sábado, novembro 27, 2010

Cansado de tanta morte de amigos

Canto e Lamentação na Cidade Ocupada, de Daniel Filipe (fragmento)

4.
Não basta estender as mãos vazias para o corpo mutilado,
acariciar-lhe os cabelos e dizer: Bom dia, meu Amor.
Parto amanhã.

Não basta depor nos lábios inventados a frescura de um beijo
doce e leve e dizer: Fecharam-nos as portas. Mas espera.

Não basta amar a superfície cómoda, ritual, exacta nos con-
tornos a que a mão se afeiçoa e dizer: A morte é o caminho.

Não basta olhar a Amante como um crime ou uma injúria
e apesar disso murmurar: Somos dois e exigimos.
Não basta encher de sonhos a mala de viagem, colocar-lhe as
etiquetas e afirmar: Procuro o esquecimento.

Não basta escutar, no silêncio da noite, a estranha voz dis-
tante, entre ruídos de música e interferências aladas.

Não basta ser feliz.

Não basta a Primavera.

Não basta a solidão.


quinta-feira, novembro 25, 2010

Desafio em Novembro


: isto é cada vez mais difícil, o cansaço instala-se e o descanso não tem sido suficiente para que ele desapareça efectivamente dos espaços que me formam enquanto corpo e ser pensante. Quase exaurido, com uma vontade louca de mandar meia dúzia de outros dar uma curva ao bilhar grande e mudar radicalmente de vida. Mas enfim, há laços e compromissos. E o meu compromisso comigo mesmo em ser bom, o melhor possível, dentro dos meus limites (ilimitados), impele-me a continuar a necessidade de ler, ver filmes, teatro (A Cabeça de Baptista, de que não gostei particularmente), séries, concertos (Rodrigo Leão e Cinema Ensemble), coisas dessas. Mas o décimo segundo é-me exigente, o décimo deixa-me desalentado, o terceiro ciclo sabe-me a coisa sem fim que já se viu e não acrescenta. Mas deixemos as lamúrias - nem me interessam de facto, e aqui ficam sugestões de coisas bonitas e boas que vivi este mês. Destaque muito para Mário de Carvalho, de quem já tinha lido Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto e Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde - que adorei ler há uns anos -, e de quem decidi ler os outros oito livros que tinha, e ainda bem que o fiz: ironia, humor, reflexões metalinguísticas e metaliterárias, uma enorme erudição e profundo conhecimento do humano, escrita(s) admirável(eis), mesmo ao meu estilo. Ainda.

Livros:
111. O Livro Grande de Tebas, Navio e Mariana, Mário de Carvalho, Caminho, 264p.***
112. A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho, Mário de Carvalho, Bis/Leya, 96p.****
113. Fabulário, Mário de Carvalho, Caminho, 128p.***
114. Quatrocentos Mil Sestércios seguido de O Conde Jano, Mário de Carvalho, Caminho, 136p.*****
115. Apuros de Um Pessimista em Fuga, Mário de Carvalho, Caminho, 80p.***
116. Fantasia Para Dois Coronéis e Uma Piscina, Mário de Carvalho, Caminho, 228p.*****
117. A Sala Magenta, Mário Carvalho, Caminho, 176p.****
118. A Arte de Morrer Longe, Mário de Carvalho, Caminho, 128p.*****
119. Diário da Vida de Um Mocho II, João Lobo, Calígrafo, 172p.**
120. a invenção do amor e outros poemas, Daniel Filipe, Presença, 76p.****


filmes:
190. I Love You, Phillip Morris, Glenn Ficarra e John Requa**** (medinho, Ewan genial)
191. Magnitude Máxima, ???**
192. Scoop, Woody Allen***** (de morrer a rir!)
193. Okuribito - A partida, Yojiro Takita***** (tão belo e comovente)
194. José e Pilar, Miguel Gonçalves Mendes***** (já não tenho mais lágrimas possíveis)
195. Virgin Territory, de David Leland**** (acho bem)
196. Letters to Juliet, de Gary Winick***** (pela beleza de tudo)
197. Harry Potter e os Talismãs da Morte, David Yates***** (óptimo início para o fim)
198. À Noite no Museu 2, Shawn Levy***

séries:
além de continuar (acabou ontem) a ver Chuck, de ver o fim de Sobrenatural, vi de enfiada duas séries estranhas (três temporadas cada), com muitas falhas, mas com pormenores engraçados, Dante's Cove e The Lair. Medinho.

