domingo, maio 18, 2008

3 poemas de Carlos de Oliveira

Canto

I

Cantar
é empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras
fique embora mais breve a nossa vida

II

Tu, coração, não cantes menos
que a harmonia da terra,
nem chores mais
que as lágrimas dos rios.

**

Estrelas

O azul do céu precipitou-se na janela. Uma vertigem, com certeza. As estrelas, agora, são focos compactos de luz que a transparência variável das vidraças acumula ou dilata. Não cintilam, porém.
Chamo um astrólogo amigo:
"Então?"
"O céu parou. É o fim do mundo."
Mas outro amigo, o inventor de jogos, diz-me:
"Deixe-o falar. Incline a cabeça para o lado, altere o ângulo de visão."
Sigo o conselho: as estrelas rebentam num grande fulgor, os revérberos embatem nos caixilhos que lembram a moldura dum desenho infantil.

***

Sobre o lado esquerdo

De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa: “o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração”.

A Poesia de Carlos de Oliveira, apresentação crítica, selecção, notas e sugestões para análise literária de Manuel Gusmão, Seara Nova/Comunicação, p. 116, 127, 131

4 comentários:

Anónimo disse...

VI A IDADE, VI O GATO.
VI OS LIVROS E OS FILMES ...
ALGO ME TOCOU MUITO FUNDO. EU SEI QUE A MÚSICA ,QUE A POESIA, QUE O BELO--MENOS A JUVENTUDE-- É INTEMPORAL, MAS PRESTO HOMENAJEM AO (À)JOVEM, NÃO REPAREI NEM ME IMPORTA O SEXO,QUE TEM ESTES INTERESSES...
PARABÉNS
TINA


mtinaedu@gmail.com

tulisses disse...

O jovem aqui agradece!

E podes voltar sempre que quiseres, que eu é que fico homenageado quando cá vem/vêm!

T.

anjo disse...

Apetece ler e reler muitas vezes em voz alta, não é?

tulisses disse...

sim, sempre. é um poeta que me oferece resistência, e por isso gosto mais. e é pena não ser mais lido por aí...