segunda-feira, julho 23, 2012

dois poemas de António Cândido Franco


Escultura de papel, por Sue Blackwell



VII


Ao céu regresso.
Quero dizer
à terra anoitecida
pelo amor.
Extasio-me
com a terrestre vida dos astros.
Passeio
por uma estrada de estrelas.
Isto é
uma estrada de flores sublimadas
pela noite.
Vou visitar um estábulo
em pleno universo.
Zodíaco.
Jardim zoológico astral.
Lá estão as constelações
irradiando o seu frio.
Quero dizer
os animais pela memória
desterrados.
Regresso à noite.
Piso a escuridão.
Olho o céu
como se a terra visse.
As estrelas são flores.
As constelações são animais.
O céu é um jardim
com um estábulo no meio.
Comem flores os animais da terra.
Mastigam estrelas os do céu.
O céu também é um chão
mas um chão feito de memória.
Estão lá os mitos.
Isto é
homens elevados
pela luz e pela palavra.
Pisam-se lá em cima astros
como em baixo
se pisam pedras.
No céu passo por mitos
e por ideias.
Estão lá poemas.
Quero dizer
coisas metaforizadas
por esta outra noite do mundo
íntima e secreta
que são as palavras.

****

17

Esforço-me por arrumar os pensamentos.

Antes não havia pássaros.
Era eu o pássaro.
Cantava
mas sem o saber.

Agora há pássaros.
Um pássaro sacudiu o corpo.
Acabei de o ver.
E acabei de por duas vezes
o ouvir cantar.
ainda o vejo e escuto
mas ele
prisioneiro do sia e da luz
não me vê.

Esse pássaro
está dentro da sua manhã de Primavera.
É um pássaro
tão alegre para mim
como tão triste é para ele.
Está tão livre e tão preso
como outrora eu estive
na minha infância
antes de nascer
quando cantava e não me ouvia
quando era mas não me via.

E foi preciso perder a minha infância
afastar-me tanto de casa
para que houvesse um pássaro à minha volta.

Quem é mais
ele ou eu?
Aquele que para nascer deixou de ser
ou aquele que continuou a ser para não ser?
Aquele que nem ser sabe
ou aquele que canta sem saber?

Quem devo escolher
aquele que alegria dá mais triste
ou o que tristeza dando conhece a alegria?

O que houve no haver sem ter havido
foi o que foi só feliz ou o que foi triste?


António Cândido Franco, Estâncias Reunidas 1977-2002, Edições Quasi: 2020, p.29-30, 148-149.




2 comentários:

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