sexta-feira, dezembro 07, 2012

Anna Karenina


Count Vronsky: I love you!
Anna Karenina: Why?
Count Vronsky: You can't ask Why about love!

 






Ontem, pelas 14.30, eu ia ver «Anna Karenina», em estreia nacional. Ia, mas avisaram-me logo que talvez não fosse possível, porque ainda não tinham experimentado a fita na máquina e tal. Mas, quase vinte minutos depois, deu (cortaram depois o intervalo, para compensar). E uma senhora que ia ver o «Amanhecer» acabou por vir também - não se deve ter arrependido, seguramente. Isto porque o filme é uma experiência artística difícil de definir, melhor, difícil de igualar.
 
Quando temos muitas expectativas sobre alguma coisa, é costume ficarmos desiludidos. Aqui eram muitas. Primeiro porque era de um dos meus realizadores favoritos, que já nos deu outros dois (pelo menos) grandes filmes que fazem parte da minha lista de favoritos: «Pride and Prejudice» e «Atonement», depois porque tem Keira Knightley (Anna) , a mesma que protagonizou os dois filmes acima referidos, com Jude Law (Karenin) a acompanhar (de quem gosto muito desde que o vi nos filmes de Anthony Minghella - «Breaking and Entering» e «Cold Mountain») e Matthew Macfadyen (Oblonsky), que já fora o amor da vida da personagem de Keira em «Pride and Prejudice» e agora passa a ser o irmão, entre outros atores interessantes. Mais ainda porque a banda sonora está a cargo de Dario Marianelli que, pasme-se, já tinha feito as dos dois anteriores filmes também (e a de «Atonement» é das criações mais fantásticas de sempre para filmes e não só). Caso para dizer que em equipa vencedora não se mexe. E, como se compreendeu já e se verá a seguir, não fiquei nada desiludido.
 
Por fim, a adaptação de um dos grandes romances da humanidade, de Tolstoi, que li já há alguns anos, mas que conservo na memória: pelo fascínio de Oblonsky, pela busca de uma dignidade por parte de Levin, pelo amor e pelo sofrimento de Anna. Tinha visto este ano uma adaptação boa do romance, num filme de 1997 com Sophie Marceau e Sean Bean. Mas achei-a um pouco rápida, por vezes superficial, embora os protagonistas estivessem ótimos. Neste não há um Sean Bean - que agora já só poderia ser um Karenin - mas um Aaron Taylor-Johnson que está bem no que tem de fazer.
 
Mal o filme começa, temos a noção de que algo de diferente ali vem. Ousado. Sim, direção artística e fotografia são geniais: haverá o luxo, a sumptuosidade, os mármores, os dourados das paredes e dos objetos, os veludos; o guarda-roupa e a maquilhagem exigidos e perfeitos: os vestidos de cores tanto fortes como pálidas, os casacos com peles, as fardas feitas a preceito, os penteados daquela gente, as joias... Sim, há a câmara virtuosa que desliza, que acompanha, que segue em várias direções sem os cortes costumados (que já havia nos outros filmes dele, mas aqui mais, talvez). E um pouco daquilo que já nos havia habituado: a atenção aos pormenores, as pequenas coisas que de repente ganham uma significação extraordinária - só um exemplo: o leque que Anna abana enquanto vê a corrida de cavalos produz o som dos próprios cavalos em movimento, mas também poderá ser o do seu coração. Essa câmara obsessiva é de tal modo significativa que permite uma economia fantástica no relato de muitos acontecimentos: o escritório onde se encontram certas personagens torna-se no restaurante onde elas mesmas combinaram encontrar-se horas depois, os papéis de uma carta rasgada tornam-se neve; câmara acompanhando a valsa de Anna e Vronsky (numa cena belíssima, mas belíssima de chegar às lágrimas só pela emoção estética) apercebemo-nos de que não foi, afinal, apenas uma dança, mas a noite toda juntos, porque vemos Kitty, por breves momentos, sempre, com um par diferente de cada vez que aparece, sempre à espera que os outros se larguem. Coreografias: sim, muitas. Não apenas a do baile, a da receção com o fogo de artifício, mas de tudo – o filme tem momentos em que tudo se sincroniza, como se se tratasse de um bailado (ou não fosse a Rússia um país com história na dança), são os trabalhadores de Oblonsky, são os trabalhadores com Levin… E o comboio, obsessão que vai percorrendo toda a história, nos brinquedos, nos espelhos, nos sonhos, nas viagens feitas efetivamente, e que vai ser determinante, como é sabido, no final, é até incorporado na banda sonora, brevemente, já como Marianelli fizera com a máquina de escrever em «Atonement». A música é, aliás, um dos aspetos mais emocionantes do filme… a intensidade e a beleza com que foram feitas captam algo da cultura russa sem trair o estilo próprio do autor. E as cenas de amor, perfeitamente desenhadas, para mostrar a felicidade, embora pairando uma certa mão de tragédia, são também belas.
 
