quinta-feira, outubro 19, 2006

último post no porto...

antes de ir para o mestrado de lisboa, quero postar um poema de Pessoa (sim, eu leio Pessoa...), não por motivo nenhum em especial, mas é uma espécie de fechamento de um ciclo, ou dois. depois disto quem sabe o que aí vem e em que passagens nos vamos encontrar... por isso:

Às vezes, em sonho triste
Nos meus desejos existe
Longínquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive:
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.

Fernando Pessoa, 21-11-1909

segunda-feira, outubro 16, 2006

Grandes Portugueses

o programa da rtp está a tentar eleger o maior português de sempre. há quem diga que é d. afonso henriques, embora na altura portugal ainda não existisse, outros acham que é vasco da gama, embora tenha tido a necessidade de partir daqui para a índia. pronto, agora a sério. as listas são um grande pónei, que têm nomes que valha-me Deus, sobretudo se virmos os que faltam. por exemplo, tem Maria de Medeiros e Joaquim de Almeida mas não tem o Herman José, tipo... Tem Eugénio de Andrade mas não Sophia ou Ruy Belo. E Salazar no meio disto tudo? mas parece que a lista é apenas um início e que irá sendo construída aos poucos (não se admirem se aparecer o Tino de Rans (ou Rãs) ou o Claúdio Ramos).

agora mais a sério, o maior português... não é muito difícil. eu, claro que não, até porque sou muito pouco português de temperamento. não. o Pessoa, claro. se não foi o maior, pelo menos foi muitos, pelo menos 27, entre os quais: Pessoa, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Alexander Search, A. A. Crosse, Chevalier de Pas, Charles Robert Anon, H. M. F. Lecher, António Mora, Vicente Guedes, Barão de Teive, Jean Seul, Bernardo Soares...

letras do porto

é triste deixar uma casa onde tanto cresci e vivi. cinco anos. mas mais triste é deixá-la com alguns vestígios de má impressão. primeiro, a praxe que agora nada me diz: é tarde, eu sei, mas acho-me anti-praxe, pelo menos aquela que se faz... não é necessário tanto tempo a massacrar os novatos(sim, porque o que tenho visto só por passar ao aldo são autenticos massacres intelectuais e secas descomunais. e os antigos se se dedicassem a coisas mais importantes talvez fossem um pouco melhores e um pouco mais felizes (além de acabarem os cursos mais rapidamente). depois, é ainda pior a falta de civismo das pessoas de letras ou que as frequentam: no seguinte à fantásticas festa do porco no espeto (ou qualquer coisa assim), podia ver-se: caixas de bolos sujas espalhadas pelas mesas da feira do livro, uma estante da feira totalmente desfeita, um extintor usado numa das estantes de vidro da livraria, a porta da casa de banho dos homens no piso um arrombada e... não se podia ver a caixa registadora do bar porque tinha desaparecido (assim ouvi dizer, que só vi o que podia ser visto).
enfim...

quarta-feira, outubro 11, 2006

Camões: mais do mesmo

A perfeição, a graça, o doce jeito,
A Primavera cheia de frescura
que sempre em vós florece, a que a ventura
e a razão entregaram este peito;
aquele cristalino e puro aspeito,
que em si compreende toda a fermosura,
o resplandor dos olhos e a brandura,
donde Amor a ninguém quis ter respeito;
s'isto, que em vós se vê, ver desejais,
como digno de ver-se claramente.
Por muito que de Amor vos isentais,
traduzido o vereis tão fielmente
no meio deste espírito onde estais
que, vendo-vos, sintais o que ele sente.

Embora este soneto não seja tão conhecido, quem o conhece associa-o a Camões. Pois é, também este soneto não é de Camões. foi-lhe atribuído nas edições de 1598, 1666, 1685, e nas de Juromenha e de Teófilo Braga. todos os outros editores o rejeitaram, sobretudo Aguiar e Silva (no estudo introdutório à reprodução fac-símile da edição de 1598 das Rimas). incertamente, o poema será de Dom Manuel de Portugal, segundo os cancioneiros de Luís Franco Correa e eborense (CXIV/2-2).
o soneto apresentado tem algumas diferenças, como se pode ver pela transcrição dos quatro primeiros versos:
A perfeição, a graça, o suave geito
a primavera chea de frescura
que florece em vós, que a ventura
e a rezão entregaram este peito (...)
(ver: Fardilha, Luís de Sá (1991). Poesia de D. Manoel de Portugal, Porto, FLUP)

terça-feira, outubro 10, 2006

desmistificação

A fermosura desta fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;
o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do Sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;
enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos of'rece,
me está (se não te vejo) magoando.
sem ti, tudo me enoja e me aborrece,
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias mor tristeza.

