quinta-feira, novembro 27, 2008

Sugestões de Novembro

Livros:

1 – O Poeta Nu, Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim*****

argumentos: é-me impossível falar deste livro sem usar certos adjectivos valorativos, alguns fora de moda. Mas vou tentar. Adorei quase tudo, a simplicidade aparente, os poemas breves a seguir a tradição japonesa, os outros menos orientais mas também eles ligados à natueza, ou a cidades (Braga, Porto) ou ao corpo ou ao sexo, também tudo isto coisas da natureza. Esta recolha da poesia de Jorge Sousa Braga mostra-se um poeta com uma voz própria e interessante. Muitíssimo recomendável. Podem ler alguns poemas dele aqui, e fica ainda aí: «Por último, um lamento: que estes poemas não possam chegar ao leitor da forma mais apropriada, ou seja, em folhas de trevo» (p.169).

2 – Antes de Começar, Almada Negreiros, Asa*****

argumentos: claro que já conhecia, até porque foi o texto dramático que estudei quando andava no oitavo ano. Mas reler este texto é um prazer sempre renovado. Dele publiquei aqui um excerto, com uma imagem retirada desta edição que acompanha o manual de Língua Portuguesa Ponto por Ponto. Quem não conhece, por favor, leia. É muito bonito, desde a ideia dos brinquedos terem vida quando os adultos não estão a olhar até à força do amor.

3 – Ardem as Perdas, Antonio Gamoneda, Quasi***

argumentos: e porque não ler poesia espanhola? Lá fui eu, e não me arrependi muito. Nada de especial, entusiasmaram-me alguns poemas, alguns dos quais disponíveis aqui. A edição é bilingue, para quem preferir ler no original. Mais: «Eu vi a sua pele trabalhada por relâmpagos.» (p.49).

4 – O Gueto, Tamara Kamenszain, Moby-Dick*

argumentos: vinha junto com a revista «Inimigo Rumor» n.º14. Este sim não me disse nada de especial, talvez por não perceber alguns dos referentes da cultura judaica, ou sei lá. Ainda assim, colhi dele o poema que está aqui.

5 – Contos de Sempre, coordenação e selecção de José António Gomes e Isabel Ramalhete, Porto Editora***

argumentos: um conjunto de contos de Maria Amélia Vaz de Carvalho e Gonçalves Crespo, Perrault, Irmãos Grimm e Oscar Wilde. Contos interessantes, bons para ler ao quinto ano (acompanham os manuais do quinto ano de Língua Portuguesa da Porto Editora), embora a selecção possa ser discutível e etc. Mas dá para passar uns momentos agradáveis e, se o objectivo é motivar para a leitura, está no bom caminho.

6 – Makas da Banda, Xacolo Monangumba, Campo das Letras***

argumentos: uma história de Angola. Mais uma. Faz lembrar Luandino em alguns momentos, e sobretudo Pepetela, sem ter o génio do primeiro nem o aborrecimento de alguns livros do segundo. Mas é mais do mesmo: a guerra, a luta pela independência, muito semelhante, em parte ao que já se leu, sobretudo em A Geração da Utopia, ou outros, sei lá. Mas tudo aqui é contado de uma forma bastante pessoal, com argumentos próprios que valorizam este pequeno livro que vale a pena ler. Mais: «Não há razão alguma, Nguma, por mais pura que seja, para servir os porquês» (p.29), «Os cadávares completamente mortos voavam no ar, cada um para seu lado onde a terra lhes engolia.» (p.41) e «A vida corria e nas suas asas iam muitos a reboque.» (p.79).

7 – A Árvore, Sophia, Figueirinhas*****
8 – A Fada Oriana, Sophia, Figueirinhas*****
9 – A Menina do Mar, Sophia, Figueirinhas*****
10 - A Floresta, Sophia, Figuerinhas*****

argumentos: se bem que já os conehecesse, de ouvir falar, de reminiscências da infância, soube-me muito bem mergulhar no universo da escrita para crianças da minha Sophia. Juntam-se estes então a A Menina do Mar, O Rapaz de Bronze e O Cavaleiro da Dinamarca, ainda e sempre o meu favorito. Falta ainda O Anjo de Timor. Histórias bem construídas, com momentos de descrição extraordinários, com uma forte atenção à Natureza (mar, floresta, árvores, animais, jardins...) e ao Homem (seus valores, crenças, capacidades). Imprescindível ler e conhecer a melhor escritora de língua portuguesa (não tenho dúvidas disso). Mais: «Eu sou um espelho; passei a minha v ida a ver. As imagens entraram todas dentro de mim.» (AFO p.20) e «chorar até que a minha solidão se desfaça» (AFO, p.51).

