segunda-feira, junho 30, 2008

Sugestões de Junho


No meio de tanta coisa para fazer e tanta outra que ficou por fazer, ficam aqui as coisas boas materiais que posso partilhar convosco. Sim, porque morangos, cerejas, framboesas, rio e certas intimidades não posso partilhá-las com a maior parte de quem me vai lendo… Mas o costume está aí: livros, filmes, séries, músicas… E que cada um faça delas o melhor proveito, ou não.


Livros:

1 – A Bíblia (Evangelho Segundo São Mateus e Evangelho Segundo São Marcos), Paulus****

argumentos: início da segunda parte da Bíblia, do Novo Testamento. Gosto de várias versões sobre os mesmos acontecimentos, sobre uma mesma história. E estas são apenas duas delas. E é obrigatório pela quantidade de frases, actos, parábolas e sei lá mais o quê que saíram daqui para o comum dos dias. Só alguns exemplos: «Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.» (Mt 4, 4); «se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda» (Mt 5, 39); «Ninguém pode servir a dois senhores. Porque, ou odiará a um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.» (Mt 6, 24); «Não deis aos cães o que é santo, nem atireis pérolas aos porcos» (Mt 7, 6): «Pois dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (Mt 22, 21), etc. etc.


2 – O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei, JRR Tolkien, Europa-América*****

argumentos: fim da trilogia que me empolgou, primeiro no cinema, depois nos dvds em casa, e agora, finalmente, nos livros. Dos outros dois volumes já falei aqui. Não sei o que mais dizer disto, do mundo alternativo construído, do valor da amizade, da coragem, da inteligência, de tudo, mas é o volume em que tudo se consuma e termina (e com bastantes diferenças em relação ao filme). Ficam só algumas frases: «O Destino dos homens, quer queira quer não: a perda e o silêncio.» (p.368); «O mundo está a mudar: sinto-o na água, sinto-o na terra, cheiro-o no ar. Não creio que nos voltemos a ver.» (p.279).


3 – No Reino de Caliban II, Manuel Ferreira, Plátano Editora*****

argumentos: uma antologia da poesia africana de língua portuguesa muito bem construída, com bibliografia dos autores, organizados por gerações, revistas, núcleos. Este volume em concreto apresenta a poesia angolana e a poesia são-tomense até meados dos anos setenta. Cada conjunto de poetas é apresentado por textos introdutores que ajudam a localização e contextualização dos autores e suas produções. Fundamental para perceber a evolução da poesia destes países de língua portuguesa. Da poesia de São Tomé e Príncipe – ver aqui.


4 – História do Cerco de Lisboa, José Saramago, Caminho*****

argumentos: eu já sabia que este romance se arriscava a ser um dos meus favoritos, pelas poucas coisas que lera dele para me preparar para a exposição. E não me desiludiu a leitura da história de um revisor que revê as provas de uma História do Cerco de Lisboa que decide mudar o relato, introduzindo um «Não», alterando a história da conquista de Lisboa aos mouros pelos portugueses em formação. Além desta reformulação de que tanto gosto nas histórias, é muito interessante ler a vida deste homem Raimundo, a sua relação com os outros, com o espaço, com as palavras («assim mesmo foi o mundo feito e feito o homem, com palavras» p.50). E a história de amor é das coisas mais bonitas que tenho lido («Ninguém deveria poder dar menos do que deu alguma vez, não se dão rosas hoje para dar um deserto amanhã, Não haverá deserto,» p.245). Cruzamento de planos temporais narrativos distintos, muitas intertextualidades (Eça, Balzac, Garrett, Pessoa, Dante, Camões, Camilo, Salomão…), meta-reflexões («o mistério da escrita está em não haver nele mistério nenhum» p.181), desvarios, enfim, Saramago no seu melhor. Para despertar o apetite: «Enquanto não vier o poeta D. Dinis a ser rei, contentemo-nos com o que há.» p.288 – há que se refere? Descubram, lendo!!!


