domingo, janeiro 29, 2012

Desafio 2012 - 1

um homem de desafios não tem medo e não se deixa ir pelos três anos anteriores. muito há ainda por ler e ver nas minhas estantes, pelo que, mais uma vez, me preparo para atingir momentos históricos - não apenas numéricos, que isso pouco me importa, já me provei que consigo ver e ler mesmo muita coisa, mas históricos no sentido de acordos, tréguas, reconciliações com obras que me esperam há anos e que, pelos mais diversos motivos, iam sendo relegadas para tempos que afinal eram os de 2012. coleção Mil Folhas, do «Público», Jorge Luís Borges, Mia Couto e Ondjaki, Flaubert, as Marguerites, e outros, terão seu lugar este ano - bem como os filmes e as séries pendentes. e vai ser bom, pois então!

Livros:


1. No Meu Peito Não Cabem Pássaros, Nuno Camarneiro, D. Quixote, 190p.****(*)
2. Eu, O Povo, Mutimati Barnabé João, BI, 96p.***
3. A Lua e as Fogueiras, Cesare Pavese, Público/Mil Folhas, 160p.**(*)
4. Afirma Pereira, Antonio Tabucchi, Público/Mil Folhas, 160p.*****
5. O Caso Morel, Ruben Fonseca, Público/Mil Folhas, 190p.***
6. Os Mensageiros Secundários, Clara Pinto Correia, Público/Mil Folhas, 320p.****(*)
7. Vento, cordas do violino verde, Luís Ferreira Oliveira, TUM, 48p.**
8. A Morte Melancólica do Rapaz Ostra & Outras Estórias, Antígona, Tim Burton, 128p.*****
9. Poesia Reunida, João Luís Barreto Guimarães, Quetzal, 326p.*****
10. Tudo o que poderíamos ter sido tu e eu se não fôssemos tu e eu, Albert Espinosa, Arcádia, 208p.*****
11. Amo-te em todas as Línguas, Cátia Santos, Chá das Cinco, 160p.****

Filmes:

1. La Ley del Deseo, Pedro Almodóvar***(*)
2. Mujeres al borde de un ataque de nervios, Pedro Almodóvar*****
3. Carne Trémula, Pedro Almodóvar****
4. Abrazos Rotos, Pedro Almodóvar*****
5. Volver, Pedro Almodóvar*****
6. Kika, Pedro Almodóvar****(*)
7. Átame!, Pedro Almodóvar****
8. Contagion, Steven Soderberg***
9. Final Destination, Steven Quale***
10. Incendies, Denb Villeneuve****(*)
11. The Future, Miranda July**(*)
12. What's Your Number, Mark Mylod****
13. Rachel Getting Married, Jonathan Demme****
14. También la Lluvia, Icíar Bollaín****
15. The Princesse and the Frog, Ron Clemments e John Musker****
16. My Bloody Valentine, Patrick Lussier***(*)
17. Miss March, Zack Cregger e Trevor Moore***
18. The International, Tom Tykwer***(*)
19. Inside Man, Spike Lee**(*)
20. Diario de una ninfómana, Christian Molina***
21. Perfect Sense, David Mackenzie*****
22. Morrer como um Homem, João Pedro Rodrigues**(*)
23. Habemus Papam, Nanni Moretti****(*)
24. Immortals, Taroem Singh****
25. Tinker Tailor Soldier Spy, Tomas Alfredson***


outros:
Auto da Barca do Inferno, mais uma vez, pela companhia Teatro Arte d'Encantar.
American Horror Story, com Dylan McDermott, Connie Britton, Even Peters e Taissa Formiga, entre outros. Gostei, mas ao longo da temporada foi-se perdendo...****
Diversão em Paris, na Casa da Música, peças de Berlioz, Debussy, Gounod, Offecbach, Waldteufel sob a direção de José Luis Gomez. Ótima audiência de jovens ouvintes e excelentes comentários ;)

sábado, janeiro 21, 2012

poetas que vão

Rui Costa, de quem pouco lera, mas com quem tinha trocado até uns emails com indicações de uns textos meus que iriam sair numa antologia sobre micro-ficção que ele estava a organizar, foi encontrado numa forma que já não a nossa. É sempre um instante de cegueira a morte de um poeta.

