sexta-feira, novembro 30, 2012

Desafio 12:11

novembro... mês de alheamento. este foi. Fui ver «O Profissional» pelo Centro Dramático Galego no Theatro Circo, uma interessante reflexão sobre os conflitos na Sérvia, em galego, claro, pois é preciso ouvir, também, para poder falar. O resto foram livros e filmes, como de costume. Bem como o acompnhar das séries «The Big Bang Theory», «The Walking Dead», «Once upon a time» e «Downton Abbey», as quatro eleitas das muitas que andam por aí mas que não consigo acompanhar...   

livros:

112. Castelos de Cartão, Almudena Grandes, D. Quixote, 160p.*****
113. Os Ares Difíceis, Almudena Grandes, D. Quixote, 562p.*****
114. Cemitério de Elefantes, Dalton Trevisan, Relógio D’Água, 94p.**
115. Um Beijo de Colombina, Adriana Lisboa, Temas e Debates, 174p.*****
116. Ao Rés da Terra, António Borges Coelho, Caminho, 104p.****
117. A Aurora dos Bem-Aventurados, Louis Gardel, Bizâncio, 110p.***(*)
118. Os Ciganos, Sophia de Mello Breyner Andresen e Pedro Sousa Tavares, Porto Editora, 64p.*****
119. A Casa de Papel, Carlos María Domínguez, Asa, 80p.*****
120. Cronicando, Mia Couto, Caminho, 194p.*****
121. E Se Obama Fosse Africano e Outras Interinvenções, Mia Couto, Caminho, 214p.*****
122. Os Poemas Possíveis, José Saramago, Caminho, 190p.****(*)
123. Provavelmente Alegria, José Saramago, Caminho, 100p.***
124. Don Giovanni ou O dissoluto absolvido, José Saramago, Caminho, 136p.****
125. O Livro Branco, Jean Cocteau, Assírio & Alvim, 104p.***


filmes:

296. The Awakening, Nick Murphy****
297. Un été brûlant, Philippe Garrel***
298. Alatriste, Agustín Diaz Yanes**
299. Bramadero, Julián Hernández*
300. Obsluhoval jsem anglického krále, Jirí Menzel*****
301. World Trade Center, Oliver Stone***(*)
302. The Shining, Stanley Kubrick****
303. Cockneys vs Zombies, Mattias Hoene****(*)
304. Abraham Lincoln: Vampire Hunter, Timur Bekmambetov***(*)
305. Wuthering Heights, Peter Korminsky****(*)
306. Wuthering Heights, Coky Ciedroyc***(*)
307. Wuthering Heights, Andrea Arnold***
308. Guest House Paradiso, Adrian Edmondson****
309. Al final del camino, Roberto Santiago****
310. The Good Night, Jake Paltrow****
311. El Bola, Achero Mañas****(*)
312. Desert Flower, Sherry Hormann****(*)
313. Perfect Criature, Glenn Standring**(*)
314. Outlander, Howard McCain***(*)
315. The Experiment, Paul Scheuring***(*)
316. Savage Grace, Tom Kalin**(*)
317. Gomorra, Matteo Garrone***
318. Alpha Dog, Nick Cassevetes**(*)
319. Safety not guaranteed, Colin Trevorrow****(*)
320. Red Riding Hood, Catherine Hardwicke***(*)
321. 30 Minutes or Less, Ruben Fleischen****
322. Cesare deve morire, Paolo Taviani, Cittorio Taviani****
323. New York, I Love You, Faith Akim (entre outros)****
324. The Dark Knight Rises, Christopher Nolan****
325. Brave, Mark Andrews, Brande Chapman***(*)
326. ParaNorman, Chris Butler, Sam Feu***(*)
327. New Year's Eve, Gerry Marshall***(*)
328. Vamps, Amy Hackerling***(*)
329. The Ruins, Carter Smith***(*)
330. Mother and Child, Rodrigo García****
331. The Loved Ones, Sean Byrne**(*)
332. Linhas de Wellington, Valeria Sarmento****
333. Paraísos Artificiais, Marcos Prado***
334. Chernobyl Diaries, Bradley Parker****
335. Judas Kiss, J. T. Teponapa**(*)
336. The First Grader, Justin Chadwick*****
337. V/H/S, Matt Bettinelli-Olpin (e outros)***
338. Detachment, Tomy Kaye*****
339. Los amantes del círculo polar, Julio Medem*****
340. Another gay movie, Todd Stephens***
341. Another gay sequel: gays gone wild, Todd Stephens**(*)
342. Resident Evil: Retribution, Paul W. S. Anderson****(*)
343. The Bourne Legacy, Tony Gilroy****
344. Thale, Aleksander Nadaas***

domingo, novembro 18, 2012

3 poemas de António Borges Coelho



Não tenhas medo do sangue aberto
do corpo enfeitado pelas balas

**

Quando a noite curva os ombros
mergulhando-nos nas coisas
apagando o espaço
que busco no teu corpo
porque me deito sobre o teu ventre