5 – O Rio, Estórias de Regresso, Arlindo Barbeitos, INCM****

argumentos: um conjunto breve de histórias breves – como a poesia dele, concisa. E histórias interessantes que valem pelo insólito, pelo desfecho inesperado, mas também pela construção do texto e suas belezas íntimas. Gostei em especial de «A Bruxa», «O Carro», «O Camião de Cerveja» e «A Música». Mais: «Amaram-se, julgo que sofregamente, enquanto seres que o carácter e a geografia traziam solitários e um amor serôdio fez encontrar. Quiçá o álcool ajudou.» p.12.


6 – As Passagens do Tempo, Nuno Artur Silva, Cotovia****

argumentos: ficções breves, muito breves. Mas muito interessantes, com uma lógica própria, diferente da comum. Mais: «Os diferentes lugares do mundo estão a ser ocupados por lugares sempre iguais. Lugares sem nomes, lugares nenhuns […] esses não são os lugares no espaço, mas lugares no tempo.» p.17 ou «De pessoa para pessoa também há uma diferença horária, de minutos, segundos, menos de um segundo, quase imperceptível. Uma diferença não assinalada pelos relógios. Impossível de medir, a não ser pelo amor, sempre tão desacertado.»p.18. O livro inclui ainda uma série de fotografias de Raquel Porto.


7 – O Capote, Nikolai Gógol, Assírio & Alvim****

argumentos: um texto inovador e incontornável da literatura mundial. A história de um homem, Akáki Akákievitch, e do seu mundo cinzento, grotesco, sufocador, e do seu capote, o velho substituído pelo novo. E de um tom a lembrar-me de um certo Albert Camus. E um final surpreendente, de natureza fantástica, que rompe com toda a acção anterior… Muito bom, tão bem feito!


8 - Cães Pretos, Ian McEwan, Gradiva*****

argumentos: depois de A Criança no Tempo (um dos meus livros de eleição) e de O Sonhador (ainda não li Expiação), este Cães Pretos veio mostrar-me mais uma obra extraordinária de Ian McEwan, que se arrisca assim a entrar para a lista dos meus autores favoritos (se é que tal lista existe). História em vários compassos de um homem que perde os pais aos oito anos e adopta todos os outros como seus, incluindo os sogros, com quem vai tendo uma relação muito especial, sobretudo com a sogra, dominada pela recordação do momento que lhe mudou a vida, o encontro com os «cães pretos». Muito bom, com pormenores amorosos belíssimos. Mais: «Quando aprendemos a dar um nome a uma parte do mundo, aprendemos a amá-la.» p.68 ou «Olho para uma rapariga e avalio-a pela quantidade de June que há nela.» p.73.


TV:

Destaque para dois regressos, de séries de que já falei outras vezes e por isso fico-me por aqui. O regresso sem pausa de Anatomia de Grey***** e o regresso de O Amor no Alasca***** (apesar de Irmãos e Irmãs ter de ir embora…).


Música:

Gil do Carmo, Sisal*****

argumentos: uma voz interessante e talentosa, uma fusão entre a pop e o fado, letras poéticas e com pormenores risíveis, um trabalho pouco comum e inovador, de qualidade. Gil do Carmo, que já conhecia como letrista de Mariza e outros, com uma ou outra música por aí, em novelas, surpreendeu-me há uns tempos com uma música numa telenovela da TVI que a minha Mãe via: Ilha dos Amores. E a música era «Na Maré de Ti». E noutro sítio qualquer ouvi outra, «E se esta noite». Agora que já tenho o álbum e o ouvi inteiro, e já me tem feito companhia, destaco também: «A2», «A roda da rosa», «Chegada a casa», «Renea», «Quem me dera ser o fado»…


Cinema:

Tropa de Elite****

argumentos: um filme brasileiro de elevada qualidade, com uma filmagem turbulenta que acompanha o ritmo alucinante da vida nas favelas e dos policiais que nelas têm de intervir. Violência, idealismo, choque de visões. Um filme bastante bom, a fazer lembrar outros filmes brasileiros como Cidade de Deus, numa linha moderna sobre a violência urbana, a droga e as armas. Com Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, entre outros. Só me aborreceu a música… «O rap das armas» é uma seca…


Exposições:

A Consistência dos Sonhos – ver informações aqui.