11 – O Carteiro de Pablo Neruda, António Skármeta, Sábado****

argumentos: a leitura está em volta em coincidências. Primeiro dei um excerto numa aula do décimo ano, porque vinha no manual e os alunos acharam piada. Depois saiu na colecção da Sábado. Depois, uma aluna escolheu-o para o contrato de leitura. E li-o: porque vi o filme e gostei, porque queria conhecê-lo para avaliar melhor, porque é literatura sul-americana e quero conhecê-la melhor... Mario Jimenez, pescador tornado carteiro de Pablo Neruda, desperta para as metáforas e para o amor, com a ajuda do poeta e da poesia. Um livro belíssimo sobre a amizade, o amor, a poesia, mas também o contexto político chileno. Mais: «Pensa que o mundo inteiro é a metáfora de qualquer coisa?» (p.29); »Todos os homens que primeiro tocam a palavra, depois chegam mais longe com as mãos.» (p.64).

12 – A Salvação de Wang-Fô e outros contos orientais, Marguerite Yourcenar, Leya*****

argumentos: vai-se por este livro de contos com cuidado, com prazer demorado, pois todo ele é surpreendente e de extremo bom gosto. Uma série de contos orientais ou nem tanto, de que se destacam... todos. Claro que o primeiro, «A Salvação de Wang-Fô» se destaca por toda a importância que se lhe tem atribuído, mas todos têm alguma coisa de tocante no meio de toda a beleza, dada muito pelo uso do maravilhoso. Mais uns pontos a favor de Marguerite da minha parte. Mais: «Esta gente não foi feita para se perder no interior de uma pintura.» (p.22); «Todos somos divisão, fragmentos, sombras, fantasmas sem consistência. Todos julgámos chorar e exultar desde há séculos e séculos.» (p.105).

Música:
Perfect Simetry - Keane*****

argumentos: um excelente regresso de um dos meus grupos favoritos. Um álbum que me parece mais mexido, mais alegre, mais positivo que as tendências dos anteriores, um pouco anos 80, parece-me, às vezes também a lembrar Mika... E gosto muito, tal como dos anteriores. Não há ainda uma música que iguale algumas dos anteriores, mas é uma questão de tempo... Para já, não destaco nenhuma, pois gosto muito de todas!

Cinema:

Non ou a Vã Glória de Mandar**** - do «mestre» Manoel de Oliveira, que foi durante este mês objecto de homenagem na RTP2. Já o tinha visto, mas era muito pequeno. E desta vez vi com a alma pequena: gostei muito do filme, melhor do que outros posteriores que vi dele, e adorei a cena inicial, longa, em que se filma uma árvore (embondeiro?) e se houve uma música com sonoridade algo africana. Um filme em que se revisita ironicamente a história nacional, nos seus grandes momentos: batalhas, conquistas, Camões, guerra colonial - o tempo presente da acção principal do filme. E a figura enigmática e obsessiva de D. Sebastião a ter mais um grande enfoque.

Ensaio Sobre a Cegueira***** - fui ao cinema, finalmente. E para ver a adaptação de um grand eromance. Adorei, como já tinha gostado da adaptação em teatro pelo Bando (em 2004, se não erro). De Fernando Meirelles, com Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Branco, Danny Glover, Don McKeller, Gael García Bernal. Apesar das diferenças de linguagens, o filme é bastante fiel, não faltando os belíssimos momentos da igreja e suas imagens vendadas, o cão que lambe as lágrimas, ou o final, arrebatador. E mesmo as cenas mais violentas, como as orgias/violações e o assassinato com a tesoura foram filmadas com muito bom gosto. Muito interessante a banda sonora, a fotografia, as relações com a pintura, o branco e o preto...

