Lendo Jorge de Sena
«Que tudo seja como outrora eu vi:
Uma figura ao longe recortada.»
Jorge de Sena, Sete Sonetos da Visão Perpétua
porque soberano Amor me ronda
e nos rios o ossário dos meses
em gestação é que vagueio
na ancorada nau das canções de Babel e Sião
hipótese da pedra com sílabas de colmo
e o vento por irmão
este é o campo das regadas areias
onde Heitor apodreceu
que uma sepultura em Creta acolherá
dos deuses o corpo que lhe morreu
não eu hausto na ilha errante
da entumecida voz à míngua
dos seminais lugares da esperança
e porque senão de angústia nos armamos
da exposta lança que é a língua
como se casa houvera desnudamos
extreme peregrinação nenhuma
de visão mais torturada
«uma figura ao longe recortada».
****
MUHÍPITI
É onde deponho todas as armas. Uma palmeira
harmonizando-nos o sonho. A sombra.
Onde eu mesmo estou. Devagar e nu. Sobre
as ondas eternas. Onde nunca fui e os anjos
brincam aos barcos com livros como mãos.
Onde comemos o acidulado último gomo
das retóricas inúteis. É onde somos inúteis.
Puros objectos naturais. Uma palmeira
de missangas com o sol. Cantando.
Onde na noite a Ilha recolhe todos os istmos
e marulham as vozes. A estatuária nas virilhas.
Golfando. Maconde não petrificada.
É onde estou neste poema e nunca fui.
O teu nome que grito a rir do nome.
Do meu nome anulado. As vozes que te anunciam.
E me perco. E estou nu. Devagar. Dentro do corpo.
Uma palmeira abrindo-se para o silêncio.
É onde sei a maxila que sangra. Onde os leopardos
naufragam. O tempo. O cigarro a metralhar
nos pulmões. A terra empapada. Golfando. Vermelha.
É onde me confundo de ti. Um menino vergado
ao peso de ser homem. Uma palmeira em azul
humedecido sobre a fronte. A memória do infinito.
O repouso que a si mesmo interroga. Ouve.
A ronda e nenhum avião partiu. É onde estamos.
Onde os pássaros são pássaros e tu dormes.
E eu vagueio em soluços de sílabas. Onde
Fujo deste poema. Uma palmeira de fogo.
Na Ilha. Incendiando-nos o nome.
É onde deponho todas as armas. Uma palmeira
harmonizando-nos o sonho. A sombra.
Onde eu mesmo estou. Devagar e nu. Sobre
as ondas eternas. Onde nunca fui e os anjos
brincam aos barcos com livros como mãos.
Onde comemos o acidulado último gomo
das retóricas inúteis. É onde somos inúteis.
Puros objectos naturais. Uma palmeira
de missangas com o sol. Cantando.
Onde na noite a Ilha recolhe todos os istmos
e marulham as vozes. A estatuária nas virilhas.
Golfando. Maconde não petrificada.
É onde estou neste poema e nunca fui.
O teu nome que grito a rir do nome.
Do meu nome anulado. As vozes que te anunciam.
E me perco. E estou nu. Devagar. Dentro do corpo.
Uma palmeira abrindo-se para o silêncio.
É onde sei a maxila que sangra. Onde os leopardos
naufragam. O tempo. O cigarro a metralhar
nos pulmões. A terra empapada. Golfando. Vermelha.
É onde me confundo de ti. Um menino vergado
ao peso de ser homem. Uma palmeira em azul
humedecido sobre a fronte. A memória do infinito.
O repouso que a si mesmo interroga. Ouve.
A ronda e nenhum avião partiu. É onde estamos.
Onde os pássaros são pássaros e tu dormes.
E eu vagueio em soluços de sílabas. Onde
Fujo deste poema. Uma palmeira de fogo.
Na Ilha. Incendiando-nos o nome.
******
ISLÂNDIA
Uma variação insular
Cratera estranha, fria quanto baste
E húmida, uma secreção intumescendo
A haste da figueira e o figo único
Que a boca rasga;
Não é aqui a saga de Thor, nem a espada
De Tristão, flácida.
Dobra-se o herói de lava e, em rotação de si,
Abraça o fogo petrificado.
E teme o gelo à deriva no mar, as palavras
Brancas, o sal que escorre
- alguém disse: “da terra, de onde sois” –
seu corpo aberto em fissuras cósmicas
ou lucernário; Ele que se metamorfoseou
em relâmpago e breve sabia como derivam
no tempo os frutos e o seu esplendor;
O figo único que a palavra rasga.
Luis Carlos Patraquim, O Osso Côncavo e outros poemas, Lisboa: Caminho, 2004, p.50, 93-4, 130
Sem comentários:
Enviar um comentário