Colecção Berardo – no Centro Cultural de Belém, com entrada gratuita. Pode ainda ver-se outras exposições, como Utopia e Le Corbusier. Eu só vi a parte da Colecção Berardo, desta vez, porque hei-de voltar, com mais tempo... E ainda hei-de falar à frente desta visita, a outros sítios de Lisboa. Mas tem coisas muito interessantes!

quinta-feira, junho 26, 2008

violetas e outras flores para a Denise

Num atalho da montanha
Sorrindo
uma violeta

Bashô

Colhê-la, que pena!
Deixá-la, que pena!
Ah, esta violeta!

Naojo

Penetrando até ao meu quarto,
o perfume das flores
em noites de primavera
entra pela janela
com o velado luar.

Imperatriz Eifuku Mon'in

sexta-feira, junho 20, 2008

Instituto Camões - fim do eterno retorno

Por maus motivos. E pelo menos para já. Explico-me: não passei nos psicotécnicos, outra vez. E a Susana, a minha amiga destas coisas, não conseguiu também, outra vez. Não fui derrotado por uma equipa alemã, antes fosse, era bom sinal. Mas como a coisa não se deu, é preciso agora ver o que falta fazer: continuar as visitas na Exposição, andar com a dissertação para a frente, e concorrer ao doutoramento e à bolsa, concorrer a Tormes... E não volto a concorrer, pelo menos nos próximos tempos. Estou farto, a sério. E assim poderei continuar estudos, participar nas conferências em que me inscrevi e que me aceitaram/aceitarão - mas não é bem a mesma coisa...
Entretanto, andando por Lisboa e tal, vi finalmente o Palácio da Ajuda, que é muito interessante e apelativo. Estava cheio de crianças que seguiam atentamente as monitoras - o palácio tem um excelente serviço educativo, e recomenda-se a visita.

terça-feira, junho 17, 2008

Instituto Camões - eterno retorno?

Surpreendentemente passei na prova escrita e passo à segunda fase. Mas contando comigo, para as 16 vagas, estão 57 pessoas, que também conseguiram, de 161 candidatos iniciais. No ano passado os números eram mais favoráveis: 19 vagas, 165 candidatos, 36 passaram na prova escrita - mas a estatística não é tudo, diz a Sandra. E ela é a minha consultora para coisas matemáticas, por isso concordo!

segunda-feira, junho 16, 2008

Uma noite de televisão

(Fernando Pessoa)

Ontem a televisão parecia estar em consonância comigo. Ou eu com ela. Um programa espectacular de Os Contemporâneos (ou deverei escrever espetacular??? não me vão aparecer aqui dois membros da ASAE do Acordo Ortográfico e levarem-me o pc), que tiveram tempo, no meio dos directos sobre a selecção (em quatro partes), para falar da greve dos camionistas, encenar uma visita do papa a um país muito pobre, contar a sua versão dos factos sobre Amy Whinehouse no Rock in Rio (em quatro partes) e até para criar a Seleccção Nacional de Escritores (em duas partes). E a canção, também. Muito bom.

Depois foi o Câmara Clara, com uma convidada especial, Germana Tânger, que dedicou mais de 50 dos seus 88 anos a dizer poesia portuguesa pelos quatro cantos do mundo. No programa falou da sua relação com poesia e com os poetas, os que conheceu e os que não, e ainda disse «Aniversário» de cor. Dedicado mais a Fernando Pessoa, 120 anos depois do seu nascimento, mas também se falou de Almada Negreiros, Vitorino Nemésio, Sá-Carneiro, José Régio... A vantagem é que todo o programa estará disponível na internet, no sítio do programa. E vale a pena, até porque se inclui uma série de indicações bibliográficas sobre Pessoa (da sua obra, ou sobre ela - ver programa do dia 15 de Junho).

Depois foi a vez da Britcom (Na Tua Ausência e A Minha Família), foi muito muito boa. E o Onda Curta, que apresentou mais três curtas, as três bastante interessantes...