Diário de um Mocho - II, João Lobo


Sábado, no CDDS, lá estaremos, eu e a minha digníssima colega e amiga Bruna Silva, a apresentar o livro mais recente de João Lobo - se alguém se dignar a achar mais interessante literatura do que futebol ou coisas que tais :)


Post factum (correu tudo bem, como seria de esperar... ou não)



«Mas porque uma viagem é sempre um mundo de surpresas e porque, não raro, ninguém dá conta da verdade quando ela se nos põe diante dos olhos.» (p.72)

«Nunca saberemos se a vida é feita de mortes ou se a morte é feita de vidas!» (p.108)

«Dos gatos colhi as mais surpreendentes confissões e, através do seu olhar comiserativo e de pedinte a quem não se pode dizer não, as solicitações mais inesperadas. “Já fomos deuses!” - assim começavam quase sempre as duas falas. – “E, com os nossos amos, atravessámos as portas do Mais-Além” – prosseguiam.» (p.163)

terça-feira, novembro 23, 2010

o que me tem feito chorar

quase nunca choro com nada que a vida me traga de vida, só com a arte mais pura. (sim, blá blá - este gajo deve ter a mania) Mas foram dois dias seguidos de extrema felicidade, ou tristeza, sei lá. Mas choraminguei... chorei... enfim, baba e ranho, praticamente (tenho andado constipado... cof... cof...) E aqui ficam os motivos (mesmo que não costume falar de filmes). Okuribito e José e Pilar. E me quedo.





quinta-feira, novembro 18, 2010

O que eu quero para o Natal

Não é tudo o que eu quero, sou difícil de satisfazer.
Mas com sonhos, lareira, família e o livro de Sophia já está lá quase tudo :)

sábado, novembro 13, 2010

Rodrigo Leão, Coliseu do Porto

LogoRodrigo Leão e eu vou - finalmente.
Muito se espera :)


depois do concerto:

teve uma primeira parte mais «clássica», como:


e uma segunda com canções de mais sucesso comercial, como:



faltou «Rosa», faltou «Deep Blue», mas já teve tanto ;)
Foi de génio, é o que posso dizer. E teve a minha/nossa canção:

sábado, novembro 06, 2010

Esperar/ (to) Wait

Saber esperar é uma virtude. Quem espera sempre alcança, embora também desespere. Esperar é a inutilidade do tempo desperdiçado. Ou então não. Nunca gostei de esperar por nada, nem me faço esperar, normalmente. Mas há momentos em que a espera só torna mais doce o momento da concretização. Estou cansado de te esperar, que se possa acertar o destino entre nós, ou que eu consiga ser outro para outrem que te ocupe parcialmente o lugar.

(a vida que não tenho nem desejo, por Moby - o vídeo oficial também é bonito, bem como este)



(espécie de mensagem em vice-versa, em desistência momentânea, na belíssima voz de Alexi Murdoch, em canção do filme Away we go)

segunda-feira, novembro 01, 2010

3 dos 125 poemas de Joaquim Pessoa


Dos pássaros e dos homens

De pássaros não sei nada.
Também Sócrates diria que dos pássaros nada soube.
Porque um poeta é um filósofo. E um filósofo
é sempre um poeta.
E um poeta não deve saber dos pássaros
mas dos homens.

Eu confesso: de pássaros nada sei.
Sei dos homens. Mas pouco.
Por isso os estudo. Falo deles. Amo-os ou odeio-os.
Aliás, entre os homens raramente há sentimentos intermédios
como a indiferença, por exemplo.
Não consta que os pássaros os conheçam.

