domingo, dezembro 21, 2008

Sugestões de Dezembro

Algumas das coisas que preencheram este mês:

1 – A História de Van Gogh e o Rapaz dos Girassóis, Laurence Anholt, Círculo de Leitores****

argumentos: um livro muito bonito visualmente, com ilustrações (do próprio Laurence Anholt) que partem dos quadros de Van Gogh para recriar um tempo da vida do pintor: a da sua estadia numa aldeia e o relacionamento desenvolvido com o rapaz os girassóis. Revela a importância da arte e a incompreensão a que as novidades são votadas, ou seja, o problema da aceitação da diferença. Ver mais em: http://www.anholt.co.uk/

2 – «Ficções 3», direcção de Luísa Costa Gomes, Tinta Permanente****
3 – «Ficções 4», direcção de Luísa Costa Gomes, Tinta Permanente****

argumentos: gosto muito destas revistas/livros que apresentam contos inéditos, contos traduzidos pela primeira vez ou melhor traduzidos do que nas versões já existentes, contos recuperados das colectâneas de diversos autores. Destes dois volumes destaco os contos de Maupassant, Dino Buzatti, Mário de Carvalho e Ambrose Bierce, Henry James, Marcel Aymé, Margaret Atwood e Hélia Correia. Mais: «Tirando o moscardo, a única vez que vi um bicho a voar sem ter com quê, foi uma cobra num livro de Lídia Jorge. Mas isso era ficção, a mesma autora não o nega.» (Mário de Carvalho, 3, p.96); «Na altura, ainda não sabia que quem deixa as coisas que ama espalhadas pelo mundo, sente sempre a falta de algo onde quer que esteja.» (José Luís Peixoto, 3, p.127) e «Aquilo a que chama morrer é apenas a última dor na realidade, não existe “morrer”» (Ambrose Bierce, 4, p.10).


4 – Venenos de Deus, Remédios do Diabo, Mia Couto, Caminho****

argumentos: mais um interessante livro de Mia Couto, mas pareceu-me um pouco inferior aos anteriores. Mas ainda assim um excelente livro: leitura facilitada pela predominância do diálogo e pelo tom de mistério da trama, já que começam a surgir dúvidas sobre a verdade da realidade enfrentada por um médico que se deslocou a Moçambique para recuperar o amor de uma moçambicana que conheceu em Lisboa, e que espera que ela regresse de um estágio, ao mesmo tempo que vai conhecendo os mistérios de Vila Cacimba. As personagens são muito interessantes, existe humor e profundidade – a leitura rápida pode deixar alguns pormenores não revelados – e frases daquelas que se recortam para álbuns e diários: «Eu só melhoro quando deixo de ser eu.» (p.13), «agora sofro de rugas até na alma» (p.29), «Todos sabem: a casa só é nossa quando é maior que o mundo» (p.50), «o meu medo não é de morrer. o meu medo é ter de nascer de novo.» (p.135) e «Sonhar é um modo de mentir à vida, uma vingança contra um destino que e sempre tardio e pouco.» (p.155).


5 – Dacoli e Dacolá, Miguel Horta, Pé de Página***
6 – O Afinador de Palavras, Rui Grácio e Catarina Fernandes, Pé de Página***
7 – Os livros que gostam de contar histórias, Fátima Éffe & Zé-Luís, Pé de Página****

argumentos: uma série de livros de leitura encomendada pela coordenadora de Português do segundo ciclo para escolher qual destes para o quinto e para o sexto – para uma actividade de leitura na sala de aula seguida de conversa com o autor ou assistência de uma pequena representação teatral. Apesar de o primeiro ter histórias bonitas, e o segundo umas imagens belíssimas (tristonhas), eu optei nitidamente pelo terceiro, sobre os livros (de bolso, em branco, as letras e as palavras, etc. etc…) Mas o terceiro fica para o sexto, porque é um pouco mais extenso e exigente. Mais: «A nossa terra é onde está o nosso coração e o nosso coração sabe sempre o seu lugar» (Miguel Horta, p.5), «Na realidade, as palavras, tendo o mesmo som e as mesmas letras, nem sempre significam o mesmo. Podem ter muitos significados, consoante as companhias com que andam…» (Rui Grácio e Catarina Fernandes, p.10) e «O livro não é apenas um livro» (Fátima Éffe & Zé-Luís, p.8).


8 – A Viagem do Elefante, José Saramago, Caminho*****

argumentos: um grande romance, mais um. Este conta a longa e difícil viagem do elefante salomão (letra minúscula de propósito), mais tarde dito o solimão, através de portugal, espanha, itália, até à Áustria, que é enviado a maximilano da áustria como presente do rei d. joão III. Obviamente a viagem do elefante é apenas o pretexto para uma série de meditações sobre o ser humano, espelhado ou não no comportamento e natureza do elefante, mas também críticas ao poder político e religioso, onde prepondera, a meu ver, o humor de uma ironia distanciada mas também compadecida. Um excelente romance de um dos nossos melhores escritores. Mais: «Nem tudo são letras no mundo, meu senhor, ir visitar o elefante salomão neste dia é, como talvez se venha a dizer no futuro, um acto poético, Que é um acto poético, perguntou o rei, Não se sabe, meu senhor, só damos por ele quando aconteceu,» (p.19); «costuma-se dizer que as paredes têm ouvidos, imagine-se o tamanho que terão as orelhas das estrelas.» (p.75); «Somos, cada vez mais, os defeitos que temos, não as qualidades.» (p.147) e, entra muitas outras, «Ter de pagar pelos próprios sonhos deve ser o pior dos desesperos.» (p.97).


9 – Trabalhos e Paixões de Benito Prada, Fernando Assis Pacheco, Asa****

argumentos: um romance de tom picaresco, muito bem construído, sobre a família Prada, centrada no filho mais velho, Benito, que segue as pisadas do pai e deixa a Galiza para trabalhar em Portugal, mas de modo permanente. Mais do que os amores, temos a sua vida de trabalho, os sofrimentos e as conquistas, o valor da família, tudo num contexto histórico que ganha algum relevo, por vezes: Primeira República, emigração massiva dos galegos, Sidónio Pais, o Estado Novo, Franco… Com aspectos curiosíssimos, como «mas era apenas sonho, e os sonhos doem como não doem as picadas das vespas» (p.47), «Gasta-se muita literatura a falar do medo.» (p.168) e «Tristeza tão triste nunca saiu nos livros.» (p.224).


10 – A Musa Irregular, Fernando Assis Pacheco, Asa***

argumentos: poesia reunida de Fernando Assis Pacheco. Poesia de amor, de medos, de paz e de guerra, de dor, de vida e morte. Poesia sobre tudo, em sumo. E vale a pena conhecê-la, de resto. De resto, alguns poemas ainda virão para este blogue.

Cinema:

O Empregado do Mês***
Uma Série de Desgraças****

Música no Coração*****
O Feiticeiro de Oz****
A Minha Super Ex****


TV:

Clara e Francisco****
Robin Hood****
O Triângulo Jota***

Poema de Natal 2008

Continuo a tradição: poema de Natal a fim de vos desejar boas festas. Este ano, depois de Sophia, Cabral do Nascimento e Vinicius de Morais, vem um poema de António Rebordão Navarro.

Numa noite em que nasciam
crianças aos milhares
e outras morriam sem assistência médica
e outras morriam brincando com bombas
e outras morriam esmagadas
por fugitivos automóveis;
numa noite de Inverno,
numa noite de névoa
sobre os barcos sem equipagem junto ao rio;
numa noite de ruas desertas e casas fechadas
aos que andavam perdidos e sozinhos,
três poetas sentaram-se a uma mesa
e decretaram a paz e a alegria.

E decretaram a paz
para os que, cabelos soltos nas mãos das noites frias,
viviam na cidade onde agora estavam,
respiravam o mesmo ar
e liam as mesmas notícias dos jornais.
E decretaram a paz
para os que tinhamos olhos riscados pelos dedos do medo.
E decretaram a paz
para os que traziam
a angústia dos dias misturada no sangue.
E decretaram a alegria
para as crianças que estavam nascendo em todo o mundo.
E decretaram a alegria
para as jovens que sentiam os seios despontar.
E decretaram a alegria
para as mulheres que eram mães.
E decretaram a alegria
para todos os seres.

Foi então que Jesus Cristo
nascido há quase mil
novecentos e sessenta anos,
sorriu no céu que cobria a mesa
onde três poetas se tinham sentado
para decretar a paz e a alegria.

in: Natal... Natais... (Antologia organizada por Vasco Graça Moura)

Vazio Repetido (contos II - 2008)

Contos, ou coisas mais crónicas, aqui fica a lista do trabalho feito este ano, seguindo o modelo do ano passado. Com links para outros posts onde se podem ler excertos ou o texto na íntegra, em alguns casos, se bem que não na sua versão final. Falta apenas terminar o conto «50. Em forma de coisa». Mais uma vez me adiantei e ainda bem. As histórias marcadas com * são recuperações de textos mais antigos, adaptadas, reescritas, alteradas. Segue-se Já deste corda ao pardal? (III - 2009)

1. O vazio
2. O caminhar do solitário
3. Dicionário destas palavras
4. O Mergulho
5. Le thé des écrivains
6. O retiro dos passarinhos
7. O rapaz que não sabia como fazer uma redacção*
8. A prisão mental
9. Gestos que ainda não chovem
10. A adivinha
11. Colares: contas de ida, contas de estada
12. A excepção ou As cartas de Cabo Verde
13. A fuga
14. Geografia e ontologia
15. All men are lonely now
16. Casa: mudar de, mudar a
17. D. Mirra
18. A cidade
19. LE7R45^3
20. Flutuo
21. A consistência dos sonhos
22. O serial killer das francesinhas
23. Através das terras
24. O dia que não amanheceu
25. Omni
26. Teias de aranha
27. As casas com cortinas*
28. Sinais/Signos*
29. O deserto*
30. O suave milagre de Tormes
31. Trocando fronteiras
32. Os amigos perdidos
33. As duas mãos
34. Para além das amoras
35. Fragmentos do funeral *
36. Post das mais belas palavras
37. As palavras no vento
38. No espelho
39. Monte Clérigo
40. Um homem como os outros
41. O abismo
42. Homenagem a Dionisos
43. Exp
44. Os dias
45. O viciado em chocolate
46. Miausente
47. Das coisas
48. O silêncio
49. Debelação
50. Em forma de coisa
51. Um estranho Natal*
52. História corrida da procura trágica do amor

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Estante de livros

em maré de sorte...

apesar do trabalho infinito, das reuniões que aí vêm, não me posso queixar quando olho para os meus colegas e comparo o trabalho e os alunos deles com o meu/meus. sorte, enfim. e mais sorte noutras coisas: tudo tem corrido pelo melhor, embora por mais de uma vez, nestas últimas semanas, me tenha apetecido mandar tudo para onde Judas perdeu as botas... ou ir eu para lá.

mas isto não é sobre mim, ou antes, sim, mas em relação a um outro blogue. Estante de Livros foi descoberto por mim há um par de meses e tenho-o seguido com fidelidade: notícias sobre livros, sinopses e comentários, sugestões de estantes, um ou outro passatempo, coisas curiosas sobre livros ou com eles relacionados. Concorri um dia destes (não sei qual, ando meio perdido) a um passatempo e ganhei um dos prémios sorteados!