Encosto o ouvido
ao pulsar do seio
queimamo-nos lentamente
para acender o sol

***

Balouça as folhas rústica a varrer
a terra verdes fazem de toalha
cobrindo os frutos verdes quase roxos
a barriga vermelha há milénios

que serve o homem com seu verde mel
mas Judas enforcou-se nos seus ramos
e quando não deu fruto o próprio Cristo
a declarou maldita o vento oeste

dobrou-a sobre o barro descarnou-a
esbarrondou-lhe o tronco as raízes
fincaram-se na terra ladras de água

curvada à maldição inclina os ramos
desfaz-se em fruto embala preso à corda
o cadáver de todos os malditos

António Borges Coelho, Ao Rés da Terra, Lisboa: Caminho, 2002, p.39, 60, 93.

sexta-feira, novembro 02, 2012

Breve antologia da poesia de Mia Couto






Despedida


Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos
quando anunciaste a despedida
e eu que habitara lugares secretos
e me embriagara com os teus gestos
recolhi as palavras vagabundas
como a tempestade que engole os barcos
porque ama os pescadores

Impossível separarmo-nos
agora que gravaste o teu sabor
sobre o súbito
e infinito parto do tempo

Por isso te toco
no grão e na erva
e na poeira da luz clara
a minha mão
reconhece a tua face de sal

E quando o mundo suspira
exausto
e desfila entre mercados e ruas
eu escuto sempre a voz que é tua
e que dos lábios
se desprende e se recolhe

Ali onde se embriagam
os corpos dos amantes
o te ventre aceitou a gota inicial
e um novo habitante
enroscou-se no segredo da tua carne

Nesse lugar
encostámos os nossos lábios
à funda circulação do sangue
porque me amavas
eu acreditava ser todos os homens
comandar o sentido das coisas
afogar poentes
despertar séculos à frente
e desenterrar o céu
para com ele cobrir
os teus seios de neve


**

Viagem


O beijo da quilha
na boca da água
me vai trocando entre céu e mar,
o azul de outro azul,
enquanto
na funda transparência
sinto a vertigem
da minha própria origem
e nem sequer já sei
que olhos são os meus
e em que água
se naufraga minha alma

Se chorasse, agora,
o mar inteiro
me entraria pelos olhos


***

Mãe com criança no colo


No lugar do corpo onde esperou
sua vida frutificar
vai agora afagando a imobilidade

Aconchegando o menino morto
ela prepara seu ventre
para o inverso parto:
da luz para o útero,
da dor para o nada

Pendentes,
os seios
imitam outonais folhas
de mais imutável estação

E só o chão se espanta
por restar uma água
para á tristeza
dar o último redondo ventre


****

Companheiros

quero escrever-me de homens
quero calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho

e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados

deixo-vos
a paciência dos rios
a idade dos livros que não se desfolham

mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me às vezes viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça

por ora
basta-me o arco-íris
 
em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço

companheiros


Mia Couto, Raiz de Orvalho e Outros Poemas, Lisboa: Caminho, 1999, p.23-4, 68, 70, 77-8
 
 
 
Sono coloquial
 
 
Da velhice
Sempre invejei
o adormecer
no meio da conversa.

Esse descer de pálpebra
não é nemidade nem cansaço.

Fazer da palavra um embalo
é o mais puro e apurado
 senso da poesia.
 
**
 
A Adiada Enchente
 
 
Velho, não.
Entardecido, talvez.
Antigo, sim.

Me  tornei  antigo
porque a vida,
tantas vezes, se demorou.
E  eu a esperei
como  um  rio  aguarda  a  cheia.
 
Gravidez de fúrias e cegueiras,
os bichos perdendo o pé,
eu perdendo as paalvras.
 
Simples espera
daquilo que não se conhece
e, quando se conhece,
não se sabe o nome.
 
