sexta-feira, outubro 31, 2008

Sugestões de Outubro

Terminada A Bíblia, de volta à poesia (após um mês de ausência), com surpresas pelo meio. E o regresso ao fado. Um mês com muitas aventuras, mas com balanço positivo. Segue-se mais. Ficam aí as sugestões para os vossos meses:

Livros:

1 – A Bíblia (Epístola de S. Tiago, Epístolas de S. Pedro, Epístolas de S. João, Epístola de São Judas, Apocalipse), Paulus****

argumentos: já é recomendável só por serem os últimos livros, mas além disso recomenda-se porque dão mais (do mesmo ou não) sobre a formação da Igreja, de modo pessoal, individual, com linguagens próprias. Destaque maior para Apocalipse, atribuído a São João e um dos textos mais conhecidos, citados, parodiados do conjunto completo. Mais: «aquele que duvida é como a onda do mar que o vento leva de um lado para o outro.» (Tg 1, 6) e «No amor não existe medo; pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo. por conseguinte, quem sente medo ainda não está realizado no amor.» (I JO 4, 18).


2 – O Ingénuo, Voltaire, Quasi/DN****

argumentos: não é de agora a minha paixão pelos contos/novelas de Voltaire. Zadig e Cândido já fizeram as minhas delícias no passado. Desta vez, embora com um final trágico, a história tem alguns dos mesmos ingredientes: humor, crítica (política, social, religiosa) e uma série de situações bizarras que se encadeiam logicamente com uma coerência notável (falo de acasos, coincidências, mal-entendidos, ingenuidades...). Gostei muito e recomendo, juntamente com os outros títulos. Mais: «discutiu mas acabou por reconhecer o seu erro (caso bastante raro na Europa entre as pessoas que discutem)» p.19, «Leu histórias, entristeceram-no. O mundo pareceu-lhe preverso e miserável. Realmente, que é a história senão um quadro de crimes e infortúnios?» p.48, «Para alguma coisa serve a infelicidade.» p.93.


3 – O Jardim Sem Limites, Lídia Jorge, Planeta de Agostini****

argumentos: fiz as pazes com Lidia Jorge ao ler este livro. Uma casa devoluta em Lisboa (a Lisboa que já conheço melhor e que se me afigura agora evocativamente) onde co-habitam várias personagens, cada uma com as suas frustrações e desejos, observadas e contadas por uma voz que nunca ganha realmente corpo ou identidade e por uma máquina Remington. Gostei especialmente do Static Man (que acaba por ocupar grande parte da história) e da dona da casa e suas deambulações. Mais: «Tens a certeza de que estás a escrever sobre factos que podiam ter acontecido? Se não podiam, então rasga, é porque não presta...» p.16, «Deve-se pedir às pessoas que ainda se lembram, precisamente, que não se lembrem mais, para não nos atrapalharem a vida.» p.56 e «É uma coincidência. Isto é, não existe Deus, mas para nos confundir existe a coincidência.» p.387.


4 – O Ano de 1993, José Saramago, Caminho****

argumentos: mais uma obra do escritor que mais me ocupou este ano. Desta vez um livro que está classificado como poesia, em prosa, é certo, nuam espécie de versículos. Uma história corre estes versículos, a da destruição do mundo tal como o vemos. Algo apocalíptico com passagens avassaladoras: o interrogatório, a violação, o fogo, a árvore, a fertilidade e a menstruação... Recomendo vivamente. Mais: «Caso em que teriam muito mais razão do que a toupeira que é cega ou quase e o homem não ainda que nesse sentido tenha feito alguns progressos» p.42, «Uma labareda que vinha no braço levantado e que era a própria mão ardendo da luz do sol roubada» p.72 e «E porque os antigos deuses haviam morrido por inúteis os homens descobriram outros que sempre tinham existido encobertos pela sua não necessidade.» p.87.


5 – Obra Quase Incompleta, Alberto Pimenta, Fenda****

argumentos: nesta recolha da obra (até 1990) há de tudo: os poemas (das mais diversas direcções que o poeta seguiu), os textos de reflexão sobre a poesia e a sua poesia, as fotos dos momentos em que fez sessões de poesia ao vivo. Irónico, provocador, humorístico, insólito, perturbador... Podem ver/ler aqui alguns poemas escolhidos. Mais: «se o poema é tudo, como dizer seja o que for sobre ele? e se por outro lado é fragmento (coisa nunca verdadeiramente começada nem verdadeiramente acabada) como dizer também seja o que for sobre ele?»p.255.


