(apesar de não estar trabalhado, revisto, alterado ou o que for... e porque a Su e a Consti gostaram muito...)
Tinha chegado há pouco tempo a casa quando chegou embrulhado num plástico transparente com folhas desenhadas a branco. Era um vaso com uma planta, cujo nome ainda hoje desconheço, de flores cor-de-rosa claro com riscos e manchas mais escuras.
Sim, eram para mim. Não havia qualquer hipótese de confusão, de troca, engano, erro ou confusão de morada ou de identificação: lá estava a minha rua, número e o meu nome. Mas mais nada. Nenhum cartão com a assinatura de tão inesperado presente. O moço que o transportava também nada podia adiantar, que veio apenas entregar, mas podem ser de uma admiradora secreta, disse-me, com um sorriso de quem já está habituado a situações como aquela. Mas eu não estava e, aparvalhado, entrei na sala com as flores, o plástico, o meu nome, a minha morada e sem o cartão inexistente, tudo ao mesmo tempo.
Sentei-me, olhando-as. Só então devo ter de facto reparado no plástico, nas folhas brancas e numa grande fita vermelha, até exagerada e ligeiramente pirosa, que envolvia o vaso e o plástico. E nenhuma informação de destinador. Peguei nela, pu-la na varanda e fechei a porta sobre ela.
Primeira questão: quem me mandou a planta? Segunda: porquê? Era óbvio que teria sido a minha namorada, mas estando ela a quarenta quilómetros de distância… Bem, nada a impedia de a encomendar, bastava telefonar, dar a morada e pronto. E aconteceu assim, provavelmente. Mas não. Ou pelo menos ela nada confirmou quando eu lhe telefonei e agradecer e a perguntar porque não tinha assinado nem dizia nada, ela que sempre fora muito eloquente para bilhetes, cartas e postais de namoro. Era a segunda questão que eu tentava responder: não tanto o porquê, até porque o amor não necessita de justificações para as suas demonstrações, mas sobretudo por que não se tinha identificado. Grande problema: jurou afincadamente, perante a minha suspeita e insistência, que não tinha sido ela e até fez uma cena de ciúmes pelo telefone, que andava alguma interessada em mim e que eu já devia ter dado algum encorajamento para estar a receber uma planta no dia dos namorados. Eu nem me lembrava que era dia de S. Valentim, dia muito bem apanhado pelo comércio para incentivar a uma espécie de consumo em franca expansão. Foi a pedra de toque: fula comigo por eu desconfiar dela e por ela desconfiar já de mim, e eu chateado com a situação toda, cortamos a comunicação por ali, sem marcação prévia de novo contacto.
Vim novamente à varanda. A planta sorria com suas flores de pétalas soltas ao vento ligeiro de Fevereiro. É engraçada: com caules castanho-vermelho suave, muitas folhas em forma de pequenos corações, e as flores no cima, como se fossem chapéus de plumas de senhoras que olham para o chão que pisam delicadamente.
Não tendo sido a Joana, quem? Haveria alguém interessado em mim? Ou alguém que quereria destruir a nossa relação, dando motivos de desconfiança à Joana? Então só podia ser alguém que me conhecesse bem, que soubesse a minha morada e o meu nome completo! Mas logo de seguida foram as questões vitais que irromperam das pétalas trocistas: serás capaz de tomar conta de nós? E eu não respondi trocistamente, porque poderia não ter-lhes respondido sequer, ou dizer-lhes que tinha mais que fazer do que tratar de flores e plantas. Mas não. Quem mandou isto não gostaria que eu as deixasse morrer… Mas talvez por isso não mandou um animal, com receio… Preocupado, sim é o termo, pensei que pode um homem fazer sozinho num apartamento para permitir que a planta continue a viver? Recordei as plantas da minha Mãe, o trabalho esforçado por um crescimento e florescimento perfeitos, tal como tudo em que a minha Mãe punha a mão e podia controlar. Assim, pensei que esta planta era de rua. Pus um prato debaixo dela (normal, de cozinha, porque não tinha dos outros) e reguei-a. Fechei suavemente a porta da varanda, com alguns escrúpulos de a deixar sozinha ao frio de Fevereiro… Mas, caramba, é uma planta… Mas quem nos garante que as plantas não sofrem e não têm frio como os animais?
No dia seguinte a Joana telefonou. Queria saber da planta ou melhor, se já sabia alguma coisa de quem ma enviara. A resposta não lhe agradou mas notei na sua voz uma certa tranquilidade satisfeita quando lhe disse que mesmo não sabendo quem ma deu, ia tomar conta dela.