***
 
Doença

O médico serenou Juca Poeira.
Que ele já não padecia da doença
que ali trouxera em tempos.
 
E o doutor disse o nome
da falecida enfermidade:
“Arritmia paroxística supra-ventricular”
 
Juca escutou, em silêncio,
com pesar de quem recebe condenação.
 
As mãos cruzadas no colo
diziam da resignada aceitação.
 
Por fim, venceu o pudor
e pediu ao médico
que lhe devolvesse a doença.
 
Que ele jamais tivera
nada tão belo em toda a sua vida.
 
****
 
Silvestre e o Idioma
 
Silvestre quer saber
porque razão eu estrago o português
escrevendo palavras que nem há.
 
Não é a pessoa que escolhe a palavra.
É o inverso.
Isso eu podia ter respondido.
 
Mas não.
O tudo que disse foi:
é um crime passional, Silvestre.
 
É que eu amo tanto a Vida
que ela não tem
cabimento em nenhum idioma.
 
Silvestre sorriu.
Afinal, também ele já cometera
o idêntico crime:
todas as mulheres que amara
ele as rebaptizara, vezes sem fim.
 
Amor se parece com a Vida:
ambos nascem na sede da palavra,
ambos morrem na palavra bebida.
 
 
Mia Couto, Idades Cidades Divindades, Lisboa: Caminho, 2007, p.14, 22, 48, 68-9.
 
 
 
Ignorâncias Paternas
 
Altas horas,
já secos cuspos e copos,
meu pai dizia:
vou reparar o tecto.
 
E saía, para além da noite,
por interditos caminhos.
 
Minha mãe
retorcia a alma
nas magras mãos.
 
No peito, não no ventre,
a mãe vai gerando filhos.
 
Por trás dos cortinados,
seu olhar se desfiava
no longo rosário da espera.
 
Cegos para as suas fadigas
nós, os filhos,
pedíamos que nos alonjasse o medo.
 
E a vos dela acontecia
como inundação do rio:
lavando águas e tristezas.
 
Pobre do vosso pai, suspirava.
Que pena ela dele sentia
que, no escuro, em vão procurava.
 
A nossa casa, de tão alta,
não poderia nunca ter telhado.
 
Filhos deitados,
medos dormindo:
antes do meu pai regressar
já minha mãe
tinha reparado
as telhas todas do mundo.
 
**
 
A Coisa
 
O silêncio é o modo
como o marido habita a casa.

Vencida a porta, ao final do dia,
o homem assume porte e posses.
 
A mesa é onde os seus cotovelos
derramam milenares cansaços.

Nesse cotovelório
vai trocando vida por idade.

Partilha a medonhez dos bichos:
medo do silêncio,
mais pavor ainda das palavras.

Para a mulher,
porém, ele não é senão um menino
no aguardo de um agrado.

Em redor do silêncio
ele rodopia, sem voz, sem cheiro, sem rosto.

Em solidão,
o homem come,
merecedor do que lhe é servido.

Depois,
bebe como se fosse bebido,
tragado pelo vazio dos desertos.
 
Dono do seu despovoado,
entao, ele a agride, com ferocidade de bicho.
 
A mulher se estilhaça no soalho,
sombrio retrato da parede tombado.
 
No leito,
já servido o marido,
as lágrimas vão colando os seus fragmentos.
 
E a esposa volta a ser coisa.
 
***
 
A Casa
 
Sei dos filhos
pelo modo como ocupam a casa:
uns buscam os recantos,
outros existem à janela.
 
A uns satisfaz uma sombra,
a outros nem o mundo basta.
Uns batem com a porta,
outros hesitam como se não houvesse saída.
 
Raras vezes sou pai.
Sou sempre todos os meus filhos,
sou a mão indecisa no fecho,
sou a noite passada entre relógio e escuro.
 
Em mim ecoa a voz
que, à entrada, se anuncia: cheguei!
E eu sorrio, de resposta: chegou?
Mas se nunca ninguém partiu…
 
E tanto em mim
demoram as esperas
que me fui trocando por soalho
e me converti em sonolenta janela.
 
Agora, eu mesmo sou a casa,
casa infatigável casa
a que meus filhos
eternamente regressam. 
 
****
 
Sementeira

O poeta
faz agricultura às avessas:
numa única semente
planta a terra inteira.

Com lâmina de enxada
a palavra fere o tempo:
decepa o cordão umbilical
do que pode ser um chão nascente.

