Marta Minujin, Torre de Babel
Fé
Fé, é quando vemos
A gota de orvalho ou a folhinha pelo rio fluir
E sabemos que existem pois têm de existir.
E ainda que de olhos fechados nos deixemos sonhar
Só haverá no mundo o que havia
E as águas do rio a folhinha vão levar.
Fé, é quando ferimos
O pé na pedra e sabemos que as pedras
Lá estão para que os pés nos firam.
Vejam quão grande é a sombra das árvores,
Assim como a nossa e a das flores,
O que não tem sombra, não tem força para existir.
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Amor
Amor significa olharmo-nos
Como se olha as coisas não familiares,
Pois somos apenas uma entre milhares.
E quem assim se olha, mesmo sem saber,
De muitas mágoas o coração vai proteger.
E chama-no de antigo o pássaro e a árvore.
Então sim, quer desfrutar de si e de tudo
Para que tudo brilhe no clarão da plenitude.
E não importa não saber ao que servir,
Nem sempre serve melhor quem sabe.
***
Cardo, urtiga
(...) le chardon et la haute
Ortie et l'ennemie d'enfance belladonne
O. Miłosz
Cardo, urtiga, bardana, beladona
Têm futuro. Deles são os baldios,
Os trilhos enferrujados, o céu e o silêncio.
Quem serei eu para as gerações vindouras,
Quando depois da babel das línguas se premiar o silêncio?
Devia ter.me resgatado o dom de versejar,
Mas tenho de estar pronto para a terra não gramatical.
Com o cardo, a urtiga, a bardana, a beladona,
E sobre eles uma brisa, uma nuvem sonolenta, o silêncio.
Czesław Miłosz e Wisława Szymborska, Alguns Gostam de Poesia. Antologia, Lisboa: Cavalo de Ferro, 2004:21, 25, 81.
3 comentários:
perfeito!
Lindos, apaixonantes!
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