E no mesmo blogue descobri a estante da minha vida. Podem vê-la abaixo e imaginar-me a fazer uma com o meu pai, nas férias de Verão... é que o original é bem puxadito e o meu ordenado não dá para tanto. Mas, além disso, uma só não deve chegar... nem duas...

domingo, dezembro 07, 2008

Alçada Baptista, 1927/2008

Descobrem-se assim as coisas. Estava a abrir o email e aparece a notícia. Reconheço que nunca me disse nada nem nunca li nada do senhor, mas quando escritor morre, mesmo ficando o que de mais importante escreveu (em princípio), fica sempre o lamento por aquilo que não chegou a ser escrito.
Advogado e escritor, publicou ensaios, crónicas, romances e ficção, cujas características princípiais estão as narrativas imaginárias e as memórias pessoais, o interior do Homem, o afecto, a mulher...

Obra:

Documentos Políticos (crónicas e ensaios) (1970)
Peregrinação Interior I - Reflexões sobre Deus (1971)
O Tempo das Palavras (1973)
Conversas com Marcello Caetano (1973)
Peregrinação Interior II - O Anjo da Esperança (1982)
Os Nós e os Laços (romance) (1985)
Catarina ou a Sabor a Maçã (1988)
Tia Suzana, Meu Amor (romance) (1989)
O Riso de Deus (romance) (1994)
A Pesca À Linha, Algumas Memórias (1998)
A Cor dos Dias (2003)

O segundo, o terceiro, o quinto e o último parecem interessantes, só pelo título. Informação recolhida aqui e aqui.

Palavras do autor:

«- Essa é uma das minhas dúvidas: um homem e uma mulher não podem viver na dialéctica e muito menos nesta pedagogia doméstica de se ensinarem como é que um quer o outro. O futuro não vai conhecer a dialéctica e o amor entre duas pessoas tem que ser o nosso ensaio de futuro, pelo menos aquele que nos é mais acessível. Amar é uma atitude de compreender e aceitar: é reconhecer os outros e respeitar a sua liberdade. Não pode ser outra coisa, se quisermos acabar com este espectáculo triste em que todos andamos metidos. Eu só aceito catástrofes naturais: os tremores de terra, as inundações, as secas, os ciclones, a morte. Não posso aceitar esta destruição domiciliária dos sentimentos e da vida pela vontade deliberada dum homem e duma mulher que é o que se anda pr'aí a viver com o nome de amor...»

de Os Nós e os Laços

sábado, dezembro 06, 2008

Nem só de póneis

Porque nem só de póneis vive um professor de Português: após muitas calinadas, distracções e desconhecimentos gritantes, muitas vezes resolvidos com prodigiosas imaginações, li um texto de um aluno do décimo que me arrepiou todo. Um aluno não muito bom, mas esforçado, muito educado, simpático. Que me escreve no portfolio, entre outras coisas: «somos todos artistas de outros palcos» e «quero saber contornar-me, como se faz com o lápis no papel, ou o final da tela». E mais não digo, que as coisas melhores, ou texto todo, era só para eu ler, e talvez alguém mais especial do que um simples professor.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Sugestões de Novembro

Livros:

1 – O Poeta Nu, Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim*****

argumentos: é-me impossível falar deste livro sem usar certos adjectivos valorativos, alguns fora de moda. Mas vou tentar. Adorei quase tudo, a simplicidade aparente, os poemas breves a seguir a tradição japonesa, os outros menos orientais mas também eles ligados à natueza, ou a cidades (Braga, Porto) ou ao corpo ou ao sexo, também tudo isto coisas da natureza. Esta recolha da poesia de Jorge Sousa Braga mostra-se um poeta com uma voz própria e interessante. Muitíssimo recomendável. Podem ler alguns poemas dele aqui, e fica ainda aí: «Por último, um lamento: que estes poemas não possam chegar ao leitor da forma mais apropriada, ou seja, em folhas de trevo» (p.169).

2 – Antes de Começar, Almada Negreiros, Asa*****

argumentos: claro que já conhecia, até porque foi o texto dramático que estudei quando andava no oitavo ano. Mas reler este texto é um prazer sempre renovado. Dele publiquei aqui um excerto, com uma imagem retirada desta edição que acompanha o manual de Língua Portuguesa Ponto por Ponto. Quem não conhece, por favor, leia. É muito bonito, desde a ideia dos brinquedos terem vida quando os adultos não estão a olhar até à força do amor.

3 – Ardem as Perdas, Antonio Gamoneda, Quasi***

argumentos: e porque não ler poesia espanhola? Lá fui eu, e não me arrependi muito. Nada de especial, entusiasmaram-me alguns poemas, alguns dos quais disponíveis aqui. A edição é bilingue, para quem preferir ler no original. Mais: «Eu vi a sua pele trabalhada por relâmpagos.» (p.49).

4 – O Gueto, Tamara Kamenszain, Moby-Dick*

argumentos: vinha junto com a revista «Inimigo Rumor» n.º14. Este sim não me disse nada de especial, talvez por não perceber alguns dos referentes da cultura judaica, ou sei lá. Ainda assim, colhi dele o poema que está aqui.

5 – Contos de Sempre, coordenação e selecção de José António Gomes e Isabel Ramalhete, Porto Editora***

argumentos: um conjunto de contos de Maria Amélia Vaz de Carvalho e Gonçalves Crespo, Perrault, Irmãos Grimm e Oscar Wilde. Contos interessantes, bons para ler ao quinto ano (acompanham os manuais do quinto ano de Língua Portuguesa da Porto Editora), embora a selecção possa ser discutível e etc. Mas dá para passar uns momentos agradáveis e, se o objectivo é motivar para a leitura, está no bom caminho.

6 – Makas da Banda, Xacolo Monangumba, Campo das Letras***

argumentos: uma história de Angola. Mais uma. Faz lembrar Luandino em alguns momentos, e sobretudo Pepetela, sem ter o génio do primeiro nem o aborrecimento de alguns livros do segundo. Mas é mais do mesmo: a guerra, a luta pela independência, muito semelhante, em parte ao que já se leu, sobretudo em A Geração da Utopia, ou outros, sei lá. Mas tudo aqui é contado de uma forma bastante pessoal, com argumentos próprios que valorizam este pequeno livro que vale a pena ler. Mais: «Não há razão alguma, Nguma, por mais pura que seja, para servir os porquês» (p.29), «Os cadávares completamente mortos voavam no ar, cada um para seu lado onde a terra lhes engolia.» (p.41) e «A vida corria e nas suas asas iam muitos a reboque.» (p.79).

7 – A Árvore, Sophia, Figueirinhas*****
8 – A Fada Oriana, Sophia, Figueirinhas*****
9 – A Menina do Mar, Sophia, Figueirinhas*****
10 - A Floresta, Sophia, Figuerinhas*****

argumentos: se bem que já os conehecesse, de ouvir falar, de reminiscências da infância, soube-me muito bem mergulhar no universo da escrita para crianças da minha Sophia. Juntam-se estes então a A Menina do Mar, O Rapaz de Bronze e O Cavaleiro da Dinamarca, ainda e sempre o meu favorito. Falta ainda O Anjo de Timor. Histórias bem construídas, com momentos de descrição extraordinários, com uma forte atenção à Natureza (mar, floresta, árvores, animais, jardins...) e ao Homem (seus valores, crenças, capacidades). Imprescindível ler e conhecer a melhor escritora de língua portuguesa (não tenho dúvidas disso). Mais: «Eu sou um espelho; passei a minha v ida a ver. As imagens entraram todas dentro de mim.» (AFO p.20) e «chorar até que a minha solidão se desfaça» (AFO, p.51).

11 – O Carteiro de Pablo Neruda, António Skármeta, Sábado****

argumentos: a leitura está em volta em coincidências. Primeiro dei um excerto numa aula do décimo ano, porque vinha no manual e os alunos acharam piada. Depois saiu na colecção da Sábado. Depois, uma aluna escolheu-o para o contrato de leitura. E li-o: porque vi o filme e gostei, porque queria conhecê-lo para avaliar melhor, porque é literatura sul-americana e quero conhecê-la melhor... Mario Jimenez, pescador tornado carteiro de Pablo Neruda, desperta para as metáforas e para o amor, com a ajuda do poeta e da poesia. Um livro belíssimo sobre a amizade, o amor, a poesia, mas também o contexto político chileno. Mais: «Pensa que o mundo inteiro é a metáfora de qualquer coisa?» (p.29); »Todos os homens que primeiro tocam a palavra, depois chegam mais longe com as mãos.» (p.64).

12 – A Salvação de Wang-Fô e outros contos orientais, Marguerite Yourcenar, Leya*****

argumentos: vai-se por este livro de contos com cuidado, com prazer demorado, pois todo ele é surpreendente e de extremo bom gosto. Uma série de contos orientais ou nem tanto, de que se destacam... todos. Claro que o primeiro, «A Salvação de Wang-Fô» se destaca por toda a importância que se lhe tem atribuído, mas todos têm alguma coisa de tocante no meio de toda a beleza, dada muito pelo uso do maravilhoso. Mais uns pontos a favor de Marguerite da minha parte. Mais: «Esta gente não foi feita para se perder no interior de uma pintura.» (p.22); «Todos somos divisão, fragmentos, sombras, fantasmas sem consistência. Todos julgámos chorar e exultar desde há séculos e séculos.» (p.105).

Música:
Perfect Simetry - Keane*****

argumentos: um excelente regresso de um dos meus grupos favoritos. Um álbum que me parece mais mexido, mais alegre, mais positivo que as tendências dos anteriores, um pouco anos 80, parece-me, às vezes também a lembrar Mika... E gosto muito, tal como dos anteriores. Não há ainda uma música que iguale algumas dos anteriores, mas é uma questão de tempo... Para já, não destaco nenhuma, pois gosto muito de todas!

