segunda-feira, fevereiro 20, 2012

três poemas de Wisława Szymborska



Nada duas vezes

Duas vezes nada acontece
nem acontecerá. E assim sendo,
nascemos sem prática
e sem rotina vamos morrendo.

Nesta escola que é o mundo,
mesmo os piores
nunca repetirão
nenhum inverno, nenhum verão.

Os dias não podem ser repetidos,
não há duas noites iguais,
não há beijos parecidos,
não se troca o mesmo olhar.

Ontem, o teu nome
em voz alta pronunciado
foi como se uma rosa
me tivessem atirado.

Hoje, ao teu lado,
voltei a cara para a parede.
Rosa? O que é uma rosa?
Será flor? Talvez rocha?

Porque tu, ó má hora,
me trazes a vã tristeza?
Se és, tens de passar.
Passarás - e daí a tua beleza.

Abraçados, enlevados,
tentaremos vencer a mágoa,
mesmo sendo diferentes
como duas gotas de água.


**
Parábola

Os Pescadores tiraram uma garrafa das profundezas.
Havia nela um papel que continha as seguintes palavras:
"Acudam! Estou aqui. O oceano atirou-me para uma ilha deserta. Estou junto à água à espera de ajuda. Depressa. Estou aqui!"
- Não traz data. Por certo já e tarde. A garrafa poderia ter andado à deriva por muito tempo - disse o primeiro pescador.
- E não indicou o lugar. O oceano, pode ser um qualquer - disse o segundo pescador.
- Não é por ser tarde nem longe. A ilha Aqui pode estar em qualquer parte - disse o terceiro pescador.
Sentiram embaraço, fez-se silêncio. Com as verdades universais, é sempre assim.

***

Impressões do teatro


Para mim, o mais importante na tragédia é o sexto ato:
o ressuscitar no campo de batalha,
o agitar das perucas e dos trajes,
o arrancar da faca do peito,
o tirar da corda do pescoço,
o dispor-se na fileira entre os vivos
de cara voltada para o público.

As vénias individuais e coletivas:
a mão branca sobre a ferida no peito,
o reverenciar da suicida,
o acenar da cabeça cortada.

As vénias aos pares:
a fúria dando o braço à brandura,
a vítima trocando um olhar doce com o carrasco,
o rebelde sem rancor acertando o passo com o tirano.

O pisar da eternidade com a biqueira da botina dourada.
O escorraçar da moral com a aba do chapéu.
A incorrigível prontidão de recomeçar amanhã.

A entrada em fila indiana dos mortos
nos actos terceiro, quarto e nos entreatos.
O milagroso retorno dos desaparecidos sem notícia.

Pensar que esperavam pacientemente nos bastidores,
sem tirarem as vestes,
sem limparem a maquilhagem,
comove-me mais do que as tiradas trágicas.

Porém, o mais sublime é o cair do pano
e o que se avista através da fresta minguante.
Aqui, uma mão apressa-se para chegar às flores,
acolá, uma outra apanha a espada caída.
Por fim, uma terceira mão invisível
cumpre o seu dever:
aperta-me a garganta.


Czesław Miłosz e Wisława Szymborska, Alguns Gostam de Poesia. Antologia, Lisboa: Cavalo de Ferro, 2004:113, 135, 153

outras referências aqui.

1 comentário:

José Quinto Barcelos disse...

Não conhecia esta poetisa. Mas elas são tantas, desde Safo! Sinceramente estes três poemas não se aceleraram o fluxo de sangue à alma. No entanto, quem sou eu,humílimo poeta-amador do sul da Lusitânia para compreender e apreciar um Prémio Nobel - embora haja uns mais puros que outros.

professorquintobarcelos@gmail.com (licenciado pela U. Coimbra - Mestre pela Universidade do Porto, 24-04-2014)blog: diamanteslunda.blogspot.com