Pergunto-me se estaria muito benevolente ou se a coisa ontem me correu mesmo de feição...

domingo, junho 15, 2008

Poetas de São Tomé e Príncipe

A literatura santomense possui já uma série interessante e considerável de poetas e prosadores. Fiz uma pequena seleccção pessoal dos poetas que conheço, baseado sobretudo em No Reino de Caliban II, de Manuel Ferreira, e em alguns livros soltos. Poderia acrescentar outros, como Alda do Espírito Santo ou Maria Manuela Margarido, ou Albertino Bragança na prosa, mas estes são já um começo. E para compreender melhor a evolução desta poesia, seus temas e motivos, suas aspirações e ideologias, fica aqui um sítio que o faz bem melhor do que eu o poderia fazer.


Eu e os passeantes

Passa um inglesa,
E logo acode,
Toda supresa:
What black my God!

Se é espanhola,
A que me viu,
Diz como rola:
Que alto, Dios mio!

E, se é francesa:
Ó quel beau negre!
Rindo para mim.

Se é portuguesa,
Ó Costa Alegre!
Tens um atchim!

Costa Alegre, Versos (1916)


1619

Da terra negra à terra vermelha
por noites e dias fundos e escuros,
como os teus olhos de dor embaciados,
atravessaste esse manto de água verde
- estrada de escravatura
comércio de holandeses

Por noites e dias para ti tão longos
e tantos como as estrelas no céu,
tombava o teu corpo ao peso de grilhetas e chicote
e só ritmo de chape-chape da água
acordava no teu coração a saudade
da última réstia de areia quente
e da última palhota que ficou para trás.

E já os teus olhos estavam cegos de negrume
já os teus braços arroxeavam de prisão
já não havia deuses nem batuques
para alegrarem a cadência do sangue nas tuas veias
quando ela, a terra vermelha e longínqua
se abriu para ti
- e foste 40'L esterlinas
em qualquer estado do SUL -

Francisco José Tenreiro, Obra poética de Francisco José Tenreiro, 1967


Nova Lira – Canção

Quem embarcou no porão
Fechado a sete chaves,
Apertado entre traves,
Sem ver sol sem ver a lua?
Foi o preto!

Quem deixou a terra,
-filho ingrato que fugiu
ao pai e à mãe que não mais viu,
p’ra ir acabar como um cão?
Foi o preto!

Quem a mata derrubou,
E cavou e semeou
E co’a sua mão de bruto
Cuidou, recolheu o fruto?
Foi o preto!

Quem fez o ‘senhor ’– o patrão;
Lhe tirou da vida aflita
Lhe deu senhora bonita
E importância e situação?
Foi o preto!

Marcelo Veiga, in: Poetas de São Tomé e Príncipe (1963)


Caminhos

Amanhã,
Quando as chuvas caírem,
As folhas gritarem d’esperança
Nos braços das árvores,
Os homens se esquecerem de seus passos incertos,
A força do Sol e da Lua vergastarem,
Implacavelmente,
O resto da terra,

Amanhã,
Quando a força dos rios
Derramar o seu sangue na lonjura dos campos,
O ventre faz flores amadurecerem de filhos,
As pedras do caminho se calarem de dor,
As faces dos homens sorrirem de novo,
As mãos dos homens se apertarem de novo,
Amanhã,
Irei de passadas longas
Pelos caminhos largos e certos,
Irei de passadas longas
Sem coração de conóbia
Ou cintas de panos com bênçãos de Deus,
Irei pelos tenebrosos caminhos da vida,
Irei,
De tam-tam
em
tam-tam,
Irei
Desafiar os mais trágicos destinos,
À campa de Nhana, ressuscitar o meu amor.
Irei.

Tomaz Medeiros, in: Cultura (II – 1959)

Descoberta

Após o ardor da reconquista
não caíram manás sobre os nossos campos.
E na dura travessia do deserto
Aprendemos que a terra prometida
era aqui.
Ainda aqui e sempre aqui.
Duas ilhas indómitas a desbravar.
O padrão a ser erguido
pela nudez insepulta dos nossos punhos.

Conceição Lima, in: Vozes Poéticas da Lusofonia

sábado, junho 07, 2008

Exposição de Macarena Acharán

Está na FLUL, de 5 a 12 de Junho, na Galeria de Exposições da Biblioteca, uma exposição de pintura da chilena Macarena Acharán. Gostei muito do que vi, e como sei que nem todos podem lá ir, ficam aqui algumas fotos dos quadros expostos.