Cinema:

Non ou a Vã Glória de Mandar**** - do «mestre» Manoel de Oliveira, que foi durante este mês objecto de homenagem na RTP2. Já o tinha visto, mas era muito pequeno. E desta vez vi com a alma pequena: gostei muito do filme, melhor do que outros posteriores que vi dele, e adorei a cena inicial, longa, em que se filma uma árvore (embondeiro?) e se houve uma música com sonoridade algo africana. Um filme em que se revisita ironicamente a história nacional, nos seus grandes momentos: batalhas, conquistas, Camões, guerra colonial - o tempo presente da acção principal do filme. E a figura enigmática e obsessiva de D. Sebastião a ter mais um grande enfoque.

Ensaio Sobre a Cegueira***** - fui ao cinema, finalmente. E para ver a adaptação de um grand eromance. Adorei, como já tinha gostado da adaptação em teatro pelo Bando (em 2004, se não erro). De Fernando Meirelles, com Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Branco, Danny Glover, Don McKeller, Gael García Bernal. Apesar das diferenças de linguagens, o filme é bastante fiel, não faltando os belíssimos momentos da igreja e suas imagens vendadas, o cão que lambe as lágrimas, ou o final, arrebatador. E mesmo as cenas mais violentas, como as orgias/violações e o assassinato com a tesoura foram filmadas com muito bom gosto. Muito interessante a banda sonora, a fotografia, as relações com a pintura, o branco e o preto...

TV:

Lipstick Jungle*** - só porque sim, porque não vi nada neste mês excepto isto, nas sextas à noite, única altura em que posso aparvalhar em frente à televisão. Três mulheres fantásticas de que vivem numa grande cidade e têm vidas aparentemente perfeitas mas com problemas próprios (onde é que eu já vi uma coisa do género?), como toda a gente. Mas é engraçado, dá para passar bem o tempo e até faz rir às vezes. Gosto especialmente da fulana da moda...

O meu primo e o Fernando Alvim

Desculpa lá, primaço, mas tem de ser. «O Fernando Alvim é um DJ porreiro! Mete som fixe! Mete som fixe!» Mas que espécie de português é este. Ah, contexto: uma festa de recepção ao caloiro. Copos, portanto. Já percebi.

Agora a sério. O Alvim é um espectáculo. Além de um senhor de comunicação e humor, escrita e outras coisas («o homem dos sete ofícios»). O que me espanta, ou não, são as respostas de alguns estudantes: não sabem quem é o Alvim? Por favor!!! Não sabem quem não é o Fernando Alvim é pior do que não saber quem foi Salazar! Ao menos o Alvim é do nosso tempo, podemos ouvi-lo na Antena 3 todos os dias! Preocupado, muito preocupado...

Fica aí o vídeo - demora, é lento, mas vale a pena pelas respostas do homem e as tentativas dos estudantes...

http://www.canalup.tv/videoplayer.php?id_video=1445


já agora, o senhor dirige uma revista muito interessante: «365». Vale a pena ver o sítio.

segunda-feira, novembro 24, 2008

Antes de Começar, Almada Negreiros


«O Boneco: Deixa estar calado o meu coração!...
A Boneca: Dá-me a tua mão!... que eu saiba da tua mão... Que as tuas mãos não sejam as minhas!... que sejam outras mãos como as minhas... As minhas mãos não me bastam... faltam-me outras mãos como as minhas!
O Boneco: É assim que bate o coração...
A Boneca: Dá-me a tua mão!... que os nosso corações sejam a repetição um do outro como é justo!... que as tuas mãos me tragam destas, me tragam paz... paz que se ganha!... (Pausa.) Dá-me as tuas palavras!... essas que tu guardas... essas palavras que não morrem, nem se matam!... essas que lembram o mar... o mar que nunca pára... o mar que não se cansa... o mar que insiste... o mar que não se gasta.
O Boneco: Cala-te coração! Deixa ouvir o mar...
A Boneca: Tu também viste o mar?
O Boneco: O mar foi feito por nossa causa!...
A Boneca: Ah!... É assim, juro-te, exactamente assim o mar... Oh! como tu o viste bem! Dá-me a tua mão p'ra ser tão grande o silêncio... (Pausa.) O mar!... não acaba nunca o mar!...
O Boneco: O mar começa sempre...
A Boneca: É como o coração dentro de mim!... E nunca sai do peito o coração!
O Boneco: Pode mudar-se o coração?...»

quinta-feira, novembro 20, 2008

Lisboa

Vai-se a Lisboa por causa do Mestrado. Falta-se às aulas, dorme-se mal. Almoça-se com a Natacha, vê-se o Muamba, resolvem-se os problemas. E Lisboa está só, mas bonita. Ou eu, nela. Depois ilumina-se mais o dia com a feira do livro do Mercado da Ribeira (16 livros), com direito a artesanato e música, e a feira na Cidade Universitária (20 livros), ainda a ser montada e tal. Carregado que nem um burro apanha-se o comboio de regresso. Lisboa não é mais o meu destino semanal. Episódico, sabe melhor, mesmo que só em Português...

Dos Deolinda, vale a pena: Lisboa não é a cidade perfeita.

Além disso, conheci no meu colégio o escritor João Aguiar. Foi simpático, divertido - talvez em exagero. Vendeu bem o seu peixe - expressão que usou várias vezes. E lá lhe dei a honra de autografar um livro para mim ;).

terça-feira, novembro 18, 2008

Mais fragmentos

Tinha ficado no conto II.35. Volto à obra para mostrar mais excertos de contos.. já falta tão pouco que o novo volume já se avizinha - sim, vou continuar o projecto: mais 52 contos no ano de 2009, um por semana (em princípio com o nome Já deste corda ao pardal?)... acho que vou manter projectos do género até se me esgotarem motivos, temas, formulações... Ficam então aqui mais momentos escolhidos desde o conto 36 até ao actual, o 46.

II. 36. Post das mais belas palavras
Acabei de fazer de fazer um post sobre as palavras mais belas no meu blogue. Não há palavras que nos contem, nem as inventadas entre nós, nas nossas diferentes línguas. E além disso, não são mais do que palavras sem realidade agora, existentes apenas na memória e na expectativa do que poderia ter sido o futuro. Vi-as numa dessas revistas alemãs que me deixaste.

II. 37. As palavras no vento
Fila por fila, os homens com o medo no olhar e nas mãos trementes vão ganhando a coragem necessária para ver mais longe e firmemente empunham as armas: espadas, machados, arcos e flechas. Fecham o coração à vida e centram-se nas palavras que lhes invade o ser pela membrana, pelo martelo, bigorna e estribo e espaços seguintes a estes ossos. Incrível como meras palavras agem de repente e fazem as coisas acontecer – se calhar mais do que os próprios motivos. Mas, normalmente, estas palavras não são mais do que motivos emocionados pela beleza do discurso; tudo estudado ao pormenor ou fruto do momento, dependendo dos casos e necessidades. E uma vez soltas elas penetram os capacetes e entram, fila por fila, homem por homem. Como estes homens, muitos homens que se organizaram como souberam, um pouco abaixo do castelo que pretendem tomar.

II. 39. Monte Clérigo
Ele costumava dizer que não tínhamos ido quatro, mas seis: além de nós, tinham ido também o Cândido e a Paula. Eu andava a ler o Cândido, de Voltaire, ele a Paula, de Isabel Allende. Às vezes líamos um para o outro, para suportar a dor da existência em comum, vinte e quatro horas durante cinco dias. Claro que gostávamos todos uns dos outros, e ainda gostamos. Ou quase todos… Mas enfim, era de mais. A presença era tanta que saímos todos a sair dali com a expressão «tipo»: Tipo, chegas-me o sal?, Já saias do banho, tipo…, Isso é tipo uma coisa tipo… Tipo, tipo, tipo… e aquilo colou-se de tal maneira, com tanto sentido, que mesmo não o querendo dizer, por ser um bordão de linguagem, ainda por cima feio, era impossível não o usar! Tipo – pronto, lembrei-me, já voltou…. Reformulo: então, esses livros iam connosco para a praia.

II. 41 O abismo
A Filipa de papel continuara a ler, e na leitura surgiam as leituras que cada Filipa fazia, e as interpretações exponenciavam-se, e leu durante muito tempo, um livro sobre uma Filipa que estava a ler um livro de contos, onde uma Filipa estava a ler um livro de contos sobre uma Filipa que lia um livro, também ele sobre uma Filipa e um livro… Era um sem fim de Filipas e de contos, espalhados por aí, sem definição, a ler contos. A ler. E com gatos aos pés, a aquecer a cama e a alma. Completamente confundidas, todas as Filipas se estavam a perder na imensidade dos livros e do mundo. Mas então, sem qualquer aviso, as letras acabaram, precipitando-se todas no
A
B
I
S
M
O
O gato ainda esboçou um salvamento.

II. 43 Exp
Mário entrou no autocarro a pensar nos acidentes recentes que haviam vitimado muitos passageiros. Tinham sido cinco os acidentes na última semana, em parte motivados pelo tempo instável, em parte por abusos dos condutores. Mário escolheu uma das melhores companhias do país, uma das poucas de que nunca se ouvira um acidente. Quando encontrou o seu lugar, sentou-se e pensou se teria feito bem: por qualquer ordem cósmica, compensação e justiça, aquela companhia teria de ter também um acidente e podia ser naquele momento, naquela viagem, naquele autocarro, naquele momento em que o autocarro já ia circulando pela cidade para entrar na auto-estrada. Aqueles pensamentos agonizavam-no, mais ainda do que o próprio enjoo que costumava sentir sempre que andava de autocarro. Mas tinha de ser.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Selecção sofrida e demorada, mas breve, da poesia reunida de Jorge Sousa Braga


*
Alguns enxames de abelhas invadiram o Museu do Louvre e exploraram cuidadosamente todas as naturezas mortas com flores, não tendo deixado um único grão de pólen.

**
Era quase tão bela como a Vénus de Milo. Um dia cortou os braços a sangue frio.

***
Na tarde em que ia morrer estava Sócrates com os seus discípulos quando um pássaro com um ramo de ervas no bico irrompeu na cela. Depois de ter bebido a cicuta, Sócrates continuou discorrendo durante algum tempo ainda, sobre a imponderabilidade do pensamento. Morreu com um sorriso na boca. Os discípulos repartiram entre si os objectos de uso pessoal. O pássaro que até aí se mantivera na penumbra apoderou-se do sorriso e desapareceu no céu de Atenas.

