O que faz falta
O que faz falta, para Maria Lúcia Lepecki, nestas questões de poesia no ensino secundário, é deixar a poesia ser poesia: “superfície e profundidade”, “mistério”, “musicalidade”, “representações e significados”.
O que faz falta é uma verdadeira metodologia do ensino da poesia. Não só no ensino secundário e obviamente. Já no ensino básico os alunos lêem uns poucos poemas, tendo ainda a ideia de que os poetas não são “umas pessoas muito normais” e que “os poemas são textos difíceis”. E os professores partilham da opinião, colocam os poetas de lado e continuam com o texto narrativo. Até que os alunos chegam ao ensino secundário e são confrontados com Sophia, Torga, Eugénio, Herberto ou Al Berto nos seus poemas ligeiramente mais difíceis e as dificuldades aumentam, bem como o desinteresse e o “desprazer”.
Interessante e necessário será motivar os alunos desde muito cedo para a fruição estética da língua, do poema na sua componente verbal: sons, ritmos, cadências, rimas, repetições, prolongando a infância onde já se contactou com trava-línguas, lenga-lengas e adivinhas. E conduzir os alunos gradualmente para o jogo que a poesia encerra em si, para a poesia visual, para os poemas tradicionais, para os grandes poetas nas suas composições mais simples (aparentemente), de sabor medieval, até. E começar também, de forma provocatória, a desmistificar a poesia: todas as palavras são permitidas, tudo é assunto para a poesia, “tudo é tempo de poesia”. E então surgem os grandes temas, acompanhados de metáforas, comparações, imagens, hipérboles: vida, amor e morte – e todos os assuntos a eles ligados.
Introduzir os alunos na “cidade da poesia” é possível recorrendo ao desafio, “ao mistério” e à “questão de superfície e de profundidade”. Mostrar que um poema pode ser interpretado de diversas formas, dependendo da leitura que se faz dele – individual ou colectiva, contextualizada ou descontextualizada, analítica ou expressiva. A poesia é para ser lida (ou comida), mas em voz alta, com todas as técnicas que se aconselham: boa colocação de voz, volume adequado, expressividade, respeito pelo ritmo, acento de determinadas palavras-chave. E reler, muitas vezes, até que o poema fique em nós, sempre pronto a ser activado em qualquer altura. E reler novamente até que a sua forma e estrutura se justifiquem por si mesmas, tudo comungue de uma unidade própria que poderá ser destruída por uma outra forma de unidade, vista por outro leitor, mas que não deixa de ser a nossa forma, com todas as virtudes e falas inerentes. E só assim o poema será dito, ou antes, passado aos alunos. Só pela técnica do jogo ou pela técnica do encantamento podemos seduzir os alunos para os mistérios da poesia.
Na prática docente, isso poderá ser difícil. Das aulas que observei no sétimo ano, as adivinhas e trava-línguas seduziram os alunos, “A Nau Catrineta” também teve os seus efeitos positivos, mas “Chuva Fina” de Cecília Meireles foi já um choque para o qual os alunos não estavam preparados. Poesia próxima deles, com as inquietações deles funciona melhor. Nas aulas de reforço, pude trabalhar com alguns o ritmo do Hip Hop de Boss AC em “Que Deus” por confronto temático com “Os Senhores da Guerra” dos Madredeus – e a sedução foi de outro género. Foi sedução efectiva.
No décimo segundo ano, em que o programa e o fantasma do exame final não permitem perdas de tempo, nota-se uma difícil abertura e compreensão da poesia de Pessoa. Ainda me lembro de tentar dar o poema “Pobre e velha música” de Pessoa, em que tentei demonstrar, entre outras coisas, a importância da escolha das palavras que, alteradas, mudam todo o sentido do texto: e era apenas o caso de uma preposição “inocente”. Ou Alberto Caeiro (anti-poeta) de que os alunos gostaram, o “senhor estranho” que vê as coisas como elas são, sem inventar para elas realidades outras. E os alunos aperceberam-se de que convivem com a poesia no dia-a-dia, que nasceram com ela, pois entendiam as refutações do “senhor estranho” e viam outra realidade: a que está diante dos seus olhos.
Mistério e jogo, sedução e encantamento: duas abordagens diferentes, auxiliadas pela fruição, que se devem complementar para atrair o maior número de alunos possível, porque se a poesia “não se diz”, ela está nas ruas, expectante.
