domingo, março 25, 2012

cinco poemas de Federico García Lorca



Flor

O magnífico salgueiro
da chuva caía.

Oh a lua redonda
sobre as ramagens brancas!

***

Despedida

Se eu morrer,
deixai a varanda aberta.

O menino come laranjas.
(Da minha varanda vejo-o.)

O ceifeiro ceifa o trigo.
(Da minha varanda sinto-o.)

Se eu morrer,
deixai a varanda aberta!

****

Alma Ausente


Não te conhece o touro ou a figueira,
nem cavalos nem formigas de tua casa.
Não te conhece o menino ou a tarde,
porque tu morreste para sempre.

Não te conhece o lombo da pedra,
nem o cetim negro onde tu destroças.
Não te conhece tua lembrança muda
porque tu morreste para sempre.

O Outono chegará com búzios,
uva de névoa e montes agrupados,
mas ninguém quererá olhar teus olhos
porque tu morreste para sempre.

Porque tu morreste para sempre,
como todos os mortos que há na Terra,
como todos os mortos que se esquecem,
num monte enorme de cães apagados.

Não te conhece ninguém. Não. porém, eu canto-te.
Canto para depois teu perfil e tua graça.
A madurez insigne do teu conhecimento.
Teu apetite de morte e o gosto de sua boca.
A tristeza que teve tua valente alegria.

Tardará muito tempo a nascer, se nascer,
um andaluz tão claro, tão rico de aventura.
Canto sua elegância com palavras que gemem
e lembro uma brisa triste entre as oliveiras.


****

Poema Duplo do Lago de Éden
(A Eduardo Ugarte) :
        "O nosso gado pasta, o vento espira." — Garcilaso de la Vega
Era a minha voz antiga
ignorante dos densos sumos amargos.
Adivinho-a a lamber-me os pés
sob os frágeis fetos molhados.

Ai voz antiga do meu amor!
Ai voz da minha verdade!
Ai voz de minhas costas abertas,
quando todas as rosas me brotavam da língua
e a relva não conhecia a impassível dentadura do cavalo!

Estás aqui a beber meu sangue,
a beber meu humor de menino passado,
enquanto meus olhos se quebram no vento
com o alumínio e as vozes dos bêbados.

Deixar-me passar a porta
onde Eva come formigas
e onde Adão fecunda peixes deslumbrados.
Deixar-me passar, homenzinhos dos cornos,
o bosque dos espreguiçamentos
e dos saltos alegríssimos.

Eu sei o uso mais secreto
que tem um velho alfinete oxidado
e sei o horror de uns olhos acordados
sobre a superfície concreta do prato.

Mas não quero mundo nem sonho, voz divina,
quero a minha liberdade, meu amor humano
no recanto mais escuro da brisa que ninguém queira.
Meu amor humano!

Esses cães marinhos perseguem-se
e o vento espreita troncos descuidados.
Oh voz antiga, queima com tua língua
esta voz de lata e de talco!

Quero chorar porque me dá gana,
como choram os meninos do banco mais atrás,
porque não sou um homem, nem um poeta, nem uma folha,
mas um pulso ferido que ronda as coisas do outro lado.

Quero chorar ao dizer o meu nome,
rosa, menino e abeto na margem deste lago,
para dizer minha verdade de homem de sangue
matando em mim a troça e a sugestão do vocábulo.

Não, não. Eu não pergunto, eu desejo.
Voz minha libertada que me lambes as mãos.
No labirinto de biombos é meu corpo nu o que recebe
a lua de castigo e o relógio sob a cinza.

Assim falava eu.
Assim falava quando Saturno parou os comboios
e a bruma e o Sonho e a Morte andavam a buscar-me.
Andavam a buscar-me
ali onde mugem as vacas que têm patinhas de pagem
e onde flutua meu corpo entre os equilíbrios contrários.


****

Madrigal à Cidade de Santiago

Chove em Santiago,
meu doce amor.
Camélia branca do ar,
nas trevas brilha o sol.

Chove em Santiago
na noite escura.
Ervas de prata e sono
cobrem a oca lua.

Olha a chuva na rua,
queixa de pedra e cristal.
Olha no vento desmaiado
sombra e cinza do teu mar.

Sombra e cinza do teu mar,
Santiago, longe do sol;
água de manhã antiga
treme no meu coração.



Federico García Lorca, Obra Poética, Lisboa: Relógio D'Água, 2007: 191, 207, 417, 471-3, 549

Para os amantes de poesia

Reconheço a tua voz
no lume das dunas
clara grave
com um leve travo amargo
entre as vogais

reconheço a tua voz
no tronco retorcido das árvores
simples
palavra a palavra dita

a tua voz é a floresta galeria
na terra vermelha do corpo.


(...)

Perdi as palavras
as dos poemas
e do silêncio

Paula Tavares, Manual para Amantes Desesperados, Lisboa: Caminho, 2007: 17, 30




(...)
sábia é a Criação:
escondeu uma estrela
no peito de um espantalho.

Adalberto Alves, No Vértice da Noite, Lisboa: Argusnauta, 2007:30


A Solidão

queres a alta solidão das estrelas e da flor?
deixa tudo e todos, segue o teu caminho,
escolhe a estrada de quem é sozinho,
não sejas mundano e despreza a dor.


A Verdade

a verdade? é sermos peões jogados
no xadrez de Alá, p'ra frente e para trás.
e depois acabarmos empurrados
para o cofre do Nada quando Lhe apraz.


O Futuro

sabes lá o que o futuro te vai dar!
sê, por isso, hoje feliz até mais não!
pega no copo, bebe, senta-te ao luar:
amanhã... talvez a lua te procure em vão.


poemas de Omar Khayyam recriados por Adalberto Alves, No Vértice da Noite, Lisboa: Argusnauta, 2007: 103, 104, 105