Um soneto (sim, basta ler fazendo as pausas habituais...) sobejamente conhecido, de.... surpresa, o fantástico poeta do século XVI, Dom Manuel de Portugal!!! Pois é, Camões pode ter escrito muita coisa boa (e escreveu) mas este não é dele! pode ler-se no Manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa (Ms. 8920) que é um "Soneto de dom Manoel de Portugal", e ainda há testemunhos da época da sua autoria. foi atribuído tardiamente a Camões em 1665, na edição Terceira Parte das Rimas de Camões, elaborado por Álvares da Cunha. Faria e Sousa não o incluiu nas Rimas Várias de 1685, mas nas edições oitocentistas volta a ser-lhe atribuído, bem como nas edições de J. M. Rodrigues e A. L. Vieira (1932), Hernâni Cidade, A. J. Costa Pimpão; A. Salgado Jr.
se a lírica de Camões suscita dúvidas, esta parece ter sido esclarecida por Gordon Jensen e António Cirurgião, nos quais Luís de Sá Fardilha se baseou para comprovar a autoria de Dom Manuel de Portugal.
(consultar: Fardilha, Luís de Sá (1991). Poesia de D. Manoel de Portugal, Porto, FLUP)

coisas de blog

se alguém veio cá ontem ou hoje, até esta hora, deve ter reparado em algumas mudanças. após umas experiências falhadas de colocar links, o meu blog ficou sem recent posts e sem os arquivos! pronto, tive de seleccionar novo template (que é o mesmo, claro) e tudo voltou ao normal, excepto o hit counter, que voltou ao zero por exigência do administrador, que avisou que já tinha excedido o número permitido de visitas!! (agora a sério, voltou ao zero porque eu sou um nabo nestas coisas e tive de fazer tudo de novo, logo agora que já estava perto dos oitocentos!!!).. enfim, para quem pouco percebe disto, até consegui alguma coisa...

inté

quinta-feira, outubro 05, 2006

Fernando Guimarães

Caminho

Há palavras que deixaram de nos pertencer. Alguém se refere
de novo ao seu significado, a alguns gestos que as percorreram
devagar, à proximidade de outras vozes. Mas o que persiste
há-de ser apenas o silêncio; ele vem agora ao teu encontro
para que não as esperes mais, como se fosse a tranquilidade
que encontramos no único caminho para onde agora te diriges.

Se essa sombra te acompanha é porque nela habitas

untitled


Não sei por que motivo continuamos a inventarmo-nos, todos os dias. a necessidade estranha de quereremos conhecer-nos como se disso dependesse a sobrevivência. mas ao conhecermo-nos inventamo-nos outros, diferentes, ausentes. e projectamo-nos num sonho ou mundo paralelo ou alternativo, no qual seríamos melhores, bem sucedidos, conhecidos, felizes... temos a terrível urgência de querer ser aquilo que sabemos que não seremos. e assim o mundo avança, às vezes.

terça-feira, outubro 03, 2006

desabafo

estar longe de ti implica esquecer-me nos bancos da cidade, junto ao rio, ou sentir o frio do nevoeiro sem dar conta dele. é escrever o teu ser pelas paredes sem ver o património dos outros. é andar sem direcção certa, se não a solidão. porque a morte não perece e cumpre sempre o seu papel.

domingo, outubro 01, 2006

José Régio



Improviso

Aos ventos que passavam,
Por não poder com elas
Atirei um punhado de palavras.
Se rápidas voavam,
Depressa regressavam
E tombavam
Como no céu, às vezes as estrelas
Com pétalas de flor no chão.

E o meu poema, os ventos o dirão...

dois poemas mais ou menos recentes para a mim

Antinoos I

Inventamos tantas palavras para dizermo-nos.

*

Antinoos II

Percorro as mãos
O tempo as águas
O incêndio do ser
Ténue leve sombra.

A sorte de ser novo
Eterno renascer
Justo no seu espelho
Fixo em todos os momentos.

António Botto


O mais importante na vida
É ser-se criador – criar beleza.

Para isso,
É necessário pressenti-la
Aonde os nossos olhos não a virem.

Eu creio que sonhar o impossível
É como que ouvir uma voz de alguma coisa
Que pede existência e que nos chama de longe.

