«Na natureza, o verde é uma coisa, na Literatura é outra completamente diferente.»
Virgínia Woolf, Orlando
Diante do mestre Diamantino, sete pessoas, homens e mulheres, estavam sentadas em posição de lótus, de olhos fechados, meditando sobre uma qualquer praia e o seu corpo nela, ao sol, a ser percorrido desde as planas dos pés até ao cabelo, passando, frisado, pelos glúteos, por uma nuvem fresca. As pessoas estavam todas vestidas de branco, embora, para se distinguirem, cada uma tivesse uma fita de pano de cor diferente na testa. Assim, o homem mais à frente tinha uma fita laranja e a mulher ao seu lado, cinzenta. Se nos fosse permitido entrar no jardim onde todos estavam diante do mestre, poderíamos ver que a cor do homem mais distanciado era azul – a fita, claro.
Se nos fosse permitido circular por ali, veríamos a forma como o sol ali habita. Embora rodeado por árvores frondosas, cada uma com seus verdes das mais variegadas matizes, além da cerca de arame farpado, que dava um tom de privacidade ao espaço, embora algo selvagem e violento, o espaço era amplo e parecia aberto, recebendo o sol morno em si como um casal de amantes. Nasciam por isso plantas com bastante facilidade, mantidas também por um riacho que percorria o jardim e o dividia a meio; ligadas as margens por três pontes de pedra (ponte talvez seja uma palavra demasiado grande para as designar, mas sempre têm a mesma função, embora a palavra em si também não seja muito grande). À luz do sol, as coisas ganhavam contornos nítidos e precisos. Um girassol era um girassol, e os cravos e as rosas eram eles. Quando o sol abruptamente adormecia, essa nitidez esbatia-se e as formas como que se uniam, em êxtase e indefinição. Mas naquele momento era dia e o sol cumpria a sua função de luz e tudo resplandecia com a cor que o sol lhes emprestava, incluindo as tais faixas que diferenciavam cada um dos participantes do encontro.
Todos os anos, o mestre Diamantino, especialista em filosofias orientais que pretendem transcender o tempo e o espaço através da mente e de uma relação especial com o corpo, escolhia alguns dos seus mais fiéis e avançados alunos da sua Academia, devidamente creditada e referenciada pelos especialistas do mesmo assunto, para fazer uma viagem até um local remoto do mundo a fim de estabelecerem um novo ponto de contacto com a Terra-Mãe, num local semi-virgem, onde poucos tivessem profanado o chão. Era teoria deste grupo que a nossa existência era prejudicial para o equilíbrio da Terra-Mãe e, embora vivêssemos nela, tínhamos de conseguir estabelecer uma forma mais neutra de nos relacionarmos com ela. Assim, só comiam frutos e vegetais caídos da árvore, húmus e coisas meio estranhas, criadas de propósito por eles, para eles. E assim, sem reparar que entravam em contradição com as suas crença, iam todos os anos para um local ermo, levando consigo a sua presença e, obviamente, o avião que os levava – com certeza a Terra-Mãe agradecia a agitação do pó que em cima dela se acumulava por milhares de anos. Porém, de há uns anos para cá, por maior comodidade e respeito por essa Terra-Mãe, o grupo comprou uma casa com um extenso terreno algures no meio de África e ali se reuniam todos os anos, rodando os membros escolhidos. Outros grupos, provenientes de todos os lados do mundo, de todas as cores de olhos, cabelos e pele se juntavam, embora cada grupo na sua divisão. Se nos fosse permitido entrar ali, veríamos a diversidade dos outros grupos, mas este era até bastante coeso: sete pessoas com idade para terem juízo, já entradas na metade do século. Nos outros grupos falavam-se muitas línguas, embora as conversas nem sempre fossem muito interessantes, embora todas, sem excepção, lamentassem o estado do mundo, da moral ao clima. Este era, aliás, o tema mais versado: os animais em vias de extinção, as plantas e insectos que desaparecem todos os dias, os pulmões do mundo a serem cortados, os glaciares a perderem a sua vida gigantesca, a seca extrema de determinadas zonas, contrastando com outras. Aquela zona não fora ainda atingida pelas mudanças. Continuava a haver sol e humidade suficiente para todos os animais e plantas sobreviverem por ali. De alguma forma, o grupo considerava-se responsável por isso: as energias que recebiam da Terra-Mãe devolviam-nas transformadas em amor àquele lugar sacralizado, mantendo o equilíbrio daquele espaço.
Era também crença do grupo, em especial do mestre Diamantino, que as certas cores eram positivas e outras negativas para a conservação da Terra-Mãe. Assim, o branco e o azul eram primordiais para o equilíbrio do ar e da água, respectivamente. O vermelho e o castanho para o fogo e a terra. Nada de novo, até aqui. Mas o verde era, na opinião deles que nenhum de nós pode confirmar, a não ser que sejamos aceites na irmandade e tivermos capacidade para a acompanhar em todas as suas vertentes, a cor por excelência da Terra-Mãe, a cor com que se enfeitava, vestia, brilhava. Tudo o que era verde era bom e puro. Perfeito e impossível de maltratar. Assim, quando naquela tarde de sol definidor da geografia das coisas e de concentração máxima, uma cobra enorme, verde, com umas riscas castanhas, de olhos brancos e vermelhos, apareceu subitamente no jardim e aos poucos foi engolindo o homem com a fita de pano azul – a única cor da perfeição que lhe faltava, ninguém pareceu notar o que se estava a passar, e mesmo que notassem talvez nada fizessem, já que a cor mandava sobre tudo. Mas disto nada sabemos, porque não pudemos lá entrar.
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