6 – O Sonho dum Homem Ridículo, Dostoievski, Quasi/DN***

argumentos: dois contos aqui publicados, diferentes, mas ambos interessantes. Embora predomine o onírico utópico, há um forte realismo com incidência nos males da natureza e da vida humana que vale a pena ler antes dos grandes romances do senhor. Mais: «Naquele momento era para mim absolutamente evidente que a vida e o mundo dependiam quase unicamente de mim. posso dizer ainda mais: que o mundo, agora, parecia quase criado para mim apenas... pois, quando tivesse dado o tiro, o mundo deixaria de existir, pelo menos para mim.»p.21.


7 – O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Mr. Hyde, R. L. Stevenson, Quasi/DN*****

argumentos: gostei muito desta história que já conhecia de alguns sítios, talvez filmes, talvez animações, talvez de resumos, com certeza da cultura geral. Um interessante jogo/estudo (o que quiserem) sobre a dualidade do ser humano e da coexistência do bem e do mal em cada um de nós. Com uma nota de suspense e mistério, o livro só peca por ser tão pequeno... ou talvez não. Mais: «Tenho alguma simpatia pela heresia de Caim (...). Deixo o meu irmão ir para o inferno da forma que melhor lhe aprouver.» p.7 e«O homem será, um dia, conhecido como uma mera comunidade de habitantes multifacetados, incongruentes e independentes.»p.80.

8 – História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar, Luís Sepúlveda, Asa*****

argumentos: ora mais um livro daqueles de que toda a gente fala e diz quão fantástico é e coisa e tal, que me deixou sempre de pé atrás. Mas é um gato, e convenhamos, uma gaivota, e ambos fazem parte da minha vida (a gaivota de uma fase que já ficou lá a atrás). E adorei o livro! Gato Zorbas, podes vir cá para casa que eu deixo. Tudo muito simples, muito eficaz, muito bonito. ai a inveja a certos textos... E entra-se nele já com a ideia: como é que um gato vai ensinar uma gaivota a voar? Mas afinal é bem mais do que isso! Mais: «gostava especialmente de observar as bandeiras de barcos, pois sabia que cada uma delas representava uma forma de falar, de dar nome às mesmas coisas com palavras diferentes.» p.12 e «Ouvi-o ler o que escreve. São palavras belas que alegram ou entristecem, mas que produzem sempre prazer e suscitam o desejo de continuar a ouvir.»p.107.

9 – Quatro Contos Dispersos, Sophia de Mello Breyner Andresen, Figueirinhas****

argumentos: quatro contos publicados em revista e um numa edição da EXPO'98, agora reunidos num único volume. «Era uma vez uma praia atlêntica» tem a força das narrativas marítimas de Sophia e uma preocupação com a justiça, com uma belíssima descrição de um homem que se aproxima à de«Homero» dos Contos Exemplares. Outros dois, publicados na Colóquio Letras, intitulam-se «Leitura no Comboio» e «O Cego». Mas queria destacar sobretudo o outro conto, projecto de um maior que não teve término, com o título «O Carrasco». Gosto imenso de toda a descrição dos efeitos físicos e psicológicos do carrascos sobre as pessoas e as coisas com quem contacta, muito bom! E vale a pena ler Sophia, sempre! Mais: «Mesmo envelhecido era um homem belo, alto, de ombroa largos e costas direitas. Tinha os olhos de um cinzento nebuloso como o mar de Inverno mas, às vezes, um sorriso os azulava e então pareciam muito claros na pele quimada. A sua estatura, o seu porte de mastro, as suas veias grossas como cabos e os anéis da barba e do cabelo, a aura marítima que o rodeava, davam-lhe um certo ar de monumento manuelino mas, simultaneamente, tinha a beleza tosca e tocante de um barco de pescadores, cosntruído com as mãos, pintado com as mãos e deslavado por muito mar e muitos sóis.»p.40.

10 – Leitão Ciclista em busca do paraíso, Arsénio Mota, Pé de Página***

argumentos: a pedido da direcção do colégio, para ver se convidávamos o escritor a vir à escola. O meu parecer foi positivo, porque o livro é muito bem feito, engraçado, e coloca o problema da relação da pessoa com a sua terra natal: um leitão que gosta de andar de bicicleta decide ir em busca da terra da mãe, um pequeno paraíso terrestre, mas descobre uma realidade bem diferente... Mais: «queiramos ou não, ficamos a pertencer pelo nascimento à nossa pátria, à nossa língua e cultura. E mais, ficamos a pertencer ao nosso tempo, pois outro não temos!» p.36.