Aquela tranquilidade satisfeita fez-me suspeitar novamente que fora ela. Para me pôr à prova? Tentar saber de alguém que pudesse estar interessado em mim ou eu em alguém?
Mas foi ao fim da tarde, quando estava já a caminho de casa, ao ver um cartaz a anunciar uma peça de teatro e ao constatar que já não ia ver um espectáculo há muito tempo e que a última vez tinha sido com a Joana, que me lembrei da famosa cena final que a ela adorou: uma personagem oferece uma planta a outra, dizendo-lhe que a relação deles dependeria daquela planta: se a planta vivesse só com os seus cuidados, significava que já estaria pronta para passar para um nível mais avançado: cuidar de outra pessoa numa relação a dois. Desconfiei novamente da Joana e da sua tranquilidade satisfeita aquando da minha frase “vou tomar conta dela”.
Telefonei-lhe logo a dizer que vou ver uma peça no mesmo teatro onde fomos ver a outra, lembras-te? Aquela da planta que marcava o compasso de espera da relação amorosa entre as personagens principais? Sim, essa, que nós achámos muito interessante por não sabermos a conclusão. E mais nada. Da sua fala, tom, velocidade e palavras nada pude avaliar.
Nessa noite, conduzi até à casa da minha Mãe. Cá fora, as plantas com ou sem flores mostravam que o tempo pouco passara por ali. Beijei-a e serviu-me do seu chá, enquanto a brindava com um vaso de flores cor-de-rosa claro com riscos e manchas mais escuras, embrulhado num plástico transparente com folhas desenhadas a branco. Mas sem a grande fita vermelha, exagerada e ligeiramente pirosa, a envolver o vaso e o plástico.
Tinha chegado há pouco tempo a casa quando chegou embrulhado num plástico transparente com folhas desenhadas a branco. Era um vaso com uma planta, cujo nome ainda hoje desconheço, de flores cor-de-rosa claro com riscos e manchas mais escuras.
Sim, eram para mim. Não havia qualquer hipótese de confusão, de troca, engano, erro ou confusão de morada ou de identificação: lá estava a minha rua, número e o meu nome. Mas mais nada. Nenhum cartão com a assinatura de tão inesperado presente. O moço que o transportava também nada podia adiantar, que veio apenas entregar, mas podem ser de uma admiradora secreta, disse-me, com um sorriso de quem já está habituado a situações como aquela. Mas eu não estava e, aparvalhado, entrei na sala com as flores, o plástico, o meu nome, a minha morada e sem o cartão inexistente, tudo ao mesmo tempo.
Sentei-me, olhando-as. Só então devo ter de facto reparado no plástico, nas folhas brancas e numa grande fita vermelha, até exagerada e ligeiramente pirosa, que envolvia o vaso e o plástico. E nenhuma informação de destinador. Peguei nela, pu-la na varanda e fechei a porta sobre ela.
Primeira questão: quem me mandou a planta? Segunda: porquê? Era óbvio que teria sido a minha namorada, mas estando ela a quarenta quilómetros de distância… Bem, nada a impedia de a encomendar, bastava telefonar, dar a morada e pronto. E aconteceu assim, provavelmente. Mas não. Ou pelo menos ela nada confirmou quando eu lhe telefonei e agradecer e a perguntar porque não tinha assinado nem dizia nada, ela que sempre fora muito eloquente para bilhetes, cartas e postais de namoro. Era a segunda questão que eu tentava responder: não tanto o porquê, até porque o amor não necessita de justificações para as suas demonstrações, mas sobretudo por que não se tinha identificado. Grande problema: jurou afincadamente, perante a minha suspeita e insistência, que não tinha sido ela e até fez uma cena de ciúmes pelo telefone, que andava alguma interessada em mim e que eu já devia ter dado algum encorajamento para estar a receber uma planta no dia dos namorados. Eu nem me lembrava que era dia de S. Valentim, dia muito bem apanhado pelo comércio para incentivar a uma espécie de consumo em franca expansão. Foi a pedra de toque: fula comigo por eu desconfiar dela e por ela desconfiar já de mim, e eu chateado com a situação toda, cortamos a comunicação por ali, sem marcação prévia de novo contacto.
Vim novamente à varanda. A planta sorria com suas flores de pétalas soltas ao vento ligeiro de Fevereiro. É engraçada: com caules castanho-vermelho suave, muitas folhas em forma de pequenos corações, e as flores no cima, como se fossem chapéus de plumas de senhoras que olham para o chão que pisam delicadamente.