****
Cabril

Esta noite sonhei que era um rio. Um rio pequenino, é certo, que nada mais conhecia além das montanhas onde nascia, dos amieiros e dos juncos que nele se debruçavam. Como todos os rios, o que eu mais ardentemente desejava era desaguar. Comecei a perguntar onde ficava o mar, mas ninguém me sabia responder. Apontavam-me com um gesto vago ora o este ora o oeste. Escolhera já a forma de desaguar – em delta, claro – mas não recolhera ainda o menor indício da proximidade do mar. Uma noite em que estava acampado ente as dunas cheguei finalmente a uma conclusão (a mesma a que todos os rios chegaram talvez antes de mim): o mar não existia.

(E essa conclusão era salgada.)

*****
A borboleta que poisou
no teu mamilo perdeu
a vontade de voar

******
Vou ao céu
E venho-
-me

*******
Qual é a minha
ou a tua
língua?

********
O Velho Poeta

O seu desejo era que plantassem
um espinheiro numa nesga de

terra frente ao mar e ao rio
e que ele florisse nem

que fosse uma única vez
Este espinheiro protegê-lo-ia

mais do frio que um edredão
A nesga de terra continua lá

e o mar e o rio e a manhã
Só o espinheiro e o poeta

é que não

*********
A Religião da Cor

A paleta está cheia de cores: azul-celeste, laranja, rosa, cinábrio, amarelo vivo, violeta, borra de vinho.

Falta-me uma cor ainda. Para pintar a inexistência de Deus.

**********
Van Gogh por ele próprio

Vivo numa cela. O universo é uma cela com três metros de comprimento por dois de largura. Fecharam-se nesta cela e disseram-me: Bem, Vincent, agora podes correr à vontade.


Jorge Sousa Braga, O Poeta Nu, Assírio & Alvim, p.30, 36, 37, 99, 178, 179, 184, 277, 296, 299.

quinta-feira, novembro 13, 2008

um poema de Tamara Kamenszain

Gentios

Deus escreve a diferença
no espelho da desordem genética
se me olho desconto meu duplo
se te vejo acrescento tua metade.
Diferença idêntica
faz rir de tanto nos parecermos
área à semita judia o ário
loucos soltos fechados juntos
protegidos sob a intempérie sem fio
como animais ante seu próprio enterro
pelos restos do campo.
Nesse lugar descampado
nesse perímetro que nos concentrava
eu sou aquela que morreu por ti
e por tua gentileza ainda sou
a que te deixou
---------------morrer.
Deus nos arquivará distintos
sem seu livro dos parentescos
no velho eu você no novo
dois testamentos na fossa comum
e depois
--------que nos identifiquem.

sábado, novembro 08, 2008

3 poemas de Antonio Gamoneda


Uma paixão fria endurece as minhas lágrimas.

Pesam as pedras nos meus olhos: alguém

me destroi ou me ama.

***

Pousei as minhas mãos num rosto e retirei-as feridas pelo amor.

Agora,

o esquecimento acaricia as minhas mãos.

***

Atrás da obscuridade estão os rostos que me abandonaram.

Eu vi a sua pele trabalhada por relâmpagos. Agora

já só vejo, no instante amarelo,

o esplendor das suas longínquas pálpebras.


Antonio Gamoneda, Ardem As Perdas, Quasi, p.19, 23, 49

quarta-feira, novembro 05, 2008

Mens et corpore

ora pois que a beleza e a inteligência podem conviver numa só imagem. não, não estou a falar de mim, embora pudesse, mas isso era demasiado óbvio e ficava mal estar a elogiar-me e pôr fotos minhas no blogue por dá cá aquela palha (cof cof), estou só a falar desta imagem que me enviaram por email e que fica aí (afastar-se do ecrã e voltar ao mesmo sítio até ver as duas faces...):

sexta-feira, outubro 31, 2008

Sugestões de Outubro

Terminada A Bíblia, de volta à poesia (após um mês de ausência), com surpresas pelo meio. E o regresso ao fado. Um mês com muitas aventuras, mas com balanço positivo. Segue-se mais. Ficam aí as sugestões para os vossos meses:

Livros:

1 – A Bíblia (Epístola de S. Tiago, Epístolas de S. Pedro, Epístolas de S. João, Epístola de São Judas, Apocalipse), Paulus****

argumentos: já é recomendável só por serem os últimos livros, mas além disso recomenda-se porque dão mais (do mesmo ou não) sobre a formação da Igreja, de modo pessoal, individual, com linguagens próprias. Destaque maior para Apocalipse, atribuído a São João e um dos textos mais conhecidos, citados, parodiados do conjunto completo. Mais: «aquele que duvida é como a onda do mar que o vento leva de um lado para o outro.» (Tg 1, 6) e «No amor não existe medo; pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo. por conseguinte, quem sente medo ainda não está realizado no amor.» (I JO 4, 18).


2 – O Ingénuo, Voltaire, Quasi/DN****

argumentos: não é de agora a minha paixão pelos contos/novelas de Voltaire. Zadig e Cândido já fizeram as minhas delícias no passado. Desta vez, embora com um final trágico, a história tem alguns dos mesmos ingredientes: humor, crítica (política, social, religiosa) e uma série de situações bizarras que se encadeiam logicamente com uma coerência notável (falo de acasos, coincidências, mal-entendidos, ingenuidades...). Gostei muito e recomendo, juntamente com os outros títulos. Mais: «discutiu mas acabou por reconhecer o seu erro (caso bastante raro na Europa entre as pessoas que discutem)» p.19, «Leu histórias, entristeceram-no. O mundo pareceu-lhe preverso e miserável. Realmente, que é a história senão um quadro de crimes e infortúnios?» p.48, «Para alguma coisa serve a infelicidade.» p.93.


3 – O Jardim Sem Limites, Lídia Jorge, Planeta de Agostini****

argumentos: fiz as pazes com Lidia Jorge ao ler este livro. Uma casa devoluta em Lisboa (a Lisboa que já conheço melhor e que se me afigura agora evocativamente) onde co-habitam várias personagens, cada uma com as suas frustrações e desejos, observadas e contadas por uma voz que nunca ganha realmente corpo ou identidade e por uma máquina Remington. Gostei especialmente do Static Man (que acaba por ocupar grande parte da história) e da dona da casa e suas deambulações. Mais: «Tens a certeza de que estás a escrever sobre factos que podiam ter acontecido? Se não podiam, então rasga, é porque não presta...» p.16, «Deve-se pedir às pessoas que ainda se lembram, precisamente, que não se lembrem mais, para não nos atrapalharem a vida.» p.56 e «É uma coincidência. Isto é, não existe Deus, mas para nos confundir existe a coincidência.» p.387.


4 – O Ano de 1993, José Saramago, Caminho****

argumentos: mais uma obra do escritor que mais me ocupou este ano. Desta vez um livro que está classificado como poesia, em prosa, é certo, nuam espécie de versículos. Uma história corre estes versículos, a da destruição do mundo tal como o vemos. Algo apocalíptico com passagens avassaladoras: o interrogatório, a violação, o fogo, a árvore, a fertilidade e a menstruação... Recomendo vivamente. Mais: «Caso em que teriam muito mais razão do que a toupeira que é cega ou quase e o homem não ainda que nesse sentido tenha feito alguns progressos» p.42, «Uma labareda que vinha no braço levantado e que era a própria mão ardendo da luz do sol roubada» p.72 e «E porque os antigos deuses haviam morrido por inúteis os homens descobriram outros que sempre tinham existido encobertos pela sua não necessidade.» p.87.


5 – Obra Quase Incompleta, Alberto Pimenta, Fenda****

argumentos: nesta recolha da obra (até 1990) há de tudo: os poemas (das mais diversas direcções que o poeta seguiu), os textos de reflexão sobre a poesia e a sua poesia, as fotos dos momentos em que fez sessões de poesia ao vivo. Irónico, provocador, humorístico, insólito, perturbador... Podem ver/ler aqui alguns poemas escolhidos. Mais: «se o poema é tudo, como dizer seja o que for sobre ele? e se por outro lado é fragmento (coisa nunca verdadeiramente começada nem verdadeiramente acabada) como dizer também seja o que for sobre ele?»p.255.


6 – O Sonho dum Homem Ridículo, Dostoievski, Quasi/DN***

argumentos: dois contos aqui publicados, diferentes, mas ambos interessantes. Embora predomine o onírico utópico, há um forte realismo com incidência nos males da natureza e da vida humana que vale a pena ler antes dos grandes romances do senhor. Mais: «Naquele momento era para mim absolutamente evidente que a vida e o mundo dependiam quase unicamente de mim. posso dizer ainda mais: que o mundo, agora, parecia quase criado para mim apenas... pois, quando tivesse dado o tiro, o mundo deixaria de existir, pelo menos para mim.»p.21.


7 – O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Mr. Hyde, R. L. Stevenson, Quasi/DN*****

argumentos: gostei muito desta história que já conhecia de alguns sítios, talvez filmes, talvez animações, talvez de resumos, com certeza da cultura geral. Um interessante jogo/estudo (o que quiserem) sobre a dualidade do ser humano e da coexistência do bem e do mal em cada um de nós. Com uma nota de suspense e mistério, o livro só peca por ser tão pequeno... ou talvez não. Mais: «Tenho alguma simpatia pela heresia de Caim (...). Deixo o meu irmão ir para o inferno da forma que melhor lhe aprouver.» p.7 e«O homem será, um dia, conhecido como uma mera comunidade de habitantes multifacetados, incongruentes e independentes.»p.80.

8 – História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar, Luís Sepúlveda, Asa*****

argumentos: ora mais um livro daqueles de que toda a gente fala e diz quão fantástico é e coisa e tal, que me deixou sempre de pé atrás. Mas é um gato, e convenhamos, uma gaivota, e ambos fazem parte da minha vida (a gaivota de uma fase que já ficou lá a atrás). E adorei o livro! Gato Zorbas, podes vir cá para casa que eu deixo. Tudo muito simples, muito eficaz, muito bonito. ai a inveja a certos textos... E entra-se nele já com a ideia: como é que um gato vai ensinar uma gaivota a voar? Mas afinal é bem mais do que isso! Mais: «gostava especialmente de observar as bandeiras de barcos, pois sabia que cada uma delas representava uma forma de falar, de dar nome às mesmas coisas com palavras diferentes.» p.12 e «Ouvi-o ler o que escreve. São palavras belas que alegram ou entristecem, mas que produzem sempre prazer e suscitam o desejo de continuar a ouvir.»p.107.

