quarta-feira, fevereiro 04, 2009

O mundo não passa de mundo

É o título do terceiro livro de contos. Substitui o antigo e provisório título Já deste corda ao Pardal?. Este de agora é menos concreto, mas mais meu, depois do espectáculo do Shakespeare e de acontecimentos recentes. Assim mesmo: O mundo não passa de mundo. E dos cinco primeiros contos:

1. Cosmos
2. Das palavras inúteis
3. Martim e a demanda
4. Conto contando-te
5. O homem sem a sua sombra

selecciono estes excertos só porque sim (os outros contos são mais privados e inacabados, ainda)

III. 1. Cosmos: «Mas nesse dia, estando ele à beira de um rio borbulhante, nu para tomar banho, apareceram uns seres estranhos, que ele pensou serem homens, por serem feitos à imagem e semelhança deles. Estes viram-no belo e harmonioso, mas acharam-no horrível, embora não se saiba se por ser diferente se por inveja dessa diferença. E perceberam quem era, e o que tinham de fazer. Por isso, atiraram-se a ele, para o afogar. Desse deus simples, sem nome, sem rosto, ficou a flutuar no rio amansado uma luz, e dessa luz, intensa, quente, começou a libertar-se um nevoeiro cerrado, que subia e formava nuvens mais grossas e escuras. Os seres parecidos com homens tiveram medo e fugiram, sabendo que tinham atentado contra um deus. Eram eles próprios deuses, mas sem a simplicidade e sem a pureza daquele que ali andava a ocupar espaços que eles próprios ambicionavam. Mas temeram e fugiram. Mais tarde viriam, dar-se-iam a conhecer e também eles viriam a ser expulsos deste mundo, mas deles ficaram estas estátuas, estas pinturas, estes templos como memória, como habitação. »

III. 2. Das palavras inúteis: «Ela não leu as palavras dele, ele não soube dizê-las de outra forma e as coisas teriam sido perdidas como num deserto um grão de arroz, se ela não fosse diferente, se ela não precisasse de as ouvir, de saber como «Dou por mim muitas vezes ao longo do dia a pensar no teu sorriso, nas tuas palavras e fico sempre cm vontade de estar contigo, de te abraçar, de te beijar e de dizer ao teu ouvido o quanto eu gosto de ti.». Não precisava, ao contrário dele e de tantos outros, das palavras para estabelecerem certezas. Mas ela não sabia como as palavras são importantes para que as certezas não passem drasticamente a dúvidas.»

III. 3. Martim e a Demanda: «Na verdade, a torre da vitória, apesar de bem conhecida por todos, de vista, ao longe, era tida como o maior mistério das redondezas. Era uma torre muito alta, coberta de silvas até metade, negra no restante, com pedras salientes como escamas, brilhantes ao sol, assustadoras em qualquer momento do dia ou da noite, envoltas num clima que lhe parecia intrínseco e que raiava a maldade pura. Ninguém, no castelo, percebia era o objectivo de guardar o livro do Graal num sítio mau. Ninguém achava também outro lugar onde fosse possível ter guardado uma coisa tão importante, embora não pensassem que poderia não estar ali, mas num mundo tão vasto como a soma dos reinos que ainda faltavam conquistar para juntar aos já conquistados. Ninguém que se tivesse aventurado pela floresta para chegar à torre tinha voltado para contar o que vira o que lhe sucedera…»

6 comentários:

Milai disse...

Muito giros:) O primeiro conto, não sei porque fez me lembrar o Perfume. O segundo foi o que gostei mais. Chama-se insegurança ou insatisfação. A terceira parece me muito medieval. Para quê voltar também?

tulisses disse...

ainda bem que alguém gosta deles... O primeiro nada tem a ver com O Perfume, na minha perspectiva - mas ainda bem que não sou eu o leitor que pode fazer as pontes! O segundo é muito isso: entre o medo e o excesso, entre a insegurança e o execesso. E o terceiro é completamente medieval, sim! Mas foleiro, com final pós-moderno ;)

bjs

p. disse...

eh pá, há quanto tempo não passava por aqui! ainda nem tinha visto que os meus gatinhos apaixonados tinham a honra de estar na entrada do Tulisses :)
hum... o primeiro conto faz-me lembrar um bocadinho As Ruínas Circulares (com as devidas distâncias, claro, estamos a falar de um mestre).
eu também gostei muito do Mercador de Veneza mas, como sou uma pessoa mais simples e cada vez menos intelectual, confesso que do que gostei mesmo foi do Albano Jerónimo! ;)

beijinhos

tulisses disse...

Patrícia, minha cara, duas palavras para ti: to-tinha. Menos intelectual, como? Sim, o Albano -Jerónimo esteve muito bem, mas alguns dos outros também... mas eu acho que percebo esse «do que gostei mesmo foi» ;)

Os teus gatinhos já foram a foto do msn, agora estão aqui em destaque. são tão bonitos... e tudo/nada tem que ver comigo, por isso aí ficam.

Quanto ao conto, a sério??????? Eu a fazer lembrar, ainda que vagamente, o génio? Já tenho os livros todos dele, mas ainda não tive coragem de pegar, tenho andado mais virado para a Agustina..

beijinhos!

p. disse...

pois, não me referia ao facto de ele ter estado bem enquanto actor... cof, cof.. ;)
que giro, fico muito contente que gostes dos meus gatinhos. quando voltar ao fimo (continuo meia ausente) faço-te um gatinho.
sim, faz lembrar um bocadinho. esse conto já leste, não? eu ainda tenho que acabar o aleph mas tenho-o em espanhol e é dificilzito... por falar nisso: PASSEI NO EXAME DE ESPANHOL!!!!! :) soube ontem.
beijinhos

tulisses disse...

Parabéns! Que bom! Pode ser que isso te ajude em alguma coisa, sei lá...
E sim, quero um gatinho, mas não precisas de te apressar ;)
Esse conto já li, é das Ficções, não é? Só li as Fições e o Aleph...

beijinhos