Não tendo sido a Joana, quem? Haveria alguém interessado em mim? Ou alguém que quereria destruir a nossa relação, dando motivos de desconfiança à Joana? Então só podia ser alguém que me conhecesse bem, que soubesse a minha morada e o meu nome completo! Mas logo de seguida foram as questões vitais que irromperam das pétalas trocistas: serás capaz de tomar conta de nós? E eu não respondi trocistamente, porque poderia não ter-lhes respondido sequer, ou dizer-lhes que tinha mais que fazer do que tratar de flores e plantas. Mas não. Quem mandou isto não gostaria que eu as deixasse morrer… Mas talvez por isso não mandou um animal, com receio… Preocupado, sim é o termo, pensei que pode um homem fazer sozinho num apartamento para permitir que a planta continue a viver? Recordei as plantas da minha Mãe, o trabalho esforçado por um crescimento e florescimento perfeitos, tal como tudo em que a minha Mãe punha a mão e podia controlar. Assim, pensei que esta planta era de rua. Pus um prato debaixo dela (normal, de cozinha, porque não tinha dos outros) e reguei-a. Fechei suavemente a porta da varanda, com alguns escrúpulos de a deixar sozinha ao frio de Fevereiro… Mas, caramba, é uma planta… Mas quem nos garante que as plantas não sofrem e não têm frio como os animais?
No dia seguinte a Joana telefonou. Queria saber da planta ou melhor, se já sabia alguma coisa de quem ma enviara. A resposta não lhe agradou mas notei na sua voz uma certa tranquilidade satisfeita quando lhe disse que mesmo não sabendo quem ma deu, ia tomar conta dela.
Aquela tranquilidade satisfeita fez-me suspeitar novamente que fora ela. Para me pôr à prova? Tentar saber de alguém que pudesse estar interessado em mim ou eu em alguém?
Mas foi ao fim da tarde, quando estava já a caminho de casa, ao ver um cartaz a anunciar uma peça de teatro e ao constatar que já não ia ver um espectáculo há muito tempo e que a última vez tinha sido com a Joana, que me lembrei da famosa cena final que a ela adorou: uma personagem oferece uma planta a outra, dizendo-lhe que a relação deles dependeria daquela planta: se a planta vivesse só com os seus cuidados, significava que já estaria pronta para passar para um nível mais avançado: cuidar de outra pessoa numa relação a dois. Desconfiei novamente da Joana e da sua tranquilidade satisfeita aquando da minha frase “vou tomar conta dela”.
Telefonei-lhe logo a dizer que vou ver uma peça no mesmo teatro onde fomos ver a outra, lembras-te? Aquela da planta que marcava o compasso de espera da relação amorosa entre as personagens principais? Sim, essa, que nós achámos muito interessante por não sabermos a conclusão. E mais nada. Da sua fala, tom, velocidade e palavras nada pude avaliar.
Nessa noite, conduzi até à casa da minha Mãe. Cá fora, as plantas com ou sem flores mostravam que o tempo pouco passara por ali. Beijei-a e serviu-me do seu chá, enquanto a brindava com um vaso de flores cor-de-rosa claro com riscos e manchas mais escuras, embrulhado num plástico transparente com folhas desenhadas a branco. Mas sem a grande fita vermelha, exagerada e ligeiramente pirosa, a envolver o vaso e o plástico.
26 de Fevereiro de 2006
2 comentários:
A minha planta não tinha flores cor de rosa, ou às bolinhas e risquinhas... a minha planta não tinha flores... A minha planta, afinal, era uma árvore... um bonsai... Cuidei dela durante 15 dias, escrevi no seu tronco o que nunca escrevera em qualquer tronco de árvore, mas que todos os troncos fazem questão de ter. desenhei também um coração, mas não pintei de cor de rosa...depois deixei como por mistério na casa de quem queria deixar...com uma carta a explicar o que aquilo significava...pois, lá no fundo, sabia que era um pouco bronco...deve ter entendido à sua maneira...e fui vendo as folhas cairem e secarem...não sei se ainda há tronco...mas mesmo assim deve estar bonito, mesmo morto tem a sua beleza...sinceramente só morto e nu tem beleza...quando o dei era só para ver a beleza a "desflorescer". não sei se a tua história foi real...mas a minha foi. e as tuas amigas têm razão...por favor...não diminuas o meu nome...
(e porque a Su e a Consti gostaram muito...)
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