TV:

Lipstick Jungle*** - só porque sim, porque não vi nada neste mês excepto isto, nas sextas à noite, única altura em que posso aparvalhar em frente à televisão. Três mulheres fantásticas de que vivem numa grande cidade e têm vidas aparentemente perfeitas mas com problemas próprios (onde é que eu já vi uma coisa do género?), como toda a gente. Mas é engraçado, dá para passar bem o tempo e até faz rir às vezes. Gosto especialmente da fulana da moda...

O meu primo e o Fernando Alvim

Desculpa lá, primaço, mas tem de ser. «O Fernando Alvim é um DJ porreiro! Mete som fixe! Mete som fixe!» Mas que espécie de português é este. Ah, contexto: uma festa de recepção ao caloiro. Copos, portanto. Já percebi.

Agora a sério. O Alvim é um espectáculo. Além de um senhor de comunicação e humor, escrita e outras coisas («o homem dos sete ofícios»). O que me espanta, ou não, são as respostas de alguns estudantes: não sabem quem é o Alvim? Por favor!!! Não sabem quem não é o Fernando Alvim é pior do que não saber quem foi Salazar! Ao menos o Alvim é do nosso tempo, podemos ouvi-lo na Antena 3 todos os dias! Preocupado, muito preocupado...

Fica aí o vídeo - demora, é lento, mas vale a pena pelas respostas do homem e as tentativas dos estudantes...

http://www.canalup.tv/videoplayer.php?id_video=1445


já agora, o senhor dirige uma revista muito interessante: «365». Vale a pena ver o sítio.

segunda-feira, novembro 24, 2008

Antes de Começar, Almada Negreiros


«O Boneco: Deixa estar calado o meu coração!...
A Boneca: Dá-me a tua mão!... que eu saiba da tua mão... Que as tuas mãos não sejam as minhas!... que sejam outras mãos como as minhas... As minhas mãos não me bastam... faltam-me outras mãos como as minhas!
O Boneco: É assim que bate o coração...
A Boneca: Dá-me a tua mão!... que os nosso corações sejam a repetição um do outro como é justo!... que as tuas mãos me tragam destas, me tragam paz... paz que se ganha!... (Pausa.) Dá-me as tuas palavras!... essas que tu guardas... essas palavras que não morrem, nem se matam!... essas que lembram o mar... o mar que nunca pára... o mar que não se cansa... o mar que insiste... o mar que não se gasta.
O Boneco: Cala-te coração! Deixa ouvir o mar...
A Boneca: Tu também viste o mar?
O Boneco: O mar foi feito por nossa causa!...
A Boneca: Ah!... É assim, juro-te, exactamente assim o mar... Oh! como tu o viste bem! Dá-me a tua mão p'ra ser tão grande o silêncio... (Pausa.) O mar!... não acaba nunca o mar!...
O Boneco: O mar começa sempre...
A Boneca: É como o coração dentro de mim!... E nunca sai do peito o coração!
O Boneco: Pode mudar-se o coração?...»

quinta-feira, novembro 20, 2008

Lisboa

Vai-se a Lisboa por causa do Mestrado. Falta-se às aulas, dorme-se mal. Almoça-se com a Natacha, vê-se o Muamba, resolvem-se os problemas. E Lisboa está só, mas bonita. Ou eu, nela. Depois ilumina-se mais o dia com a feira do livro do Mercado da Ribeira (16 livros), com direito a artesanato e música, e a feira na Cidade Universitária (20 livros), ainda a ser montada e tal. Carregado que nem um burro apanha-se o comboio de regresso. Lisboa não é mais o meu destino semanal. Episódico, sabe melhor, mesmo que só em Português...

Dos Deolinda, vale a pena: Lisboa não é a cidade perfeita.

Além disso, conheci no meu colégio o escritor João Aguiar. Foi simpático, divertido - talvez em exagero. Vendeu bem o seu peixe - expressão que usou várias vezes. E lá lhe dei a honra de autografar um livro para mim ;).

terça-feira, novembro 18, 2008

Mais fragmentos

Tinha ficado no conto II.35. Volto à obra para mostrar mais excertos de contos.. já falta tão pouco que o novo volume já se avizinha - sim, vou continuar o projecto: mais 52 contos no ano de 2009, um por semana (em princípio com o nome Já deste corda ao pardal?)... acho que vou manter projectos do género até se me esgotarem motivos, temas, formulações... Ficam então aqui mais momentos escolhidos desde o conto 36 até ao actual, o 46.