Sim, o mais importante na vida
É ser-se criador.
E para o impossível
Só devemos caminhar de olhos fechados
Como a fé e como o amor.

O Professor é um segredo... (1)

O professor compra uma agenda nova, um caderno bonito, uma caneta verde. Prepara-se com expectativa (com esperança?) para o que o novo ano lhe trará.
O Professor é um aluno que não quis deixar a escola.
O professor zanga-se, "congelado", longe dafamília, horário mau, vida difícil.
Faz promessas e juras: não gasta nem mais um minuto no fim de semana, nada de projectos loucos, nem mais um tostão do bolso, nem mais um tinteiro, uma folha de papel, gota de tinta, gota de sangue, gota de suor.
Espreitem uns dias depois. O professor está, outra vez, a fazer a festa comos alunos. A festa é, quase sempre, muito maior. O Professor tem forma de coração com memória fraca. O professor não tem endereço electrónico. Não escreve textos no computador. Não quer. Diz que não, que não gosta, que não percebe. O professor insiste que prefere lápis e papel. Nunca, nunca conseguirá. Diz que não vale a pena.
E depois... O professor pede ajuda ao filho. O professor faz formação. Aceita a mão de outro professor. O professor dá mais um passo. O Professor é um caderno já muito cheio, onde encontramos sempre muitas folhas brancas. O professor fala de saúde, futuro, matemática, inglês, poesia, estudo, música, informática, livros. Sabe fazer projectos, jornais, cartazes, desenhos, receitas, teatro. Cura feridas, ampara tristezas, acalma medos. Escuta segredos, dá conselhos, conta anedotas, prepara passeios, monta exposições. Dirige a escola, dirige um grupo, escreve regulamentos, prepara oficinas, constrói materiais.
O Professor não sabe o que quer ser quando crescer.
O professor faz muitas perguntas, por dentro e por fora dele. O professor gosta que lhe façam perguntas. O professor ensina que as perguntas são a melhor maneira de aprender. O professor acha mais difícil fazer uma boa pergunta do que dar uma má resposta. O professor ensina a perguntar. O professor não sabe todas as respostas. O Professor é um ponto de interrogação com muitas respostas possíveis.
O professor tem medo. De não conseguir, de não ser capaz, de errar, de acertar, de se perder, de perder alguém. Tem medo de ter medo. Medo de não ter medo. Medo de avançar depressa, de avançar devagar. Medo de ficar parado. O professor tem medo que não aconteça nada. O Professor usa o medo como meio de transporte.
O professor chora, ri. O professor sofre, mastiga desgostos, partilha-os se forem maiores do que ele próprio. Tem sonhos, tem desejos. Às vezes pinta, às vezes canta, outras escreve. Planta flores, cria borboletas, namora, ama, tem filhos, não tem filhos, representa, dança, vai ao cinema. O professor é feliz, é menos feliz, é feliz outra vez. O professor fica parado a pensar no que sente. O professor é de todas as cores por dentro e por fora. Mais do que o arco-íris. Mais do que a maior caixa de lápis de cor do mundo. Mais do que todas as cores que se podem imaginar.
O Professor do avesso é tão colorido como do direito. O professor recomeça tantas tantas vezes, que desiste do prefixo "re". O professor caminha numa estrada que dá voltas e voltas e voltas... Não se lembra de ontem. Não sabe o amanhã. Oferece o tempo que tem. O Professor não tem princípio nem fim. O professor tem uma magia só dele. Um feitiço que lhe foi lançado, não se sabe quando nem por que fada. Ele é Bela ou Monstro, Princesa Adormecida, Gata Borralheira, Capuchinho Vermelho, Branca de Neve. As madrastas, os lobos, as bruxas, as trevas vão andar sempre por aí. Ele luta, história a história, contra todos eles. O Professor tem de ser o final feliz de todas as histórias, para que o mundo se salve. Por entre o som das palavras, o professor é cheio de silêncios que poucos conhecem. Silêncios que falam, muitas vezes, uma língua que quase ninguém se lembra de ter ouvido.
O Professor é um segredo que se deve contar em voz alta, para toda a gente ouvir.
(1)Texto publicado no Correio da Educação, CRIAP ASA, nº232, 3 deOutubro 2005.
Autora: Teresa Marques, Escola Básica 2,3 de Azeitão.
(mandaram-me este texto e não pude deixar de partilhá-lo com quem viesse aqui. até porque de professores todos temos um pouco...)