9 – Quatro Contos Dispersos, Sophia de Mello Breyner Andresen, Figueirinhas****

argumentos: quatro contos publicados em revista e um numa edição da EXPO'98, agora reunidos num único volume. «Era uma vez uma praia atlêntica» tem a força das narrativas marítimas de Sophia e uma preocupação com a justiça, com uma belíssima descrição de um homem que se aproxima à de«Homero» dos Contos Exemplares. Outros dois, publicados na Colóquio Letras, intitulam-se «Leitura no Comboio» e «O Cego». Mas queria destacar sobretudo o outro conto, projecto de um maior que não teve término, com o título «O Carrasco». Gosto imenso de toda a descrição dos efeitos físicos e psicológicos do carrascos sobre as pessoas e as coisas com quem contacta, muito bom! E vale a pena ler Sophia, sempre! Mais: «Mesmo envelhecido era um homem belo, alto, de ombroa largos e costas direitas. Tinha os olhos de um cinzento nebuloso como o mar de Inverno mas, às vezes, um sorriso os azulava e então pareciam muito claros na pele quimada. A sua estatura, o seu porte de mastro, as suas veias grossas como cabos e os anéis da barba e do cabelo, a aura marítima que o rodeava, davam-lhe um certo ar de monumento manuelino mas, simultaneamente, tinha a beleza tosca e tocante de um barco de pescadores, cosntruído com as mãos, pintado com as mãos e deslavado por muito mar e muitos sóis.»p.40.

10 – Leitão Ciclista em busca do paraíso, Arsénio Mota, Pé de Página***

argumentos: a pedido da direcção do colégio, para ver se convidávamos o escritor a vir à escola. O meu parecer foi positivo, porque o livro é muito bem feito, engraçado, e coloca o problema da relação da pessoa com a sua terra natal: um leitão que gosta de andar de bicicleta decide ir em busca da terra da mãe, um pequeno paraíso terrestre, mas descobre uma realidade bem diferente... Mais: «queiramos ou não, ficamos a pertencer pelo nascimento à nossa pátria, à nossa língua e cultura. E mais, ficamos a pertencer ao nosso tempo, pois outro não temos!» p.36.

Música:

Mariza - Terra*****

argumentos: ora finalmente cá tenho o novo cd de Mariza. Estranhei ao início: demasiados ritmos alternativos incorporados por aqui: mornas de Cabo Verde, o jazz, o flamengo, eu sei lá mais o quê. Mas a voz dela une tudo com uma harmonia que enlaça e não permite escapar. Gosto, em especial, de «Minh'alma» e «Se eu mandasse nas palavras», mas também de «Já me deixou», «Rosa Branca», «Tasco da Mouraria», «Alfama», «Alma de Vento» entre outras. A grande senhora está de volta, e bem!


Cinema:

Uma estranha passagem por Veneza***, de Paul Schnader, com Rupert Everett, Natasha Richardson, Helen Mirren e Christopher Walken (1990 - muito estranho, mas interessante, com belas paisagens de Veneza. Com argumento de Ian McEwan e Harold Painter).
O Amante de Lady Chatterley***, de Pascale Ferran, com Marina Hands, Jean-Louis Coullo'ch, Hippolyte Girardot (2006, uma de várias versões do romance de D. W. Lawrence - um pouco estranho, sobretudo o final e a primeira cena de sexo...).

Poemas de Alberto Pimenta

Uma série de poemas de Obra Quase Incompleta, seleccionados porque sim, e aqui em formato de imagem, para ser mais fácil representá-los visualmente, como foram criados, e outros em letras, onde o visual não é tão importante:




**
porco trágico I

conheço um poeta
que diz que não sabe se a fome dos outros
é fome de comer
ou se é só fome de sobremesa alheia.

a mim o que me espanta
não é a sua ignorância:
pois estou habituado a que os poetas saibam muitode si
e pouco ou nada dos outros.

o que me espanta
é a distinção que ele faz:
como se a fome da sobremesa alheia
não fosse
fome de comer
também.

***
Civilidade
não tussa madame
reprima a tosse

não espirre madame
reprima o espirro

não soluce madame
reprima o soluço

não cante madame
reprima o canto

não arrote madame
reprima o arroto

não cague madame
reprima a merda

e quando estourar
que seja devagarinho
e sem incomodar, ok madame?

ok, monsieur.


Alberto Pimenta, Obra Quase Incompleta, Fenda, 1990, p. 69, 44, 113, 175, 232

quinta-feira, outubro 23, 2008

O meu outro eu (o armado em intelectual ou assim)

Convido-vos para me ouvirem falar de personagens santas e prostitutas, ao mesmo tempo ou quase. Para quem estiver interessado, é já ali, São Paulo - Brasil, na USP, no dia 31 deste mês. Apareçam ;) Espero por vocês. Se não tiverem possibilidades, podem vir ter comigo a Braga, que eu também cá estarei, a dar aulinhas e teste ao 10.º ano. Depois digam que não avisei.

Obrigado Carol por tornares isto possível!

Fica aqui um pedacinho - o início, pois claro:
«Quando se lê, incorporamos textos ou lembranças logicamente anteriores, surgindo pontes que podem ser de relações intertextuais, semelhanças temáticas, formais, de estilo ou outras. É de experiências de leitura de três textos, que se atraíram neste artigo, de que falarei, tendo como ponto de contacto a dicotomia santa/prostituta. Os santos estão em todo o lado: na piedade popular, na devoção, no culto litúrgico, nos nomes de pessoas e lugares, nas tradições, no folclore, nas lendas, nos provérbios, na Arte e, obviamente, na Literatura. Também as prostitutas vivem nas páginas de vários livros e em outras formas de expressão artística. Ou santas ou prostitutas. Mas santas e prostitutas, ao mesmo tempo, ambas as condições na mesma pessoa, já não é tão frequente, mas existem.
Proponho-me analisar três personagens fictícias que possuem características de beatitude e de prostituição em diferentes graus. São santas do corpo: prostitutas e santas, pelo menos numa primeira leitura. São elas: D. Maria da Piedade, personagem principal do conto «No Moinho» de Eça de Queiroz; Santa Eponina, a personagem capital de um conto homónimo de Raul Brandão, incluído em A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore; e Santa Melânia, a protagonista de A Pécora, de Natália Correia.»

terça-feira, outubro 21, 2008

«Mala Entendida»

Este fim-de-semana, Helena Laranja mais alguns amigos fizeram um filme para concorrer num festival de curtas metragens. Ganharam o Prémio do Público e mais uma menção honrosa pela coerência narrativa. O argumento foi baseado numa história de Helena Laranja e depois trabalhado em conjunto. Podem ser aqui o resultado, que é bom e me surpreendeu (a além disso, passa-se aqui em Braga). Resta dizer que Helena Laranja é irmã da minha madrinha e grande amiga Milai.

http://www.youtube.com/watch?v=N10L5hOR9r8

terça-feira, outubro 14, 2008

Em branco

é
como
sinto

a
minha
vida
.


dentro
.

até
ao
dia
...

segunda-feira, setembro 29, 2008

Sugestões de Setembro


Toda a gente me dizia: começas a dar aulas e acabam as tuas leituras fabulosas. Em parte é verdade: não li tanto, nem coisas tão grandes neste mês de início de carreira docente; mas li, o que não é mau, sem ser coisas para o Colégio. Aqui ficam, acompanhadas por outras sugestões:


Livros:

1 – A Bíblia (Cartas de São Paulo: Romanos, Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, Tessalonicenses, Timóteo, Tito, Filémon, Hebreus), Paulus***

argumentos: um conjunto de cartas potencialmente escritas todas por São Paulo onde estão muitos dos alicerces da Igreja: a resolução de casos práticos, do dia-a-dia, face à boa nova trazida por Cristo. Destaque para a misoginia. Vale a pena conhecer: «Somos amaldiçoados, e abençoamos; perseguidos, e suportamos; caluniados, e consolamos. Até hoje somos considerados como o lixo do mundo, o esterco do universo.» (1Cor 4, 12-13) ou «Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim.» (Gl 2, 20).


2 – O Cais das Merendas, Lídia Jorge, JL/Visão/D. Quixote**

argumentos: depois de livros tão bons como A Costa dos Murmúrios e O Belo Adormecido, e outros menos bons, mas ainda assim recomendáveis, como O Dia dos Prodígios e A Instrumentalina e Outros Contos, este livro surpreendeu-me pela negativa. Cansei-me de mais com as conversas e acções de um grupo de gentes que faz as suas merendas, depois serões, depois parties, depois outros nomes. Vê-se uma nítida crítica ao crescimento desmesurado do turismo algarvio, mas enquanto obra estética, e apesar das experiências e algumas ousadias, o livro não me convenceu. Mas com alguns momentos interessantes, como: «Para falar de Rosário deveríamos inventar um nome que se chamasse orassàp, se fosse possível, porque ela quis voar ao contrário dos passarinhos quando estão assustados pelo bater das palmas.» (p.71); ou «Na praia a claridade era tão intensa e tudo tão despido que qualquer santo quereria ser violado mesmo depois da colonização.»(p.127); e a terminar, uma frase que achei muito bonita: «um ar de estátua pousada no dorso da melancolia»p.24.


3 – O Circo da Onça Malhada – Iniciação à Obra de Ariano Suassuna, Carlos Newton Júnior, ArteLivro***

argumentos: um livro que a Aldinida, apaixonada por Ariano Suassuna, me emprestou para ler, para ver se eu me apressava a ler a sua obra. Este livro em específico fala da vida e obra, por vezes interligadas. E fiquei com vontade de ler Cantam as Harpas de Sião – agora com o título de O Desertor da Princesa - , o Auto da Compadecida e O Romance d’A Pedra do Reino (e companhia). Um dia será!


4 – O Retrato do Sr. W. H., Oscar Wilde, Quasi***

argumentos: um daqueles livrinhos que o DN ofereceu este verão. Pequeno, portanto, mas denso e interessante. Nele, ensaia-se a possibilidade de a dedicatória dos Sonetos de Shakespeare ser feita a um jovem e belíssimo actor. Vale a pena conhecer: «A arte, mesmo a de maior alcance e mais ampla visão, nunca nos mostra o mundo exterior. Tudo o que nos mostra é a nossa própria alma, o único mundo que realmente conhecemos. E a alma em si, a alma de cada um, é para nós próprios um mistério. Esconde-se na obscuridade, a meditar, e a consciência não é capaz de nos revelar os seus planos. A consciência, na verdade, é bastante desadequada para explicar o conteúdo da personalidade. É a arte, e apenas a arte, que nos revela a nós próprios.»(p.82).