No final da lavoura
o poeta não tem conta para fechar:
ele só possui
o que não se pode colher.

Afinal,
não era a palavra que lhe faltava.

Era a vida que ele, nele, desconhecia.
 
Mia Couto, Tradutor de Chuvas, Lisboa: Caminho, p.10-1, 46-7, 60-1, 71.


duas perdas em outubro

A poesia vai acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —


Manuel António Pina, Todas as Palavras, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p.38
 
 
***
 
Procurarei, tanto quanto possível, não fazer muita literatura, da qual me acho afastado há muitos anos, desde os meus tempos de Faculdade de Direito, quando cometi alguns poemas, reunindo-os em livro, dividido em duas partes, de sonetos parnasianos e poemas modernistas, que tive o bom senso de não publicar.
Não escrevo mais poesia, o meu amior prazer, vício mesmo, é a leitura, a que me entrego muitas vezes horas a fio, neste tempo sem fim de Duas Pontes; é o consolo de uma triste vida, no meu escritório, longe de Sofia.
Farei todo esforço possível para ser objetivo, eu que sou dado aos vôos das divagações desnecessárias. É preciso silenciar o coração, que acredita ter muito a dizer, e procurar a objetividade que devem ter as coisas escritas, mesmo quando se descrevem, estados delirantes - nestes casos, devemos parar, registro numa releitura que fiz dos meus primeiros cadernos. Mas não posso esquecer que muitas vezes consideramos teorização o que é apenas devaneio erradio de uma alma angustiada.
 
Autran Dourado, Confissões de Narciso, Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2003, p.14-15

quinta-feira, novembro 01, 2012

3 poemas de Octavio Paz



Em Uxmal (fragmentos)

2. Meio-dia

A luz não pestaneja
o tempo esvazia-se de minutos,
um pássaro deteve-se no ar.

3. Mais tarde

A luz despenha-se,
as colunas acordam
e, sem se moverem, dançam.

4. Sol pleno

A hora é transparente:
se o pássaro é invisível, vemos
a cor do seu canto.

**

Nos jardins dos Lodi

No azul unânime
as cúpulas dos mausoléus
- negras. concentradas, pensativas -
rebentam subitamente
                                    em pássaros

***

Aldeia

As pedras são tempo
                                   O vento
séculos de vento
                           As árvores são tempo
as pessoas são pedras
                                    O vento
volta-se sobre si mesmo e enterra-se
no dia de pedra

Não há água mas os olhos brilham



Antologia Poética, Octavio Paz, Lisboa: D. Quixote, 1998: 46-7, 87, 98.

4 poemas de Tomas Tranströmer





Bilhete-Postal Negro

I
Calendário repleto de compromissos, futuro incerto.
O rádio trauteia uma canção popular sem nacionalidade.
Cai neve no mar totalmente gelado. Vultos
             acotovelam-se no cais.

II
Acontece, a meio da vida, a morte bater-nos à porta
e tomar-nos as medidas. Essa visita é esquecida,
e a vida continua. O fato, porém, esse
             é cosido em silêncio.

**

Segredos pelo Caminho

A luz do dia bateu no rosto de alguém que dormia.
E esse alguém teve um sonho com mais vivacidade,
ainda que sem acordar.

As trevas bateram na cara de alguém que ia andar
entre a multidão, sob os raios
impacientes e fortes do sol.

De repente escureceu, como quando cai uma bátega.
Eu encontrava-me num quarto com espaço patra todos os instantes -
a sala de um museu de borboletas.

Ali, porém, o sol brilhava tão intensamente como antes.
Os seus pincéis impacientes davam cor ao mundo.

***

Abril e o Silêncio

A primavera mostra-se deserta.
A valeta, de um escuro aveludado,
rasteja ao meu lado
sem reflexos.

A única coisa que brilha
é o amarelo de flores.

Sou levado na minha sombra
como um violino
no seu estojo negro.

O que quero dizer
tremeluz fora do meu alcance
como prata
em montra de casa de penhores.

****

Retrato de Mulher - Século XIX

A sua voz é sufocada pelo vestido. O seu olhar
segue o gladiador. Depois, ela própria
está na arena. É uma mulher livre? Um moldura dourada
                                                        estrangula o retrato.

50 Poemas, Tomas Tranströmer, Lisboa, Relógio D’Água, 2012: p. 17, 25, 47, 109.