Autobiografia
Não preciso mas tu sabes como eu sou
Encaminho-me pouco divirto-me assim nas copas
Das árvores soprando pensamentos para o mundo que há de noite.
As pessoas quando acordam são outras, já sabias,
Essa névoa contemporânea do medo miudinho
Que perdemos nas cidades e nos corpos, tu entraste
Antes de mim nos jogos, o enxofre da música e o
Lago do feitiço, inocente homem breve que sonha
Tu bem sabes.
Depois aluguei a bruxa por uma vasta noite.
E a minha vida mudou, a noite cresceu,
A vertigem ardeu-me nos braços até a sangria
Do tédio quando para sempre julguei que te perdia.
Na luta perdi um ou dois braços,
Mais do que o que tinha. Mas esta memória é um palácio,
São corais no pensamento. Jardins e fantasmas,
O gume nas mãos sorvendo, criança estratosférica
E profunda: sem braços e agora sem mais nada.
Não me percebeste, enchi-me de fúria.
É uma arte, queria eu dizer, matar sem retrocesso e
Atraso – ah aqueles braços para apoiar as mãos – ,
Ceifando. Saturno.e.o.vento.na.proa.erguendo.
O: navio:no:mar:parado:parado: completamente.
Parado.como dizer? Não dizer, eu sou.uma vida
Medonha e múltipla. E agora descanso
Deitado nestas mãos que mexem
Sem apoio, sabes, nascendo dos teus olhos
P’la manhã.

Rui Costa, in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, Edições Quasi

5 poemas de João Luís Barreto Guimarães



apetece por vezes com os dias morrer por um pequeno
instante e deixar os fogos soltos na areia: acrescentar
água à face e perturbar os sentidos em busca da única
luz ou então sentir os movimentos e escrever a uma

amiga. dizer assim como quem fala: que espécie rara
de deus é o teu? a vida é ficar abraçado às dunas
apenas se há dois braços de areia por quem sonhar.

vir então aos poucos contando os mastros do verão
cumprindo o desejo das cartas de mar e assim
mesmo confundir todos os relógios da rota só
apenas para ter mais tempo para ficar. o resto é saber

o alfabeto de cor até ao fim para que as palavras vão
nascendo devagar até ser sonho no sono dos dias
ou ser sono dentro de mim

***

um gato assim era quase um sítio perdido entre
o pelo e o acordar pequena fábula sonhada por
entre as patas quem o enviou quis ensinar ao

mundo o sentimento da inveja. a mãe tirava da
boca para lhe dar assim mesmo o lorde mentia
na hora a que chegava das sete vidas paralelas.
um dia fugiu pela manhã o (in)g(r)ato mesmo

sem se despedir ou pagar o que levou:
a coleira nova e o guizo ................... 150$00
duas latas de comida ...................... 395$00
um saco de areia higiénica ............... 200$00

dá notícias pedaço de deus se acordares desse
intrigante sono repousando de (qual?) cansaço
que pensas tu afinal de Ivan Petrovich Pavlov?


****

deixar assim como que por mistério as
mãos tomarem o atalho do coração como
se os olhos fossem sábios para isso e
nada menos que tudo exigíssemos: sermos

eremitas nos nossos próprios sentimentos
(rasgar desenhos do pôr do sol com um
arpão no coração) e mesmo o céu: trazê-lo

sempre azul sempre muito mais azul. é
dessa cor perfeita que falo por imagens
de dentro é esse o lugar onde as rochas
são grãos de areia no tempo. o pescador

sempre regressa (mil viagens passadas)
para pousar os sentidso e medir rumos
pelo pulso das dunas no coração

****

9 de novembro

O vendedor de castanhas quer duzentos pela dúzia. Embrulha-as de amarelo se a compra é feminina, em folhas telefónicas brancas se quem as descasca é rapaz.
A gata escapa do frio e entra pelo Café. Aproveita o caixilho para afagar todo o pelo, do focinho à cauda ao focinho. Deixa-se ficar ali, circulando entre as mesas, atenta à pressa das mãos que celebram o outono com migalhas já maduras.
O letreiro à entrada diz que bicho algum pode entrar. O mais certo é que a gata ainda não saiba ler.

***

A noite passada enviei um SMS ao meu Pai
mas ele não respondeu. Já kontava kom issu. O
corpo dele baixou faz
outro mês amanhã
nenhum de nós destinou o Sony Ericsson dele
ao rectângulo do caixão. Era
de um género antigo (outrossim
muito estimado)
algumas horas ligado mesmo sem conversação
começava a avisar: bateria esgotada.
Duvido porém que a rede fosse boa
lá no fundo.
Quando descia aos arrumos era o que acontecia.
Sucede que agora se quero falar com ele
tenho de ligar a Deus. E eu não falo com Ele.
Não quero ter de calar (olhando-O
olhos nos Olhos:)
«uma morte nunca é justa»
«foi demasiado cedo» «já agora
passe aí a meu Pai».
Já tenho ligado para Deus
parece dar sempre ocupado.


João Luís Barreto Guimarães, Poesia Reunida, Lisboa: Quetzal, 2011: 31, 53, 89, 112, 274