5 – Cartas a Um Jovem Poeta, Rainer Maria Rilke, Quasi****

argumentos: um livro já clássico na literatura mundial, também ele grátis com o DN. As cartas que Rilke escreveu a um aspirante a poeta e que nos mostram a sua concepção de poesia, de escritor, de homem. Lê-se rápido e com interesse. Mais: «pois no fundo, e sobretudo nas coisas mais profundas e importantes, estamos indizivelmente sós.»(p.19); «não se deve ter medo quando diante de si se levanta uma tristeza tão grande como nunca viu»(p.75) e «Ser artista é não calcular e não contar, é amadurecer como a árvore, que não comanda a seiva e que enfrenta tranquila as tempestades da Primavera sem recear que o Verão chegue. O Verão chegará.»(p.28).


6 – Astérix e Cleópatra, R. Goscinny e A. Uderzo, Meribérica/Liber****

argumentos: ao dar a BD ao oitavo ano, lembrei-me que não tinha álbuns nenhuns e lá comprei este. Porque gosto de Astérix e Obélix, porque são educativos, e este em especial porque vi o filme e adorei. E a BD é também muito boa: a construção do palácio em três meses, para Cleópatra provar a César que o Egipto ainda era grande, cheia de aventuras e muito humor. Destaque para o nariz de Cleópatra que é «muito, muito belo».


7 - Histórias de coisa nenhuma – e outras pequenas insignificâncias, Augusto Baptista, Campo das Letras****

argumentos: um livro como aqueles que eu mais gosto: histórias brevíssimas, coisas entre o conto, poesia e até anedota. Com muito bom gosto, com reflexões sobre a língua. Exemplos breves: «Depois de anos de namoro, receoso, foi pedir a mão da namorada. O futuro sogro ouviu. Hesitou. Por fim, acedeu. Mas doeu-lhe, doeu-lhe muito ver a fila maneta.»(p.14); «A morte é um facto horizontal.»(p.75) e «Extraordinário como depois de já tanta gente ter morrido ainda persistam dúvidas sobre a morte.»(p.76).


TV:

Jane Eyre (Dois)****

argumentos: uma grande série de época, baseada no livro de Charlotte Brontë. A passar na Dois:, em dois episódios às segundas. Gostei muito da primeira parte, dá hoje a segunda. E o melhor: dá vontade de ir ler a seguir o livro! Sitio sobre a série aqui. Com Ruth Wilson, Toby Stephens e Francesca Annis, entre outros.


Música:

OneRepublic, Dreaming Out Loud*****

argumentos: um álbum suave, para ouvir com calma, embora também tenha os seus ritmos. Além da mundialmente conhecidíssima «Apologize» (duas versões, eu prefiro a versão sem Timbeland, mais natural e violinista), e do outro sucesso, que é das minhas favoritas, «Stop and Stare», destaque merecido ainda para «Mercy», «Say», «All fall down», «Prodigal», «Wont Stop», «All we are», «Home» entre outras, todas muito boas. Destaque ainda para «Mercy» - na versão do álbum que por aí corre (edição tour) com quatro músicas ao vivo, assim meio acústicas e muito interessantes - mas atenção, a «Mercy» da Duffy que, aqui, está muito melhor! Grandes arranjos, boas letras, boas canções, grande voz e interpretações de Ryan Tedder. Assim estão entre Keane, Snow Patrol, Coldplay ou The Fray - alguns dos meus grupos masculinos favoritos...

Cinema:

O Efeito Borboleta 2***, de John R. Leonetti – gostei bastante do primeiro, gostei do segundo. Com Eric Levely a fazer através de imagens o que fazia Ashton Kutcher no primeiro filme com os seus diários: voltar atrás num determinado ponto da vida e mudá-la, totalmente – até aos pormenores mais incríveis.
Super Heróis*, de Craig Mazin – apesar de gostar deste tipo de filmes parvos, só para rir, neste não encontrei nada digno de registo…
Antes Que o Diabo Saiba que Você Está Morto*, de Sidney Lumet – ia tendo um enfarte de tanta pasmaceira… Apesar de um elenco bom (Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Albert Finney e Marisa Tomei), é demasiado mau…


Outros acontecimentos: um mês com muitos falecimentos (ver posts anteriores + a morte de Paul Newman. Homenagem aqui).

quinta-feira, setembro 25, 2008

Vera Vouga

Diz-me a Natacha num comentário ao post anterior que morreu uma das professoras na nossa faculdade de letras do porto, depois do Américo Santos (com minúsculas propositadamente). Investigo mais. É verdade, claro, mas para ver se há muito eco do assunto: há algum, mas eu não sabia.

Vera Vouga não foi minha professora, mas foi de colegas e amigos que falavam dela, de vez em quando. E de como ela trabalhava os textos, a poesia. E era impossível não reparar nela nos corredores. Lembro-me sobretudo de uma noite de poesia, organizada pela AEFLUP, na qual leu alguns poemas de Daniel Faria. E gostei.

Escreveu sobretudo sobre poesia: António Nobre, Rui Costa, Boémia Nova e Os Insubmissos, Eugénio de Castro, do qual publicou obras na colecção Obras Clássicas da Literatura Portuguesa. Escreveu sobre, organizou o volume da poesia completa e ajudou a divulgar a obra de Daniel Faria, de quem foi professora. Mais informações sobre a sua carreira aqui.


Sobre ela, escreveu Jorge Reis-Sá um breve, mas notável, post.

Deixo eu também, como nos comentários que vi por aí, um poema de Daniel Faria. Já o coloquei aqui uma vez, fica novamente:

Explicação da Ausência

Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer – fosse abertura –
E a saudade é tudo ser igual.

quarta-feira, setembro 24, 2008

Dias de Melo, 1925/2008

José Dias de Melo: açoriano, professor primário, colaborador assíduo da imprensa regional e nacional e um profundo conhecedor da temática baleeira e da emigração. Além de tudo isto, escritor, iniciado nos anos 50 do século passado, com um livro de poesia intitulado Toadas do Mar e da Terra, a que se seguiram outros, com destaque para o seu maior sucesso Pedras Negras, que foi publicado, pela primeira vez, em 1964.

"O escritor açoriano Cristóvão de Aguiar afirmou à Lusa que Dias de Melo «ficará para a posteridade como um símbolo do homem do mar». «É um escritor baleeiro que deu um retrato real da vida do baleeiro. Aliás, ele próprio tinha essa experiência, chegou a ser baleeiro», lembrou.
«Dias de Melo marca, sem dúvida, a literatura portuguesa de significação açoriana», observou Cristóvão de Aguiar, que destacou na obra do escritor agora falecido a trilogia Pedras Negras, Mar Rubro e Mar P'la Proa e o livro de contos Milhas contadas." (a partir daqui, mais informações aqui).

Dele tenho, em lista de espera, o livro Tempos Últimos, da editora Salamandra.

quarta-feira, setembro 17, 2008

Gatinho à descoberta

(fotos de um dos filhos da Kika, gata da Consti, nos livros dela)

«Ah, como é triste morrer quando há tantos livros que ainda li!»

M. Menendez y Pelayo


«O livro: amigo dos seus amigos, confidente e confessor, companheiro das insónias, recreio na solidão.»

S. J. Alvarez


«Tudo no mundo é feito para acabar por converter-se num livro.»

Stéphane Mallarmé


«O universo é um imenso livro»

Mohydin Ibn-Arabi

domingo, setembro 07, 2008

Fragmentos de contos do Vazio Repetido

Já há muito tempo que ponho aqui nenhum conto. Ou porque são muito grandes para um blogue ou porque não são assim tão grande coisa... Mas tenho cumprido religiosamente o meu compromisso de escrever um conto por semana (bom, às vezes atraso-me outras adianto-me, como agora, que tenho dois a mais;) o que é muito bom). Mas agora deu-me para pôr aqui uns fragmentos de alguns, só porque sim.


II. 21. A consistência dos sonhos
:
«Pegou na carteirinha amarela que dizia: «Um dia paro de esperar. Hoje é o dia». Despediu-se até ao dia seguinte e desceu a escadaria ladeada de estátuas. Não tomou o café. Correu para o autocarro que ali vinha e que esperou um pouco por ele. Tinha decidido, entretanto, que não esperava mais. Os sonhos não se compadecem de quem só espera. Há quem alcance, há quem desespere, há quem procure. E entrou, agradecendo ao condutor, enquanto a chuva recrudescia e o palácio ia ficando para trás.»


II. 24. O dia que não amanheceu:
«Tentei pegar no telemóvel para telefonar à Maria, para ver se ela me acordava com o telemóvel, mas não consegui, porque entretanto estava a ligar de olhos fechados e foi para outro número. Não sei se desliguei, se cheguei mesmo a marcar… Tentei berrar, porque ganhei a consciência de que mais alguém estava em casa. Era a Sandra, que estava a dormir no outro quarto. Ao berrar, acordei, e ouvi a Sandra dizer, Rápido, saiam todos que ele está a acordar. Olhei para o corredor e vi umas vinte pessoas saírem pela janela do quarto, para que eu não desse conta.»


II. 26. Teias de aranha:
«Entretanto, o senhor Eugénio foi-me chamando muitas vezes, não para o ver sobre questões de saúde, mas para me mostrar outras invenções em que se entretinha. Em poucos anos mostrou-me um conjunto admirável de descobertas próprias que ele mostrava inicialmente com orgulho, depois com relutância, depois com desespero. É que ao longo do tempo que me foi mostrando as suas invenções, eu fui-lhe explicando que aquelas coisas já existiam, inventadas por outros, antes, e que muita gente as tinha em casa, a seu uso diário. Desfilaram então pelos meus olhos a torradeira, que ele apresentava como a máquina de aquecer deliciosamente o pão, obrigando-me a provar uma fatia torrada lá com manteiga, e que nada tinha de excepcional em relação ao excepcional sabor do pão torrado na mais corriqueira torradeira; a campainha para pessoas que eram enterradas vivas por engano, que felizmente não me fez experimentar, respeitando a minha claustrofobia; um modo de gravar vozes em fitas que quase todo o mundo conhecia como cassetes mas que para o senhor Eugénio era novidade sua, exclusiva e radical. Aconselhei-o então, ao ver o seu desânimo, mas também o seu talento como inventor de diversas coisas, de diversos domínios, a deixar a sua casa torre de marfim onde se fechava, e a percorrer o mundo para ver o que já existia e o que ainda faltava. E assim partiu uns dias depois.»