II. 36. Post das mais belas palavras
Acabei de fazer de fazer um post sobre as palavras mais belas no meu blogue. Não há palavras que nos contem, nem as inventadas entre nós, nas nossas diferentes línguas. E além disso, não são mais do que palavras sem realidade agora, existentes apenas na memória e na expectativa do que poderia ter sido o futuro. Vi-as numa dessas revistas alemãs que me deixaste.

II. 37. As palavras no vento
Fila por fila, os homens com o medo no olhar e nas mãos trementes vão ganhando a coragem necessária para ver mais longe e firmemente empunham as armas: espadas, machados, arcos e flechas. Fecham o coração à vida e centram-se nas palavras que lhes invade o ser pela membrana, pelo martelo, bigorna e estribo e espaços seguintes a estes ossos. Incrível como meras palavras agem de repente e fazem as coisas acontecer – se calhar mais do que os próprios motivos. Mas, normalmente, estas palavras não são mais do que motivos emocionados pela beleza do discurso; tudo estudado ao pormenor ou fruto do momento, dependendo dos casos e necessidades. E uma vez soltas elas penetram os capacetes e entram, fila por fila, homem por homem. Como estes homens, muitos homens que se organizaram como souberam, um pouco abaixo do castelo que pretendem tomar.

II. 39. Monte Clérigo
Ele costumava dizer que não tínhamos ido quatro, mas seis: além de nós, tinham ido também o Cândido e a Paula. Eu andava a ler o Cândido, de Voltaire, ele a Paula, de Isabel Allende. Às vezes líamos um para o outro, para suportar a dor da existência em comum, vinte e quatro horas durante cinco dias. Claro que gostávamos todos uns dos outros, e ainda gostamos. Ou quase todos… Mas enfim, era de mais. A presença era tanta que saímos todos a sair dali com a expressão «tipo»: Tipo, chegas-me o sal?, Já saias do banho, tipo…, Isso é tipo uma coisa tipo… Tipo, tipo, tipo… e aquilo colou-se de tal maneira, com tanto sentido, que mesmo não o querendo dizer, por ser um bordão de linguagem, ainda por cima feio, era impossível não o usar! Tipo – pronto, lembrei-me, já voltou…. Reformulo: então, esses livros iam connosco para a praia.

II. 41 O abismo
A Filipa de papel continuara a ler, e na leitura surgiam as leituras que cada Filipa fazia, e as interpretações exponenciavam-se, e leu durante muito tempo, um livro sobre uma Filipa que estava a ler um livro de contos, onde uma Filipa estava a ler um livro de contos sobre uma Filipa que lia um livro, também ele sobre uma Filipa e um livro… Era um sem fim de Filipas e de contos, espalhados por aí, sem definição, a ler contos. A ler. E com gatos aos pés, a aquecer a cama e a alma. Completamente confundidas, todas as Filipas se estavam a perder na imensidade dos livros e do mundo. Mas então, sem qualquer aviso, as letras acabaram, precipitando-se todas no
A
B
I
S
M
O
O gato ainda esboçou um salvamento.

II. 43 Exp
Mário entrou no autocarro a pensar nos acidentes recentes que haviam vitimado muitos passageiros. Tinham sido cinco os acidentes na última semana, em parte motivados pelo tempo instável, em parte por abusos dos condutores. Mário escolheu uma das melhores companhias do país, uma das poucas de que nunca se ouvira um acidente. Quando encontrou o seu lugar, sentou-se e pensou se teria feito bem: por qualquer ordem cósmica, compensação e justiça, aquela companhia teria de ter também um acidente e podia ser naquele momento, naquela viagem, naquele autocarro, naquele momento em que o autocarro já ia circulando pela cidade para entrar na auto-estrada. Aqueles pensamentos agonizavam-no, mais ainda do que o próprio enjoo que costumava sentir sempre que andava de autocarro. Mas tinha de ser.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Selecção sofrida e demorada, mas breve, da poesia reunida de Jorge Sousa Braga


*
Alguns enxames de abelhas invadiram o Museu do Louvre e exploraram cuidadosamente todas as naturezas mortas com flores, não tendo deixado um único grão de pólen.

