quinta-feira, novembro 01, 2012

4 poemas de Tomas Tranströmer





Bilhete-Postal Negro

I
Calendário repleto de compromissos, futuro incerto.
O rádio trauteia uma canção popular sem nacionalidade.
Cai neve no mar totalmente gelado. Vultos
             acotovelam-se no cais.

II
Acontece, a meio da vida, a morte bater-nos à porta
e tomar-nos as medidas. Essa visita é esquecida,
e a vida continua. O fato, porém, esse
             é cosido em silêncio.

**

Segredos pelo Caminho

A luz do dia bateu no rosto de alguém que dormia.
E esse alguém teve um sonho com mais vivacidade,
ainda que sem acordar.

As trevas bateram na cara de alguém que ia andar
entre a multidão, sob os raios
impacientes e fortes do sol.

De repente escureceu, como quando cai uma bátega.
Eu encontrava-me num quarto com espaço patra todos os instantes -
a sala de um museu de borboletas.

Ali, porém, o sol brilhava tão intensamente como antes.
Os seus pincéis impacientes davam cor ao mundo.

***

Abril e o Silêncio

A primavera mostra-se deserta.
A valeta, de um escuro aveludado,
rasteja ao meu lado
sem reflexos.

A única coisa que brilha
é o amarelo de flores.

Sou levado na minha sombra
como um violino
no seu estojo negro.

O que quero dizer
tremeluz fora do meu alcance
como prata
em montra de casa de penhores.

****

Retrato de Mulher - Século XIX

A sua voz é sufocada pelo vestido. O seu olhar
segue o gladiador. Depois, ela própria
está na arena. É uma mulher livre? Um moldura dourada
                                                        estrangula o retrato.

50 Poemas, Tomas Tranströmer, Lisboa, Relógio D’Água, 2012: p. 17, 25, 47, 109.

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