Os homens são muito importantes para um poeta.
Tão importantes como as palavras.
Direi mesmo mais importantes.
Porque não poderão existir palavras e poetas sem homens
mas os homens já existiam sem palavras e sem poetas.
E mesmo as palavras e a poesia sem homens não serviriam para nada.

Portanto temos
primeiro o homem
depois a palavra
e por fim o poeta.

Na poesia, é pois, fundamental, o homem.
Sendo assim, é natural que eu fale dos homens
e me recuse a falar dos pássaros
porque, também, para falar de um assunto
é preciso estudá-lo
conhecê-lo
e, como eu já disse, de pássaros não sei nada
prefiro falar dos homens embora deles não saiba tudo
mas vou analisando-os
tentando conhecê-los melhor
em vez de analisar e tentar conhecer os pássaros
porque me parece
não poder haver uma relação por aí além
entre o pássaro e o homem
nem os pássaros poderão resolver os problemas dos homens
(habitação, ensino, desemprego, etc.)
num um homem só que seja pode ser explorado
por um ou mais pássaros
nem os os pássaros fizeram explodir nunca uma bomba atómica
ou se juntaram em bandos para discutir
se hão-de construir centrais nucleares para matar alguns homens
em benefício de qualquer pássaro
ou ainda para conferenciar sobre a bomba de neutrões
que pode ao mesmo tempo matar os pássaros e todos os homens.

Por todas estas razões proponho que
a poesia fale do homem para o homem

porque:

a) falando dos pássaros a poesia fala só dos pássaros;

b) falando dos homens, a poesia fala de tudo
(até dos pássaros);

c) os pássaros nunca poderão entender a poesia nem os poetas nem os outros homens;

d) a poesia falando dos homens fará com que os homens possam entendê-la e entender não só os poetas como também os pássaros e, sobretudo, o que é fundamental, entenderem-se entre si o mais depressa possível.


*****
Tu ensinaste-me a fazer uma casa

Tu ensinaste-me a fazer uma casa:
com as mãos e os beijos.
Eu morei em ti e em ti os meus versos procuraram
voz e abrigo.
E em ti guardei meu fogo e meu desejo. Construí
a minha casa.
Porém não sei já das tuas mãos. Os teus lábios perderam-se
entre palavras duras e precisas
que tornaram a tua boca fria
e a minha boca triste como um cemitério de beijos.

Mas recordo a sede unindo as nossas bocas
mordendo o fruto das manhãs proibidas
quando as nossas mãos surgiam por detrás de tudo
para saudar o vento.

E vejo ainda o teu corpo perfumando a erva
e os teus cabelos soltando revoadas de pássaros
que agora se recolhem, quando a noite se move,
nesta casa de versos onde guardo o teu nome.

****
Perguntas

Onde estavas tu quando fiz vinte anos
e tinha uma boca de anjo pálido?
Em que sítio estavas quando o Che foi estampado
nas camisolas das teen-agers de todos os estados da América?
Em que covil ou gruta esconderam as suas armas
para com elas fazer posters cinzeiros e emblemas?
Onde te encontravas quando lançaram mão a isto?
E atrás de quê te ocultavas quando
mataram Luther King para justificar sei lá que agressões
ao mesmo tempo que víamos Música no Coração
mastigando chiclets numa matinée do cinema Condes?
Por onde andavas que não viste os corações brancos
retalhados na Coreia e no Vietname
nem ouviste nenhuma das canções de Bob Dylan
virando também as costas quando arrasaram Wiriammu e enterraram vivas
mulheres e crianças em nome
de uma pátria una e indivisível?
Que caminho escolheram os teus passos no momento em que
foram enforcados os guerrilheiros negros da África do Sul
ou Allende terminou o seu último discurso?
Ainda estavas presente quando Victor Jara
pronunciou as últimas palavras?
E nem uma vez por acaso assististe
às chacinas do Esquadrão da Morte?
Fugiste de Dachau e Estalinegrado?
Não puseste os pés em Auschwitz?
Que diabo andaste a fazer o tempo todo
que ninguém te encontrou em lugar algum?


125 Poemas. Antologia Poética, Lisboa: Litexa, 1989 (90-92, 123, 161)