II. 28. Sinais/Signos:
«Os funerais aqui ainda são antecedidos pelos sinais, toques específicos do sino da igreja. Durante muito tempo, sempre que tocavam os sinais, uma grande parte das pessoas da aldeia pensavam «Lá foi o António, coitado. Deus o tenha na Sua glória.». Mas não, o António continuava a resistir à doença que o roía por dentro há anos, contra todas as expectativas dos médicos. De tal maneira era assim que, a dada altura, o próprio António pensava que chegara a sua vez quando ouvia os sinais, sem se aperceber que ainda estava vivo e que se fosse por causa dele que tocavam os sinais ele não saberia, pois não os ouviria. Ou antes, era assim que eu pensava. Mas entretanto descobriu que as coisas são bem diferentes quando morreu e ouviu os sinais e soube que eram sobre si. E ouviu os pensamentos das pessoas que foram ao seu funeral.»


II. 30. O suave milagre de Tormes:
«Ninguém tem dificuldade em encontrar, pelo menos, o espaço bíblico no conto, as referências, enfim, toda uma construção a partir de Renan e della Gatina, também presente em «A Morte de Jesus» e em A Relíquia. Mas enfim, encontrar o tom bíblico na linguagem e sua instrumentalização, como ele dizia, era um pouco mais… forçado. Mas ele lá foi demonstrando a sua ideia. Acredite, levou provas a que chamou irrefutáveis de que Eça plagiara manuscritos meio secretos, meio perdidos, que teria adquirido, talvez, na sua ida à Terra Santa, ao Egipto e afins, aquando da inauguração do canal do Suez. Era uma tese ridícula, na minha opinião. Ele explorou-a muito, perante a minha incredulidade e indiferença dos restantes cursantes, cheios de sono àquelas horas da tarde de calor após refastelado almoço. Depois, não satisfeito, comparou com «A Perfeição», claramente, obviamente – diria eu – feita a partir de A Odisseia do bom velho e sonolento Homero, mas muito diferente dela. E quem faz uma assim, faz mais. Então, «O Suave Milagre», em todas as suas versões, não era mais do que isto: uma tradução, mais ou menos literal a que se seguiram as adaptações mais ao estilo do autor. Estava lá tudo, segundo ele. Só lhe faltava encontrar o manuscrito que Eça usara.»


II. 34. Para além das amoras:
«Mas C. era perspicaz e era de facto superior a todos naquela casa. A sua formação em literatura e as leituras que fez por dedicação e por prazer tinham-lhe dado uma enciclopédia interior que fazia com que soubesse portar-se em todas as situações, observando e vivendo ao mesmo tempo, antecipando sem esquecer, lembrando sem deixar de adivinhar as reacções. E depois havia o seu ar estudadamente indiferente que com o tempo se tornou natural em si, sem esforço. Pensava muitas vezes que aquilo que somos é fruto de coisas que fazemos uma, duas, três - as vezes suficientes para que se tornem rotina, e por isso, sem esforço, sem pensamento envolvido. Duvidava por isso de quem era realmente, do que era, do quanto haveria em si de construção que ela não deveria ter escolhido para si, pensando no entanto que era impossível saber que construções eram as indicadas ou não, todas elas passíveis de ser totalmente mudadas na sua construção… bastava, por exemplo, ela ter escolhido um curso diferente, ou em vez de se deixar maravilhar pelos livros se tivesse entusiasmado por bordados e vestidos – ou só por isto, como a maior parte das amigas que lhe queriam imputar, filhas de famílias de amigas de bem, vizinhas ou não, que vinham sempre às festas que a família teimava em organizar com alguma frequência e cuja organização, desta vez, deixaram para C., que já tinha idade para isso…»


II. 35. Fragmentos do funeral:
(do fragmento 11) «O amigo admirou-se, primeiro pela fraqueza que tomara o exilado em relacionar-se novamente com o outro, depois pela força em fazer o que fez, no meio do acto sexual. Admirou-o mais por isso e pelas palavras que ele sabia que eram sérias e que funcionariam para o exilado, embora nunca pudesse ser assim com ele.
- Fiz hoje o funeral dele.
Estas cinco palavras simples, talvez todas menos «funeral», ressoaram nos ouvidos de ambos como um acto real e consumado. E estava: era a tal palavra ontológica em que ele tanto acreditava e que por isso mesmo funcionava para ele. Naquela tarde o exilado fizera o funeral mental, sentimental do não exilado. Para sempre. Imaginou todos os passos de um funeral real, mas em que quem ia a enterrar era o seu sentimento pelo outro no mais recôndito de si. Nos dias seguintes andava pela casa como se nada tivesse acontecido.»


Bem, depois dos excertos todos isto ficou muito grande... se calhar era melhor um conto inteiro, mas ficam aqui estas pérolas da minha mente literária fértil... E parece-me que vou já escrever o conto número 38...

sábado, setembro 06, 2008

Luciana Stegagno Picchio 1920/2008

Homenagem atrasada, por desconhecença do sucedido. Morreu a 28 de Agosto, em Roma. Uma mulher italiana que se dedicou também às letras portuguesas: a sua obra e o seu magistério são uma referência obrigatória para os estudiosos de áreas como: filologia, literatura medieval, história do teatro português e literatura brasileira. Publicou, por exemplo: A lição do Texto (Lisboa, 1979) La méthode philologique com prefácio de R. Jakobson (Paris, 1982), La littérature brésilienne (Paris, «Que sais-je?», 1982 e 1996, trad. portuguesa e francesa) e La letteratura brasiliana (Florença-Milão, 1972, trad. romena, Bucareste, 1986), Storia della letteratura brasiliana (Turim, 1997; ed. brasileira, História da literatura brasileira, Rio, 1997). Publicou edições críticas de obras de Martin Moya (Le poesie, 1969), João de Barros (Diálogo em louvor da nossa linguagem, 1959), Gil Vicente (Pranto de Maria Parda,1963), Murilo Mendes (Poesia completa e prosa, 1994). Escreveu diversos ensaios sobre literatura de viagens, e sobre os modernismos português e brasileiro.

adaptado daqui.


Há vários artigos disponíveis na internet. Fica a ligação para um sobre Saramago, o que escritor que mais tempo me terá "ocupado" este ano, até mais do que o Arlindo Barbeitos...

em jeito de coisa

Trabalhar tem que se lhe diga, sobretudo quando se tem de arranjar nova casa, conhecer nova cidade (que se conhece só como turista), novas gentes, novas actividades... Vou ser professor a sério, finalmente, apesar do que eu dizia há uns meses aqui... Surgiu a oportunidade de experimentar a sério, e eu aceitei interiormente e lutei pelo lugar. Braga nunca mais será a mesma!


Saiu o meu primeiro artigo impresso! É um trabalho de mestrado sobre Pepetela, o primeiro que fiz. Revi, emendei e lá enviei. Foi publicado (e apesar de estranhamente terem feito um segundo parágrafo no meu texto onde ele não existia... vou ver se ainda resolvo isso, fiquei contente). Podem vê-lo aqui, onde também está um da Carla sobre Germando Almeida. Na barra aqui do lado têm o link do artigo na secção «Onde me podem ler - se não tiverem mais nada para fazer».


E vou ver como estão os três romances (O Fiel Jardineiro, Os Versículos Satânicos e Mau Tempo no Canal) que ontem se molharam na chuvada entre o meu apartamento e a estação de comboio de Braga... porca miséria!

domingo, agosto 31, 2008

Sugestões de Agosto


Mês de fim de festa. Assim mesmo, da festa da irresponsabilidade e do protelar até à última – tem corrido sempre bem, até agora. Menos coisas este mês, pela vida exterior que tive o prazer de desenvolver. Mas ainda assim, tempo para tudo – afinal o problema não é o tempo mas aquilo que fazemos dele. E eu fiz isto, entre outras coisas:

Livros:

1 – A Bíblia (Actos dos Apóstolos), Paulus***

argumentos: o seguimento dos evangelhos, mais concretamente do de Lucas, é o relato das viagens e palavras (=actos) dos discípulos de Jesus, animados pelo Espírito Santo que os ajuda e incita a espalhar a mensagem de Jesus pelo mundo. Focos em Pedro e, depois, em Paulo.


2 – Prosas Bárbaras, Eça de Queirós, Lello & Irmão****

argumentos: continuação do amigo Eça. Desta vez um livro que resulta de uma série de textos primeiros que Eça publicou, de nítida estética romântica, sobre arte, amor, vida: «Esta história é de há seiscentos anos – e de ontem à noite…»(p.55). Alguns aproximam-se do conto, outros da crónica, outros da carta. Mais: «É na natureza que se deve procurar a religião: não é nas hóstias místicas que anda o corpo de Jesus – é nas flores das laranjeiras.»(p.104).


3 – Ariel, Sylvia Plath, Relógio D’Água***

argumentos: conjunto de poemas de uma grande escritora norte-americana, talvez mais conhecida pela sua vida com fim trágico do que pela obra – mas vale a pena! Densa, difícil – pode ser que sim, mas tudo o é, quando se aprofundam sentidos. Dela postei aqui. Esta edição tem a vantagem de ser bilingue.


4 – Cartas de Aniversário, Ted Hughes, Relógio D’Água***

argumentos: conjunto de poemas-cartas dirigidas quase exclusivamente a Sylvia Plath, com quem foi casado. Obra e vida fundem-se sem limites bem-definidos. Tem textos muito interessantes, dos quais postei um aqui. Mais: «Não nos apercebemos/que os narcisos são um/fugaz vislumbre da eternidade.»(p.217).


5 – Se Isto É um Homem, Primo Levi, Público/Mil Folhas*****

argumentos: a obra extraordinária de um judeu italiano que sobreviveu a Auschwitz para escrever o mais humano e comovente testemunho do Holocausto. Mas não é mais um simples relato do Holocausto; é um acto de fé na natureza humana. Difícil de ler pelo choque que provoca, mas impossível de deixar. Mais: «Muitas coisas então foram ditas e feitas entre nós; mas é bom que delas não se guarde memória»(p.13); «Então pela primeira vez nos apercebemos de que a nossa língua carece de palavras para exprimir esta ofensa, a destruição de um homem.»(p.24); «As personagens destas páginas não são homens. A sua humanidade está sepultada, ou eles mesmos a sepultaram, debaixo da ofensa que sofreram ou que infligiram a outrem»(p.135).