É talvez este tom de tragédia que estará na opção de uma filmagem diferente. Lars Von Trier, há uns anos, apostou fazer «Dogville» num palco, em que as casas estivessem desenhadas no chão, quase sem adereços mais. Aqui, os adereços são aos milhares, claro, mas quase tudo foi feito também numa sala de teatro. Não se espantem, portanto, por verem cortinas, cadeiras, palco, bastidores – aqui vivem sobretudo os do povo, os que vivem numa Rússia à beira da revolução e não sabem o que ela é, o que ela promete, e quando sabem nem sabem se a querem. Teatro, portanto, pois a vida é teatro, já se sabe também há muito. Para que não se esqueça tudo aquilo que anda em torno da história. E se tudo se passa naquele sítio, temos painéis que se levantam, portas que se abrem ou se fecham, personagens que passam de um sítio a outro, tudo de uma forma mágica e económica da narrativa, criando uma fluidez inédita, que o teatro tem explorado e que o filme também faz. Tragédia para quem está preso naquele mundo sugerido pelo teatro, mas liberdade para Levin, a única personagem que inicialmente anda pelas paisagens exteriores, pelo mundo real, para onde leva Kitty…
 
Nada a dizer do elenco, a não ser que é muito bom. Muito se disse sobre Keira não poder ser uma boa Anna Karenina. Sim, ela não é boa, é perfeita e as nomeações para prémios já surgiram. Jude Law, que poderia ter sido Vronsky há uns anos, está ótimo na sua contenção, na sua «santidade». Não referi ainda, mas faço-o agora: Domhnall Gleeson é um Levin perfeito, assim como muito bem estão Kelly Macdonald, Emily Watson, Michelle Dockery, além de Matthew Macfadyen e Aaron Taylor-Johnson, já referidos.
 
Fidelíssimo ao livro, a história está toda ela no filme. Toda ela, de uma forma ou outra, sem rapidez no essencial, no que em muitos filmes me leva a perguntar «de onde vem tanto amor?». Aqui há a perseguição, o desespero, a culpa por não ter feito nada ainda, o desespero, a entrega. E tudo o que isso provocará. Há os boatos, o falar dos outros (que bem feitas estas cenas, com as personagens paradas, extáticas, ou só com o som de palavras sussurradas, que não se entendem, até subirem de tom e se tornarem acusadoras), que contrasta com o silêncio do jogo de cubos onde Levin e Kitty finalmente se entendem.
 
Poder-se-á ler por aí críticas de senhores (supostamente) entendidos em cinema. Um dos que li classifica o filme como «razoável». Quem é crítico de cinema tem uma certa tendência para escrever coisas muito más sobre os filmes, muitas vezes só destaca pela positiva filmes enfadonhos, mesmo, de muita política, de senhores cujo nome não pode ser tocado. Está-lhes no sangue, ou na carteira, não sei. Dizer que este filme é razoável é, no mínimo, dizer incompetente o crítico que o afirmou. O «síndrome-souflé» é outra expressão usada noutro sítio, como se os críticos tivessem de escrever com conceitos modernos e bonitos para chamar a atenção de leitores… esperem, têm mesmo! Porque, meus senhores, mesmo que não sintam as angústias das personagens, profundamente marcadas, profundamente vividas, ao menos a criação estética está. E estar isto, pelo menos, é mais, muito mais do que muitos filmes que por aí andam conseguem. Não se chora neste filme pela história em si, ou não só. Há lágrimas de alegria e de tristeza. Eu atrevo-me a dizer que há também lágrimas de beleza. De infinita beleza. O realizador está na posse de uma visão artística inigualável, talvez aqui extremada em virtuosismo, quase a raiar a loucura. Mas não está a própria Anna a raiar a loucura quando a sociedade machista e fechada em que vive desaprova o seu amor?
 
Não sei se transmiti bem o que queria. No final do filme, atordoado, o funcionário do cinema perguntou-me se o filme era bom. Mas percebeu logo que sim, ao ver a minha expressão e os olhos húmidos. Não se enganem, é. Mas o melhor é verem e ajuizarem. A ideia disto tudo é simples: um belo sucessor de «Atonement», também ele adaptado de um romance e o meu de eleição, com uma história extraordinária, complexa, múltipla, abarcada de uma forma singular e que vale a pena ver, em tela grande!
 



 

2 comentários:

Anónimo disse...

Боже мой! O que é que eu faço, pois aqui ainda falta um século para a estreia (10 de fevereiro)?!

Tulisses disse...

a sério? não é possível!
bem, eu fui ver no cinema mesmo, ainda não existem outras formas de o ver :(
as minhas simpatias...