Geleia de Tangerina

Isto tem sido de loucos. Algumas visitas na exposição, muitas leituras, passeios por Lisboa, exame do IC, e coisas outras....

Mas o interessante foi participar numa feira de doçaria. Pois é, e não como visitante, mas como vendedor. Foi em Caldas de São Jorge, concelho de Santa Maria da Feira. Fui ajudar a Consti na sua primeira exposição como Companhia do Açúcar - e com a minha simpatia e charme natural ;)lá vendi uma quantidade significativa de pastéis de Tentúgal, queijadas de Tentúgal, barquinhos, broas doces, broas de chila e amêndoa, barrigas de freiras, pinhas de Montemor, esspigas de Montemor, e sei lá mais bem o quê. O sítio é muito bonito, com as termas, o rio, as árvores - mas o rio está poluído e nem tudo funcionou às mil maravilhas... Predominaram as barracas de doces, claro, mas também de algum artesanato (tapetes como os que eu faço, e coisas ao estilo da Patrícia e da Natacha, que podem ver um pouco aqui, entre outras). Por lá provei algumas coisitas, e como ia para Lisboa e não para casa não comprei nada, excepto um frasco de geleia de tangerina (ainda havia espaço na mochila que levei para o pôr, ao lado dos chás que a Consti me ofereceu como prenda de aniversário e do meu exemplar de Expiação, que lhe tinha emprestado há uns meses). Tangerina porque sim. Experimentei vários (a barraca deles era mesmo ao lado), mas foi o que mais me agradou: com a casca e tudo, come-se e parece que estamos mesmo a comer uma tangerina! Fresco, com um contraste entre o doce e o amargo da casca - fantástico. E vem lá debaixo, ó Denise, de Loulé. De uma tal A Farrobinha. Ainda pudemos assistir aos fantásticos concertos de Ricardo Azevedo, animações dos dias da criança, música sempre repetida de Trovante, Avó Cantigas e Mafalda Veiga e, para melhorar, uma actuação celta (não vi as tunas, sexta-feira eu não fui)... Tudo organizado por um grupo de jovens chamado Juventude Inquieta.
~

quarta-feira, junho 04, 2008

Instituto Camões: eterno retorno?

Texto curto porque estou na biblioteca e tenho de ir para casa e assim.

Lá fui uma vez mais tentar a minha sorte. Abusei dela, devo confessar, porque só estudei hoje de manhã. No ano passado ainda passei no exame escrito, mas este ano... O Grupo I era longo e confuso: um texto de um chinês, outro de um norueguês e outro de um espanhol. Recontos de um conto de José Rogrigues Miguéis que ouviram ler. Desta vez não havia perguntas, era para analisar no geral, tendo em conta alguns tópicos vagos do enunciado, mas menos direccionado do que no ano anterior. O segundo grupo, que deixei para o fim (e só escrevi duas páginas muito inventadas) tinha duas opções para escolher uma: A) um texto sobre o ensino de PLE e PL2: práticas, modelos, contextos ou B) um texto sobre língua e cultura interligadas. Escolhi a B). O Grupo III tinha também duas hipóteses, mas, curiosamente, marcadas com 1. e 2., o que mosta muita coerência na organização da prova, mas isso também não interessa nada, e não é por aí que vem mal ao mundo. A 1. era sobre museus e exposições e Portugal e seu incremento, e para falar de uma exposição que tivéssemos visto e que nos tivesse agradado ou coisa assim. A 2. era para falar de um artista português (não da literatura) que tivesse na sua obra preocupações políticas, sociais ou ecológicas. Escolhi a 1. e falei da Consistência dos Sonhos - de que serve ser monitor lá se não para estas coisas também?
Mas sem grandes esperanças (leia-se sem grande vontade??). Logo se verá.

segunda-feira, junho 02, 2008

literaturas africanas em questão


Para a Denise


As Literaturas africanas dos países que foram colonizados por Portugal são normalmente designadas por: «Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa» e/ou «Literaturas Africanas de Língua Portuguesa», de modo semelhante ao que acorre noutros países africanos então colonizados. A primeira designação foi a da «Expressão», embora ainda antes ocorressem outras como «Literatura Ultramarina» ou «Literaturas Portuguesas do Ultramar» (ao gosto de Amândio César, além de que a própria Censura não admitia o uso de «africanas» em relação à Literatura com muita facilidade), onde cabiam as ditas africanas sem qualquer distinção quanto às ideologias, cosmovisões ou pontos de vista dos seus autores, seus livros, suas matérias (ou seja, incluída a Literatura Colonial, a única realmente valorizada então, com algumas excepções).