Música:

Mariza - Terra*****

argumentos: ora finalmente cá tenho o novo cd de Mariza. Estranhei ao início: demasiados ritmos alternativos incorporados por aqui: mornas de Cabo Verde, o jazz, o flamengo, eu sei lá mais o quê. Mas a voz dela une tudo com uma harmonia que enlaça e não permite escapar. Gosto, em especial, de «Minh'alma» e «Se eu mandasse nas palavras», mas também de «Já me deixou», «Rosa Branca», «Tasco da Mouraria», «Alfama», «Alma de Vento» entre outras. A grande senhora está de volta, e bem!


Cinema:

Uma estranha passagem por Veneza***, de Paul Schnader, com Rupert Everett, Natasha Richardson, Helen Mirren e Christopher Walken (1990 - muito estranho, mas interessante, com belas paisagens de Veneza. Com argumento de Ian McEwan e Harold Painter).
O Amante de Lady Chatterley***, de Pascale Ferran, com Marina Hands, Jean-Louis Coullo'ch, Hippolyte Girardot (2006, uma de várias versões do romance de D. W. Lawrence - um pouco estranho, sobretudo o final e a primeira cena de sexo...).

Poemas de Alberto Pimenta

Uma série de poemas de Obra Quase Incompleta, seleccionados porque sim, e aqui em formato de imagem, para ser mais fácil representá-los visualmente, como foram criados, e outros em letras, onde o visual não é tão importante:




**
porco trágico I

conheço um poeta
que diz que não sabe se a fome dos outros
é fome de comer
ou se é só fome de sobremesa alheia.

a mim o que me espanta
não é a sua ignorância:
pois estou habituado a que os poetas saibam muitode si
e pouco ou nada dos outros.

o que me espanta
é a distinção que ele faz:
como se a fome da sobremesa alheia
não fosse
fome de comer
também.

***
Civilidade
não tussa madame
reprima a tosse

não espirre madame
reprima o espirro

não soluce madame
reprima o soluço

não cante madame
reprima o canto

não arrote madame
reprima o arroto

não cague madame
reprima a merda

e quando estourar
que seja devagarinho
e sem incomodar, ok madame?

ok, monsieur.


Alberto Pimenta, Obra Quase Incompleta, Fenda, 1990, p. 69, 44, 113, 175, 232

quinta-feira, outubro 23, 2008

O meu outro eu (o armado em intelectual ou assim)

Convido-vos para me ouvirem falar de personagens santas e prostitutas, ao mesmo tempo ou quase. Para quem estiver interessado, é já ali, São Paulo - Brasil, na USP, no dia 31 deste mês. Apareçam ;) Espero por vocês. Se não tiverem possibilidades, podem vir ter comigo a Braga, que eu também cá estarei, a dar aulinhas e teste ao 10.º ano. Depois digam que não avisei.

Obrigado Carol por tornares isto possível!

Fica aqui um pedacinho - o início, pois claro:
«Quando se lê, incorporamos textos ou lembranças logicamente anteriores, surgindo pontes que podem ser de relações intertextuais, semelhanças temáticas, formais, de estilo ou outras. É de experiências de leitura de três textos, que se atraíram neste artigo, de que falarei, tendo como ponto de contacto a dicotomia santa/prostituta. Os santos estão em todo o lado: na piedade popular, na devoção, no culto litúrgico, nos nomes de pessoas e lugares, nas tradições, no folclore, nas lendas, nos provérbios, na Arte e, obviamente, na Literatura. Também as prostitutas vivem nas páginas de vários livros e em outras formas de expressão artística. Ou santas ou prostitutas. Mas santas e prostitutas, ao mesmo tempo, ambas as condições na mesma pessoa, já não é tão frequente, mas existem.
Proponho-me analisar três personagens fictícias que possuem características de beatitude e de prostituição em diferentes graus. São santas do corpo: prostitutas e santas, pelo menos numa primeira leitura. São elas: D. Maria da Piedade, personagem principal do conto «No Moinho» de Eça de Queiroz; Santa Eponina, a personagem capital de um conto homónimo de Raul Brandão, incluído em A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore; e Santa Melânia, a protagonista de A Pécora, de Natália Correia.»

terça-feira, outubro 21, 2008

«Mala Entendida»

Este fim-de-semana, Helena Laranja mais alguns amigos fizeram um filme para concorrer num festival de curtas metragens. Ganharam o Prémio do Público e mais uma menção honrosa pela coerência narrativa. O argumento foi baseado numa história de Helena Laranja e depois trabalhado em conjunto. Podem ser aqui o resultado, que é bom e me surpreendeu (a além disso, passa-se aqui em Braga). Resta dizer que Helena Laranja é irmã da minha madrinha e grande amiga Milai.

http://www.youtube.com/watch?v=N10L5hOR9r8

terça-feira, outubro 14, 2008

Em branco

é
como
sinto

a
minha
vida
.


dentro
.

até
ao
dia
...