quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Sortes

Há momentos assim, de sorte, muita sorte. Segunda lá fui eu para Lisboa. Enquanto o mundo parecia destruir-se para aqueles lados, eu ia dormitando e às vezes lendo Baía dos Tigres (de Pedro Rosa Mendes), completamente ignorante. E quando cheguei não dei por nada. Está bem que chovia um pouco, mas nem trânsito, nem inundações, nem nada de nada. Melhor.

À chegada à Gare do Oriente, Feira do Livro da Caminho. Na verdade, quase nada da Caminho, mas enfim. Muito parecida com o conteúdo da feira do Mercado Ferreira Borges, no Porto. Mas ainda assim comprei três números da revista Ficções (9, 10, 11) por três euros cada, e quatro livros de Enrique Vila-Matas: Longe de Veracruz, História Abreviada da Literatura Portátil, Filhos Sem Filhos, Bartleby & Companhia – mas o melhor é que o conjunto tinha marcado o preço de 12.5€, mas quando ia pagar fui informado que na verdade os quatro, juntos, custavam 3€!!! Fiquei contente por comprar o último conjunto que lá havia (Patrícia, não sei é quando vou ler, mas Bartleby & Companhia parece-me que tem muito a ver com uma fase que passei recentemente, e Filhos Sem Filhos parece-me muito próximo de alguma da minha ideologia quanto a descendentes…).

Tive ainda sorte de a minha tia estar ainda em casa de tarde. Não me apeteceu ir para a FLUL, lá fiquei… Sorte de ficar sozinho e rever a comunicação. Apercebi-me de que estava grande (mais 5-6 minutos do que o tempo dado) e lá seleccionei umas coisas a não dizer.

Sorte no colóquio. Adorei as comunicações, e até as de língua inglesa me foram perceptíveis. Explico-me: estávamos a falar das relações entre Direito e Literatura, coisa que nunca estudei (apesar do meu ex-relacionamento amoroso com certa pessoa dessa área) a não ser de propósito para a minha comunicação – e percebi o sentido das comunicações, as relações, os problemas…

Sorte ainda porque estava lá uma pequena feira das publicações do Centro de Estudos Comparatistas. Lá comprei 7 números da revista Textos e Pretextos por apenas 8€, no total. Falta-me apenas os números sobre Herberto Hélder, Eugénio de Andrade (que cá para mim estão esgotadas) e o mais recente, sobre Manuel Gusmão. E enquanto esperava que a coisa começasse, já carregado com as revistas, programas, resumos das comunicações, canetas e pasta do Colóquio, passei os olhos pelos índices. Se do Paulo eu sabia haver um artigo na revista sobre Eugénio de Andrade, da Denise fiquei a saber que já publicou (pelo menos) no número sobre António Ramos Rosa e no outro dedicado a Chico Buarque. Ainda não li nenhuns, mas eu prometo ler o mais breve possível (podem ler-se alguns artigos aqui).

Sorte ainda pelo facto de as sessões paralelas serem três, ao mesmo tempo (como denuncia o termo «paralelas») e assim a assistência ter-se dividido, preferindo a sessão em Inglês. Na minha foram 18 pessoas, mas noutra só estavam cinco… Mas sorte porque um dos professores que ia falar na minha sessão não pode vir. Então eu e a juíza brasileira (muito simpática, descontraída e competente) Mônica Sette Lopes ficámos com mais tempo, orientado pela também muito simpática e, convenhamos, bonita, professora Cristina Nogueira da Silva. As reacções à minha comunicação foram as esperadas: risos em alguns momentos (pelas maluqueiras dos romances), e reflexões em torno do dissídio interior. Apenas uma pergunta no fim, que me deixou um pouco atrapalhado, mas que resolvi em cinco frases. No final alguns, da assistência e as senhoras que partilhavam a mesa comigo, deram-me os parabéns e disseram que queriam ler os livros - o meu principal objectivo. Houve até quem me tivesse perguntado se este era o tema da minha dissertação – e eu disse que não, que não percebia nada de direito e coisas assim... mas as senhoras da mesa e esse assistente disseram que eu até percebia do que estava a falar (graças à internet e à investigação que tive de fazer). No fundo, eu era o puto maravilha lá da zona, que falava de coisas que ninguém conhecia. As literaturas africanas realmente são o meu futuro… acho que fui seleccionado para o colóquio mesmo por causa disso: o desconhecido que ainda é a literatura africana (lembrei-me agora da festa de casamento da Joana em que um dos convivas da minha mesa em perguntou com um ar meio curioso meio escandalizado: Há literatura em África?, depois de eu ter dito que era isso que estudava no mestrado).

Sorte nos transportes todos. Uma maravilha. Sorte na biblioteca – pude requisitar um livro só de fim-de-semana numa terça-feira…
Só não tive a sorte de puder ficar até ao fim. A dentista esperava-me quinta de manhã, na Régua. E para voltar a tempo tive de apanhar o autocarro das três e quarenta e cinco em Sete Rios. Ou seja, já não assisti à tarde do segundo dia, nem à comunicação de uma das minhas professoras do Porto – Maria de Lurdes Sampaio.