O que faz falta, para Maria Lúcia Lepecki, nestas questões de poesia no ensino secundário, é deixar a poesia ser poesia: “superfície e profundidade”, “mistério”, “musicalidade”, “representações e significados”.
O que faz falta é uma verdadeira metodologia do ensino da poesia. Não só no ensino secundário e obviamente. Já no ensino básico os alunos lêem uns poucos poemas, tendo ainda a ideia de que os poetas não são “umas pessoas muito normais” e que “os poemas são textos difíceis”. E os professores partilham da opinião, colocam os poetas de lado e continuam com o texto narrativo. Até que os alunos chegam ao ensino secundário e são confrontados com Sophia, Torga, Eugénio, Herberto ou Al Berto nos seus poemas ligeiramente mais difíceis e as dificuldades aumentam, bem como o desinteresse e o “desprazer”.
Interessante e necessário será motivar os alunos desde muito cedo para a fruição estética da língua, do poema na sua componente verbal: sons, ritmos, cadências, rimas, repetições, prolongando a infância onde já se contactou com trava-línguas, lenga-lengas e adivinhas. E conduzir os alunos gradualmente para o jogo que a poesia encerra em si, para a poesia visual, para os poemas tradicionais, para os grandes poetas nas suas composições mais simples (aparentemente), de sabor medieval, até. E começar também, de forma provocatória, a desmistificar a poesia: todas as palavras são permitidas, tudo é assunto para a poesia, “tudo é tempo de poesia”. E então surgem os grandes temas, acompanhados de metáforas, comparações, imagens, hipérboles: vida, amor e morte – e todos os assuntos a eles ligados.
Introduzir os alunos na “cidade da poesia” é possível recorrendo ao desafio, “ao mistério” e à “questão de superfície e de profundidade”. Mostrar que um poema pode ser interpretado de diversas formas, dependendo da leitura que se faz dele – individual ou colectiva, contextualizada ou descontextualizada, analítica ou expressiva. A poesia é para ser lida (ou comida), mas em voz alta, com todas as técnicas que se aconselham: boa colocação de voz, volume adequado, expressividade, respeito pelo ritmo, acento de determinadas palavras-chave. E reler, muitas vezes, até que o poema fique em nós, sempre pronto a ser activado em qualquer altura. E reler novamente até que a sua forma e estrutura se justifiquem por si mesmas, tudo comungue de uma unidade própria que poderá ser destruída por uma outra forma de unidade, vista por outro leitor, mas que não deixa de ser a nossa forma, com todas as virtudes e falas inerentes. E só assim o poema será dito, ou antes, passado aos alunos. Só pela técnica do jogo ou pela técnica do encantamento podemos seduzir os alunos para os mistérios da poesia.
Na prática docente, isso poderá ser difícil. Das aulas que observei no sétimo ano, as adivinhas e trava-línguas seduziram os alunos, “A Nau Catrineta” também teve os seus efeitos positivos, mas “Chuva Fina” de Cecília Meireles foi já um choque para o qual os alunos não estavam preparados. Poesia próxima deles, com as inquietações deles funciona melhor. Nas aulas de reforço, pude trabalhar com alguns o ritmo do Hip Hop de Boss AC em “Que Deus” por confronto temático com “Os Senhores da Guerra” dos Madredeus – e a sedução foi de outro género. Foi sedução efectiva.
No décimo segundo ano, em que o programa e o fantasma do exame final não permitem perdas de tempo, nota-se uma difícil abertura e compreensão da poesia de Pessoa. Ainda me lembro de tentar dar o poema “Pobre e velha música” de Pessoa, em que tentei demonstrar, entre outras coisas, a importância da escolha das palavras que, alteradas, mudam todo o sentido do texto: e era apenas o caso de uma preposição “inocente”. Ou Alberto Caeiro (anti-poeta) de que os alunos gostaram, o “senhor estranho” que vê as coisas como elas são, sem inventar para elas realidades outras. E os alunos aperceberam-se de que convivem com a poesia no dia-a-dia, que nasceram com ela, pois entendiam as refutações do “senhor estranho” e viam outra realidade: a que está diante dos seus olhos.
Mistério e jogo, sedução e encantamento: duas abordagens diferentes, auxiliadas pela fruição, que se devem complementar para atrair o maior número de alunos possível, porque se a poesia “não se diz”, ela está nas ruas, expectante.
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