**
Era quase tão bela como a Vénus de Milo. Um dia cortou os braços a sangue frio.

***
Na tarde em que ia morrer estava Sócrates com os seus discípulos quando um pássaro com um ramo de ervas no bico irrompeu na cela. Depois de ter bebido a cicuta, Sócrates continuou discorrendo durante algum tempo ainda, sobre a imponderabilidade do pensamento. Morreu com um sorriso na boca. Os discípulos repartiram entre si os objectos de uso pessoal. O pássaro que até aí se mantivera na penumbra apoderou-se do sorriso e desapareceu no céu de Atenas.

****
Cabril

Esta noite sonhei que era um rio. Um rio pequenino, é certo, que nada mais conhecia além das montanhas onde nascia, dos amieiros e dos juncos que nele se debruçavam. Como todos os rios, o que eu mais ardentemente desejava era desaguar. Comecei a perguntar onde ficava o mar, mas ninguém me sabia responder. Apontavam-me com um gesto vago ora o este ora o oeste. Escolhera já a forma de desaguar – em delta, claro – mas não recolhera ainda o menor indício da proximidade do mar. Uma noite em que estava acampado ente as dunas cheguei finalmente a uma conclusão (a mesma a que todos os rios chegaram talvez antes de mim): o mar não existia.

(E essa conclusão era salgada.)

*****
A borboleta que poisou
no teu mamilo perdeu
a vontade de voar

******
Vou ao céu
E venho-
-me

*******
Qual é a minha
ou a tua
língua?

********
O Velho Poeta

O seu desejo era que plantassem
um espinheiro numa nesga de

terra frente ao mar e ao rio
e que ele florisse nem

que fosse uma única vez
Este espinheiro protegê-lo-ia

mais do frio que um edredão
A nesga de terra continua lá

e o mar e o rio e a manhã
Só o espinheiro e o poeta

é que não

*********
A Religião da Cor

A paleta está cheia de cores: azul-celeste, laranja, rosa, cinábrio, amarelo vivo, violeta, borra de vinho.

Falta-me uma cor ainda. Para pintar a inexistência de Deus.

**********
Van Gogh por ele próprio

Vivo numa cela. O universo é uma cela com três metros de comprimento por dois de largura. Fecharam-se nesta cela e disseram-me: Bem, Vincent, agora podes correr à vontade.


Jorge Sousa Braga, O Poeta Nu, Assírio & Alvim, p.30, 36, 37, 99, 178, 179, 184, 277, 296, 299.

quinta-feira, novembro 13, 2008

um poema de Tamara Kamenszain

Gentios

Deus escreve a diferença
no espelho da desordem genética
se me olho desconto meu duplo
se te vejo acrescento tua metade.
Diferença idêntica
faz rir de tanto nos parecermos
área à semita judia o ário
loucos soltos fechados juntos
protegidos sob a intempérie sem fio
como animais ante seu próprio enterro
pelos restos do campo.
Nesse lugar descampado
nesse perímetro que nos concentrava
eu sou aquela que morreu por ti
e por tua gentileza ainda sou
a que te deixou
---------------morrer.
Deus nos arquivará distintos
sem seu livro dos parentescos
no velho eu você no novo
dois testamentos na fossa comum
e depois
--------que nos identifiquem.

sábado, novembro 08, 2008

3 poemas de Antonio Gamoneda


Uma paixão fria endurece as minhas lágrimas.

Pesam as pedras nos meus olhos: alguém

me destroi ou me ama.

***

Pousei as minhas mãos num rosto e retirei-as feridas pelo amor.

Agora,

o esquecimento acaricia as minhas mãos.

***

Atrás da obscuridade estão os rostos que me abandonaram.

Eu vi a sua pele trabalhada por relâmpagos. Agora

já só vejo, no instante amarelo,

o esplendor das suas longínquas pálpebras.


Antonio Gamoneda, Ardem As Perdas, Quasi, p.19, 23, 49

quarta-feira, novembro 05, 2008

Mens et corpore

ora pois que a beleza e a inteligência podem conviver numa só imagem. não, não estou a falar de mim, embora pudesse, mas isso era demasiado óbvio e ficava mal estar a elogiar-me e pôr fotos minhas no blogue por dá cá aquela palha (cof cof), estou só a falar desta imagem que me enviaram por email e que fica aí (afastar-se do ecrã e voltar ao mesmo sítio até ver as duas faces...):