Fico por aqui. Não falo em particular de comunicações ou de oradores, até porque gostei de quase todos. Mas agradeço à organização, na pessoa da Sónia Ribeiro pelo voto de confiança, pela simpatia, pela disponibilidade.

Termino com as palavras da Su em sms: «Vai correr bem. Tu és bom. O resto são coisas em que nos fizeram acreditar, que nos iludiram. Não há presságios agoirentos, não para gente iluminada como tu. Boa sorte» (momentos antes de entrar para a minha sala, vendo um pássaro aflito tentar sair do corredor da FLUL, enquanto eu tinha um momento de recuo no tempo, voltando ao momento em que um pássaro estava preso no corredor da FLUP e batia contra os vidros, no dia em que me inscrevi no estágio e escolhi a Boa Nova como escola…). A Su percebe-me melhor do que ninguém. Mas não era uma gaivota!
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Dois pequenos fragmentos da minha comunicação «Os direitos e as leis: Os Dois Irmãos de Germano Almeida e Quantas Madrugadas Tem a Noite de Ondjaki»:

«Votado ao ostracismo pela comunidade, uma vez que fica invisível nela e para ela (ID, p.77, 127), a personagem tem de optar entre o amor do outro e o amor de si. Na perspectiva do direito natural, de tradição, não é um simples ajuste de contas, mas um exercício de justiça – a que o pai de ambos, vítima e réu, não recusa, antes incita, sabendo que depois fará o luto - e a que a mãe tenta fugir mantendo os dois, o que não está previsto no romance. Segundo a ordem positiva, André não podia matar o irmão, porque é um crime, mas segundo a ordem natural, André não podia não matar o irmão - por necessidade de desagravo sem outras justificações.» (p.3 do artigo)
[...]

«Ondjaki encena uma conversa entre um homem que fala e outro que vai ouvindo e, perante a noção da inverosimilhança da história que vai contar, o narrador tem a necessidade de alertar o seu ouvinte:

Uma pura estória daquelas com peso de antigamente, nada de invencionices de baixa categoria, estorietas, coisas dos artistas: pura verdade, só acontecimentos factuais mesmo. A vida não é um Carnaval? (QMN, p.16)

ao mesmo tempo que remete para a ideia de verdade para o leitor, não no plano da história contada, mas da possibilidade de tal acontecer por retratar a verdade (a sua verdade) dos vários sistemas convocados, dando já a pista de leitura de que o relato será do domínio do carnavalesco ou subversivo, embora real.» (p.8 do artigo)

6 comentários:

p. disse...

ena, ena! grandes novidades! ainda na terça-feira comentava com a marta (que está cá): "o Tiago deve estar em Lisboa por causa do congresso...". fico contente que tudo tenha corrido bem e apregunta no fim foi a minha vingança, da outra vez só eu é que tive direito a pergunta (e tremi dos pés à cabeça!).
e grandes achados literários! vais adorar o vila-matas, desses que compraste só não tenho o longe de veracruz, mas ainda não li os outros, só o bartleby. depois diz o que achaste!
vais estar por cá no fim-de-semana?

beijinhos e parabéns!

ps: eu acho que a textos & pretextos do eugénio há cá na fundação, talvez consiga arranjar (melhor, vender...)

tulisses disse...

hum, segunda tentativa de responder (a primeira desapareceu...).

essa "stronza" está cá e não diz nada? há-de cá vir tomar le thé des ecrivains há-de (que é bom e se recomenda).

antes a pergunta agora do que na altura. a minha comunicação sobre sophia e seus amiguinhos brasileiros era um pouco básica e feita em cima do joelho... eu também tremi quando te fizeram a pergunta... mas estiveste bem!

quanto à revista, hei-de ver lá na faculdade: ainda deve haver, mas não puseram em saldos porque já devem ter poucas - penso eu... se não eu contacto-te;)

Este fim-de-semana eu até era para ir ao Porto, à festa de aniversário da Susana mas é impossível, tenho coisas para fazer por cá... Nem sei como vai ser a minha vida próxima, além da dissertação e de resumos para mais quatro comunicações...

bjs

p. disse...

quatro?????
mas isto agora é só solicitações...
pois, tens que lhe ligar a insultá-la, não pode ser! se viesses cá podíamos jantar e ir ao ciné todos...
a parte de ter estado bem na resposta à pergunta que me fizeram é uma grande pónei... basicamente disse cinco vezes a mesma coisa com palavras diferentes! e viva a paráfrase! :)

bjs

Denise disse...

Muitos parabéns, T. Venham mais!
Quanto à T&P, o nº dedicado aos Mosntros tem uma entrevista ao Eduardo Pitta muito bem conduzida pelo Paulo.
Bjs

paulo disse...

Há que tempo que tinha agendado dar-te os parabéns. Provavelmente, a sorte não cai do céu, conquista-se.
E eu tenho há muito que te agradecer o link para a textos & pretextos no Inst. Camões. Se não tivesses sido tu, não me lembraria nem saberia como lá chegar.
Um abraço e boa Páscoa

tulisses disse...

Ao Paulo: Pois, talvez seja isso... e eu sei como é difícil gerir tempos. e não tens de agradecer, ainda bem que disponibilizaram alguns textos, e se escolheram o teu é porque é muito bom. E prometo ler essas coisas todas tuas e da denise, em breve.
Abraço