quarta-feira, abril 09, 2008

José Luís Peixoto

Ou: Procrastinação - poemas favoritas das leituras do dia de hoje III

o escritor

ele disse não sei porque escrevo o teu nome.
eu olhei para ele. eu disse o meu nome não
é tudo o que podes escrever.

ele escrevia o meu nome num papel. ele sentava-se
numa cadeira e o luar era a luz de um candeeiro
sobre as palavras escritas.

ele disse amo-te.

ele disse tenho medo que um dia deixe de poder
escrever o teu nome. eu disse o meu nome não
é tudo o que podes escrever.

ele escreveu o meu nome durante muitos anos.
e eu perguntei porque continuas a escrever
o meu nome? ele olhou para mim. e perguntou
quem és tu?


*****
mãe, cada palavra que me ensinaste repete mil vezes o teu nome.


*****
a tua ausência é, em cada momento, a tua ausência.
não esqueço que os teus lábios existem longe de mim.
aqui há casas vazias. há cidades desertas. há lugares.

mas eu lembro que o tempo é outra coisa, e tenho
tanta pena de perder um instante dos teus cabelos.

aqui não há palavras. há a tua ausência. há o medo sem os
teus lábios, sem os teus cabelos. fecho os olhos para te ver
e para não chorar.


*****
devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.


A Casa, a Escuridão, Temas e Debates, p.31, 33, 48, 66



P.S. - para a minha prima Rita, que sugeriu e insistiu, a foto do autor...

2 comentários:

Milai disse...

poemas giros!!!! muito giros!!!

tulisses disse...

são não são? parece que o senhor josé luís peixoto vale mesmo a pena. segue-se o «Cemitério de Pianos» (finalmente) e e mais dois que quero comprar. Mas já li o «Morreste-me» e «Hoje Não». recomenda-se, senhora bibliotecária.bjs