segunda-feira, agosto 22, 2011

3 poemas de Arménio Vieira


A máquina do mundo de Os Lusíadas, por Almada Negreiros,
na fachada da FLUL

Graças dou por Luís Vaz,
Ele-Mesmo, varão audaz,
como Ulisses, nadatório,
ululado por ciclópicos
bêbados canibais.

Mas quem pode afogar
tal homem, decepar suas mãos,
liquefazer seu poema?

Se é verdade que o Novo Reino
sucumbiu à foice com que Deus
decepa a espiga ruim, também é certo
que a partir de um bla-bla ruidoso
com que Viriato, mais que a funda,
espantava os filhos de Eneias,
Luís Vaz, pegando nele, criou o poema
e a pátria que deveras conta.



****

Não há guarda-chuva, João,
contra quem não te ama,
já que o amor só se dá
quando alguém, como um rio,
se alonga e entra no mar,
o qual, embora líquido e salgado,
não é teu suor nem teu sangue.


****

Epopeias

Arma virumque cano... Deixemo-nos
de tretas! Versos destes escreviam-se
antigamente, quando Eneias e Ulisses,
em barquinhos de papel, arrancavam
olhos aos cíclopes, rindo nas barbas
de Neptuno, um rei de óculos e bengala
a precisar de viagra. Ezra Pound,
cow-boy e poeta, quis ressuscitá-los.
Pensando em quem? Mussolini via-se
bem que não. era um anão gorduchinho,
parecido aos que andam nos circos
a divertir a garotada. entre um bicho
assim e um homem chamado Aquiles
a distância é de uma légua.
Canto l'arme pietose e 'l capitano...
Deixemo-nos de tretas! Nós, a mor
das vezes, somos tigres a fazer figura
de urso. As armas e os barões...
Isso era antigamente, quando os Lusos
se riam à custa de Baco, rei sem
préstimo, bebedor de vinho.


Arménio Vieira, MITOgrafias, Lisboa: Vega, 2011:p.14, 22, 43.

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