segunda-feira, dezembro 04, 2006

Fazem-me falta


As conversas sobre tudo e nada no bar fumarento da faculdade. As aulas e as facadas no peito por ouvir a mesma coisa pela milionésima vez. As colegas de trabalhos e estudo intermináveis, sobretudo na esplanada a apanhar sol ou na biblioteca, a fingir que se lê Bakhtine, até que tem mesmo de ser ler. As cadeiras da BM Almeida Garrett, donde vi a grande paixão secreta da minha vida. As crianças sentadas à minha frente ou ao meu lado. As garrafas no cemitério do saxo da Su. As gaivotas assassinas e os gatos traiçoeiros. A minha senhoria, apesar de um pouco chata. As comidas vegetarianas da cantina, como o rolo de carne fingido. As músicas meio tocadas meio cantadas da Tuna. As chatices da secretaria. As idas a outras terras: Braga, Montalegre, Monte Clérigo, Lisboa, Sr.ª da Hora, – com o pessoal do costume, mais ou menos. As vistas fantásticas da minha varanda da residência. As árvores e os bancos do Palácio de Cristal. As ruas de Cedofeita, Miguel Bombarda, D. Pedro V, Torrinha, Boa Hora, Campo Alegre… A alegria e luz da Verde, a disciplina da Ana Luísa, a loucura especial da Consti, a loucura stressada e preguiçosa da Su, a doçura da Patrícia, a evasão sonhadora da Milai, a diplomacia da Diana, a contrariedade do Rui, a aparente soturnidade da Lena, as meninas fantásticas da Casa da Purificação, a serenidade da Dénia, a bondade da Alexandrina, a estilosidade da Ana Cabral, as obsessões da Bruna (Jostas, também conhecida como Jamila…), as músicas ternas da Bruna Mateus, as desconversas inseguras e inteligentes da Celine, o para além do visível do Edgar, a evolução da Eva, a flor que é a Alexandra, a simplicidade concreta da Helena e da Lara, a loucura alegre da Joaninha (e suas gargalhadas), as conversas com a Joana do árabe do medieval, a música da voz da Joana Patrícia, a sabedoria encoberta da Lídia, o francesismo da Natália, a estranheza do Nelson, a cumplicidade trabalhadora da Rute, as caras estranhas nas aulas de Brasileira da Síndia, as experiências teatrais com as duas Anas Catarinas, o primeiro contacto com os bifásicos com a Susana Melgaço, a determinação da Mariza (e a minha admiração por ela), a amizade amorosa e inteligente da Marta… As idas à Fundação Eugénio de Andrade. As demandas pelos livros esgotados, os alfarrabistas. As prendas colectivas que demoravam duas horas a planear, meia para executar e que saíam sempre ao lado do projecto. As sessões de cinema – a sério ou em casa de alguns – de Moulin Rouge a Asas do Desejo. As festas de aniversário no Por Amor à Arte ou com as deliciosas comidas das donas Manuelas e da avó da Marta, e das tentativas da Milai e da Mónica (estou a brincar). As descobertas de línguas, culturas e literaturas diferentes e inesperadas. As figuras risíveis na praxe. As idas ao teatro, sobretudo S. João e Carlos Alberto (quase sempre com a magia da gratuidade dos bilhetes). as professoras e o professor da minha vida. As músicas pimba no saxo (quando não eram gravações dos exercícios de acordeão…) e as eruditas na aparelhagem da Marta. As emoções da primeira vez que trajámos. As noites loucas da Queima (não, quem é que eu quero enganar? Risquem esta). A pseudo-serenata da Tuna Feminina (grandes Susana Alegria e Natacha). As risadas da Áurea. As ocasiões raras com a Liliane e a História. As viagens de audi e smart. As andanças no S. João. As dormidas a três (e mais) no quarto da Su. As coisas que a Marta é. Tanta coisa faz falta que não é possível ordenar textualmente nem na geografia do coração. Mas fazem-me ainda falta as mãos, as tuas, com que me redemoinhavas o cabelo enquanto lutava para não adormecer, para que continuasses mais tempo. As mãos de que uma vez disse: “Como falar das mãos que nos rodeiam e nos prendem para sempre? Ou dos lábios que nos beijam como se fossem palavras eternas?”.

Tu ainda me fazes falta.
(nota: não tentei reduzir as pessoas a uma simples característica, mas talvez seja a mais dominante ou aquela que mais falta me faz...)

7 comentários:

analuisacorreia disse...

Saudades de tudo e saudades de nada...

Ler o teu texto ainda me fez ficar mais nostálgica e mais saudosa do tudo e do nada que esses tempos foram para mim...

Tenho a certeza que todas essas pessoas também sentem a tua falta...

Como seria possível não sentir?!

sindia disse...

As ruas de Cedofeita, Miguel Bombarda (onde ficava a minha casa), Torrinha e Campo Alegre... também me fazem lembrar muita coisa...
Tenho saudades desse tempo, inclusive das nossas aulas de Brasileira, marcantes mesmo! Bons tempos contigo, com a Marta, a Patricia, o Nelson e a Diana...E continuo a fazer caras estranhas, mas so para quem merece!
Tenho saudades tuas Tiago, quando apontavas todos os erros de expressão dos Profs ou frases que ficam para sempre!
Beijos grandes

gimane disse...

Sentimos. Todos. Saudades...muitas, intermináveis. :S

Kero ir para casa...sinto-me pequenina ao acabar de ler este texto...

Anónimo disse...

Ao ler o que escreveste conseguiste transpor para mim tudo aquilo que sentias... as palavras, se moldadas pelo carinho de quem as escreve, ganham um valor especial e conseguem transmitir-nos mais do que aquilo que elas próprias sabem que valem...
Sinto saudades tuas...e de todos os meus pequenos cantinhos e portos de abrigo que me vêm acompanhando durante a vida toda...

Milai disse...

faz-me falta a pureza perversa, a distância íntima, os mimos instáveis de ti.

p.s.: poderia continuar a evadir-me...mas por aqui já percebes algo...

Anónimo disse...

E eu tenho saudades de tudo o que tu és.
E talvez não saiba dizer assim como tu...
Também me senti pequenina como a Su.
e kero com toda a propriedade ir para casa. Talvez seja a mesma coisa afinal. Eu estou só a mais quilómetros.
Tenho duas lágrimas a descrever essa geografia de que tu falas. do coração, ou de por baixo da pele, como queiras.
(obrigado)

tulisses disse...

não foi intenção minorizar, antes pelo contrário. mas eu sei o que querem dizer com "senti-me pequenina", embora eu me sinta sempre grande:), aliás porque EU sou mesmo grande;)