6 – O Deus das Moscas, William Golding, Público/Mil Folhas*****

argumentos: um romance do pós-guerra marcado pela actualidade dos temas. O motivo central é o mal, em estado puro, que se apodera das crianças perdidas numa ilha desconhecida - mas que também pode ser a história da condição humana. Com um tom aparentemente ligeiro, que se adensa com o evoluir da permanência da ilha e os contactos uns com os outros. Duro, enigmático, extraordinário. Mais: «Rafael chora o fim da inocência, o negrume do coração do homem e a queda pelo ar daquele verdadeiro e sensato amigo que se chamava o Bucha»(p.222).


7 - Mau Tempo no Canal, Vitorino Nemésio, INCM****

argumentos: ainda não terminei o livro mas gosto muito. A história de várias famílias nos Açores no início do século XX, centrada sobretudo numa personagem feminina chamada Margarida, descrita pelo narrador e pelas personagens de uma forma que a enche de particularidades especiais («encheu a testa de uma reticência triste»(p.66)). Mais: «O amor não queria confissões explicadas no vão de uma janela, nem alegorias literárias de um querer-bem concebido como matéria de um mito, ligado à rocha das ilhas e às noites de mau tempo no Canal.»(p.152). Muito interessante, com um prefácio de José Martins Garcia.


TV:

Os amigos de Brian (RTP2)****

argumentos: em repetição, nas tardes da Dois. Não vi quando deu à noite, mas estou a ver agora. E gosto bastante pelas histórias cruzadas de um grupo de amigos, seus problemas quotidianos e existenciais. Não admira que haja problemas por causa de Marjorie (Sarah Lancaster)– a jovem fantástica que por lá anda e que o italiano (Raoul Bova) se tenha casado com uma mulher mais velha – extraordinária (Rosanna Arquette). Pena que o italiano tenha morrido, até porque era das minhas personagens favoritas na série… Mas recomenda-se! Ainda com Barry Watson, Matthew Davis, Rick Gomez, Amanda Detmer, entre outros.

Foi o mês de Agosto de um ano olímpico – já se imagina o que andei a ver. Daqui a quatro anos há mais!


Música:

Deolinda, A Canção Ao Lado*****

argumentos: sobre os Deolinda já falei aqui. Mais não posso dizer, se não que são muito bons e que tenho ouvido muito, sobretudo «Eu tenho um melro» e «Movimento Perpétuo Associativo». A música portuguesa em grande!


Cinema:

Os Seis Sinais da Luz, de David L. Cunningham (filmes onde o fantástico domina conquistam-me facilmente. Gostei também deste, simples e interessante)****
A Time To Kill, de Joel Schumacher (apesar do mundinho dos advogados e tal, intenso)****
A Rainha das Andorinhas (animação Japonesa com desenhos bonitos e uma historinha com moral fácil, mas tão bonito!)****
A Chave Mestra, de Iain Softley (filme de terror sem monstros e sem sangue! Assim já vale mais a pena!) ***
La messa è finita, de Nanni Moretti (ele é doido, mas bom)***
Palombella Rossa, de Nanni Moretti (idem, ibidem)***
A Múmia 3 - a tumba do imperador dragão, de Rob Cohen (sem Rachel Weisz não é a mesma coisa. Mas é mau não apenas por isso…)**
Uma Noite no Museu, de Shawn Levy (Ben Stiller e uma cambada de personagens históricas em contacto. Gostei, no geral) ***
Casino Royale, de Martin Campbell (por favor…)**
Morte num Funeral, de Frank Oz (uma comédia inteligente)****
Bee Movie, de (adoro filmes de animação bem feitos)*****
The Mist, de Frank Darabont (se não tivesse monstrinhos visíveis seria bem mais interessante, e aquele final…)****
(alguns dos filmes em dvd com tradução em Português do Brasil...)

segunda-feira, agosto 18, 2008

1 poema de Ted Hughes

Chaucer

«Quando Abril com suaves aguaceiros
sacia a sede de Março até às raízes...»
Com a tua voz no seu tom mais elevado, balançando no cimo de um escadote,
braços erguidos - para te equilibrares e
segurares as rédeas da esforçada atenção
daquela tua audiência imaginária - declamaste Chaucer
para um campo com vacas. E o céu da Primavera fez o resto,
com a roupa lavada a escoaçar, o verde-esmeralda
dos espinheiros, o espinheiro branco, o espinheiro negro,
tu com um daqueles copos de champanhe
a que tinhas deitado a mão na arrebatação do momento.
A tua voz voou pelos campos até Grantchester.
Deve ter soado a perdida. Mas as vacas
olharam, e aproximaram-se logo: elas apreciavam Chaucer.
E tu continuaste. Havia razões
para recitar Chaucer. Seguiu-se uma divertida Mulher de Bath,
a tua personagem favorita de toda a literatura.
Estavas arrebatada. E as vacas fascinadas.
Empurravam-se e roçavam-se, faziam um círculo
para contemplar o teu rosto, dando alguns bramidos ocasionais
de exclamação, para avivar a sua assombrosa capacidade de atenção,
de ouvidos à escuta para apanhar todas as inflexões,
à respeitosa distância de dois metros.
Tu simplesmente não conseguias parar. Que podia acontecer
se resolvesses parar. Seriam capazes de te atacar,
assustadas com o choque do silêncio, ou só porque queriam mais? -
E por isso tiveste de continuar. E continuaste -
vinte vacas ficaram contigo, hipotizadas.
Como é que conseguiste parar? Não me lembro
De teres parado. Imagino que se foram embora cambaleando -
a revirar os olhos, como que atraídas pelo cheiro da erva.
Imagino que as devo ter enxotado. Mas
a tua interpretação de Chaucer em sustenido
já era eterna. Aquilo que se seguiu
encontrou a minha atenção demasiado ocupada
e teve de regressar ao esquecimento.



Ted Hughes, Cartas de Aniversário, tradução de Manuel Dias, Lisboa, Relógio D'Água, 2000, p.111



Cena do momento em que Sylvia Plath declama Chaucer para uma audiência constituída por Ted Hughes e vacas, no filme Sylvia de Christine Jeffs, com Gwyneth Paltrow e Daniel Craig (2003).

3 poemas de Sylvia Plath


Papoilas de Julho

Pequena papolias, pequenas chamas do inferno,
Vocês não fazem mal?

E tremeluzem. Não posso tocar-vos.
Ponho as minhas mãos entre as chamas. Nada queima.

E fico exausta ao olhar-vos
A tremeluzir assim, pregueadas e de um vermelho vivo, como a pele de uma boca.

Uma boca que acabou de sangrar.
Pequenas bainhas ensanguentadas!

Há fumos que não posso tocar.
Onde estão o vosso ópio, essas cápsulas que dão náuseas?

Se eu pudesse esvair-me em sangue, ou dormir!
Se minha boca pudesse casar com uma ferida assim!

Ou se os vossos venenos pudessem penetrar em mim, nessa cápsula de vidro,
Para me entorpecer e inquietarem.
Mas sem cor. Sem cor alguma.

***
A chegada da gaiola das abelhas

Encomendei isto, esta gaiola de madeira limpa
Quadrada como uma cadeira e quase tão pesada para se poder levantar.
Diria que era o caixão de um anão
Ou se um bebé quadrado
Se não tivesse lá dentro tal clamor.

A caixa está fechada, é perigosa.
Tenho de passar a noite com ela
E não me posso afastar dela.
Como não tem janelas, não posso ver o que está lá dentro.
Há só uma pequena rede, sem saída.

Encosto os olhos à rede.
Está escuro, escuro.
Dá a sensação de um formigueiro de mãos africanas
Reduzidas e apertadas para exportação,
O preto sobre o preto, a trepar furiosamente.

Como é que as vou deixar sair?
Assusta-me o barulho mais que tudo,
As sílabas ininteligíveis.
É como a plebe de Roma,
Gente pequena, vistos um a um, mas juntos, meu Deus!

Dou ouvidos a este latim em fúria.
Não sou um César.
Apenas encomendei uma caixa de doidas.
Podem ser devolvidas.
Podem morrer, não tenho de as alimentar, sou a dona.

Pergunto-me se terão muita fome.
Pergunto-me se me esqueceriam
Se eu abrisse a fechadura e ficasse parada e me transformasse em árvore.
Como o laburno, em suas colunatas de oiro,
Ou a cerejeira com seus saiotes.

Talvez me ignorassem de imediato
Vestida com o meu traje lunar e o véu de luto.
Não sou fonte de mel
Por que razão se haviam de voltar contra mim?
Amanhã vou fazer de bom Deus, vou libertá-las.

A caixa é apenas temporária.

Sylvia Plath, Ariel, tradução de Maria Fernanda Borges, Lisboa: Relógio d’Água, 1996, p.165, 127.

*****
Colher amoras

Ninguém nas veredas e nada, nada além das amoras,
Amoras de ambos os lados, embora mais à direita
Uma aléia de amoras descendo em curva e um mar
Se alçando lá no fim. Amoras
Grandes como o meu polegar e a silenciar como olhos
De ébano nas sebes, gordas
De sumo azul-vermelho. O sumo esbanjam entre meus dedos.
Eu não pedira esta fraternidade de sangue: — elas na certa me amam.
E se acomodam em meu jarro, achatando-se os lados.

No alto, as gralhas negras, revoada cacofónica
— Pedaços de papel queimado girando num céu a pleno.
É delas a única voz protestando, protestando...
Acho que o mar não aparecera.
As campinas altas e verdes resplandecem como acesas por dentro.
Chego a um arbusto cheio de amoras tão maduras que o arbusto é de moscas
Pendentes, suas barrigas verde-azuladas e os vitrais das asas numa tela chinesa.
A festa de mel das amoras alvoroçou-as. Elas acreditam no céu.
Uma curva mais: amoras e arbustos terminam.

Tudo o que vem agora é o mar.
De entre dois morros uma súbita brisa se afunila em direção a mim
E me esbofeteia a face.
Esses montes são muito verdes e doces para quem provou sal.
Entre eles, sigo a trilha das ovelhas. Numa última curva
Alcanço a face norte dos montes, cor de laranja e rocha
E a face olha para nada, nada exceto um grande espaço
De luzes brancas metálicas; nada exceto um ruído de ferramentas sobre a prata,
Os golpes e golpes contra um metal intratável.

Lido aqui. http://br.geocities.com/edterranova/sylviap3.htm