vida que fora quase dele para a eternidade e que agora poderia pertencer a outrem. Mas isso não era a maior dor aos sete meses – mas sem saber que nem dois meses depois da separação o outro encontrara outra pessoa. E ele, o deus, que era tão especial, que continuaria a ser amado para sempre – chorava a sério ao ver-se esquecido tão cedo.
O deus estava de pé e hesitava em começar a descer as escadas. Um pé estendia-se com vontade de acção, mas o olhar parado parecia não dar autorização – e todos sabemos do poder dos olhos – ele, que o outro disse tantas vezes como: deus grego ou Apolo, às vezes um anjo protector outras um demonão, o shamsu, o que fazia festinhas cómicas (leia-se cócegas), o que era lindo lindo lindo, o miau, o do cabelo e braços fofinhos, o das pernas boas, o das mãos irrequietas, o dos lábios macios, o da inteligência argumentadora e irónica, o da surpresa e do inesperado, o da falsa indiferença patente nos olhos vivos. O amor – que o deus via nas orelhas que estranhava no outro e que aprendeu a amar com o tempo de vida partilhado, não reparando ou amando também os dentes afastados da frente ou pouco cabelo, valorizando as suas pernas, as suas mãos, a sua boca, o seu pescoço, as suas costas com os seus risquinhos. Agora, todo este corpo seria de outro, bem como a sua humildade, dedicação e alegria de viver. E o outro corpo estava só e não era assim tão perfeito como o pintado anteriormente – o deus aumentava de volume porque a dor o fizera compensar-se na comida, sobretudo nos doces e chocolates – e já só achava dignos de si os seus pés e as suas mãos.
Resolveu finalmente sentar-se. Olhou o céu e parou de chorar, embora sentisse ainda o peito como que espalmado entre duas tábuas rijas que dificultassem o respirar. A notícia tinha-o atingido de mansinho, mas aos poucos foi-se insinuando com cada vez mais força, oprimindo, tolhendo. Ao passar pelo jardim de Primavera onde lho contaram, as flores iam murchando e os pássaros calaram-se. Alguém cantava e ficou sem voz quando o deus a olhou. Os semáforos ficaram vermelhos para toda a gente durante horas e gerou-se um caos profundo.
Um pé balançava-se três degraus abaixo, enquanto o outro estava plenamente pousado sobre o mármore frio das escadas que também eram de madeira. Recostou-se contra o contra o corrimão em que ninguém mais passaria a mão. As palavras ditas não voltariam a ser ditas. Que dicionário teríamos outros inventado? Que palavras teriam voltado a ser usadas? Miau? Demonão? Que outras teriam tido mais significado? Que gestos se teriam convertido em rituais de iniciação e de amor? Mas agora também não interessava mais – o deus tinha feito aquilo que lhe competia. O deus não era ciumento, mas não permitia que um corpo que fora seus fosse agora objecto de prazer – dar e receber – de um outro. Ninguém o pode julgar por isso porque ele é o deus, e terá o seu plano que transcende todos os humanos e simples mortais.
O deus estava de pijama, um pijama azul, abotoado até cima, como nas noites de verão em que parecia incompreensível ao outro que o deus vestisse pijama – mesmo que de verão – e abotoasse tudo até ao fim – ou início, dependendo do ponto de observação – e usava cobertor, enquanto o outro se afastava da roupa de cama, nu ou quase, recebendo ainda a brisa do rio pela varanda aberta.
O deus estava de pijama azul com uma mancha vermelha que ia também por um dos braços, abotoado até cima. Já não chorava e não comia chocolate nem se sentia ele próprio um caos profundo. Isto porque resolveu, com um empurrão, usando as escadas longas e fortes, transcender todos os humanos e simples mortais – que afinal os outros dois eram. Antes de se sentar lavou as mãos do sangue dos outros em seu sacrifício involuntário, depois, enquanto fechava a porta da varanda e se sentava no topo das escadas, desejou deixar de fazer parte de tudo isto. Porque inespecífica demais a formulação, acabou por deixar a vida quando deixar aquela vida era apenas o que pretendia.