Manuel Ferreira, um dos primeiros e dos maiores especialistas nestes assuntos, começou por usar «Expressão», como nos célebres livrinhos laranja da Biblioteca Breve: Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (1977, 2 vols), em que faz um estudo panorâmico, distinguindo a literatura dos colonos da dos percursores e da dos autores nacionais africanos (nacionais nem sempre igual a nacionalistas, felizmente). Academicamente, em 1974, surgiu a primeira cadeira destas literaturas em Portugal, apelidada de «Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa» na Faculdade de Letras de Lisboa, e assim se chamou noutras universidades, mas, por exemplo, no Porto, recentemente alterou-se a designação para «Língua». A mudança em Manuel Ferreira dá-se na década de oitenta: no livro O Discurso no Percurso Africano (Plátano, 1989) passa a usar a «Língua» como alternativa, e já antes em 1983 a usou na Bibliografia das literaturas africanas de língua portuguesa (com Gerald Moser). Essa mudança de designação, que se tem vindo a implantar e a tornar-se como a mais consensual ultrapassa outras que também surgiram, como as «Literaturas Africanas Lusófonas», consideradas como tendo contaminações ideológicas oriundas do discurso colonial, ou «Literaturas Africanas de Expressão Oficial Portuguesa», o que só por si é uma evidente redundância. Manuel Ferreira explica (em O Discurso no Percurso Africano) que «expressão» pode ser entendida (e daí a necessidade de mudança) como um conteúdo (visto como portugalidade, lusitanidade e colonialidade), embora «expressão» também signifique tão simplesmente o contexto verbal, o meio pelo qual, ou seja, apenas o significante e não o significado, já que este está contido na expressão «Africanas» (e por isso os africanos não hesitaram em utilizá-la, como Mário de Andrade e Francisco José Tenreiro na Poesia Negra de Expressão Portuguesa de 1953), embora a língua leve consigo conteúdo, modelando e absorvendo, mas sem alterar a natureza do conteúdo.

Só para referir outros estudiosos destas literaturas: Alfredo Margarido reúne os seus ensaios sobre a designação de Estudos sobre Literaturas das Nações Africanas de Língua Portuguesa (1980), Pires Laranjeira prefere «Língua» embora use «Expressão» no seu manual da Universidade Aberta (pois é o nome da disciplina que prevalece), Inocência Mata, José Carlos Venâncio, Cristina Pacheco, Ana Mafalda Leite, Alberto Carvalho, entre outros, usam sempre nos seus livros e artigos a palavra «Língua», assim como estudiosos africanos, que defendem ter assim uma maior distinção e determinação do real conteúdo destas literaturas, como se a designação lhes reconhecesse a autonomia: «Língua» porque é mais directa, menos ambígua, menos polémica, embora de uma língua portuguesa que sabemos ser diferente da portuguesa europeia, com regras que receberam influências directas das línguas locais (o neo-português de que fala a Tia Adoptada). Além disso, e apesar de não haver antes uma tradição de escrita nas línguas africanas, isso não impede que ela não possa acontecer, como acontece em alguma literatura escrita em crioulo ou mesmo em kimbundo, embora o Português continue a ser a língua de expressão preferencial, até porque permite um público leitor mais vasto .
A verdade é que dizer «Literaturas Africanas» é insuficiente porque estão englobas as cinco literaturas (de Cabo Verde, de Angola, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe e da Guiné) mais todas as outras das restantes nações africanas. Assim, embora «Expressão» seja correcta, penso que «Língua» pode evitar mal-entendidos por pessoas que não percebam que ela significa aqui enunciado, manifestação, declaração e sim conteúdo, matéria europeia.

Espero ter-me explicado bem e satisfeito o pedido!