sábado, fevereiro 11, 2012

dois poemas do Doutor Jivago


Hamlet (de  Franco Zeffirelli, com Mel Gibson)

Hamlet

Extinguiu-se o sussurro. Entrei em cena.
Junto à ombreira da porta,
vou surpreendendo no eco longínquo
o quanto a vida me destina.

Uma obscuridade noturna me destaca
frente a milhares de olhos.
Se for possível, pai,
afasta de mim este cálice.

Respeito o teu obstinado desígnio
e representarei em concordância esse papel.
Está-se porém a dar agora um outro drama
e desta vez, pelo menos, peço renúncia.

Mas a ordem dos atos está já fixada.
Fatal o rumo, fatal o fim.
Em meu redor só há hipocrisia. Sinto-me só.
Viver não é simplesmente atravessar um campo.

***

Março

O Sol empapa as gentes de suor
e o barranco agita-se abrasador.
Como o de uma vigorosa pastora
na primavera o labor escalda as mãos.

Desfalece a neve, enferma de anemia,
em ramificações de debilitadas veias azuladas.
Mas vibra de vida o estábulo
e espelham saúde os dentes das forquilhas.

Oh, estas noites, estes dias e estas noites!
O tamborilar das gotas a meio do dia,
pedacinhos de gelo a fundirem-se nos telhados,
chilreio de arroios que não dormem!

Tudo escancarado, a colheita e o estábulo.
Na neve as pombas debicam a aveia
e, de tudo o que é vivificante e reconhecível,
aromatiza o fresco ar o estrume.


Boris Pasternak, O Doutor Jivago, Público/Mil Folhas, 2002: 551, 553

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