quinta-feira, novembro 30, 2006

O Erótico e o Pornográfico


Esbocemos uma distinção entre o denominado erótico e o denominado pornográfico. Trata-se de duas coisas totalmente diferentes. Podem até ter um certo objectivo comum: a elevação do ser humano para o tema do amor, do desejo e do sexo, mas usam linguagens totalmente opostas.
O termo “erótico” vem da palavra grega “erotikos”, que, por sua vez, derivou de outra palavra grega que significa amor – “eros”-, ao passo que a “pornografia” deriva de “pornographos”, palavra grega que quer dizer “escrever sobre prostitutas”.
Geralmente mais grosseira, mecânica e mais explícita do que o material erótico, a pornografia não se esforça por criar histórias credíveis ou um contexto adequado às representações sexuais. O material erótico é menos implícito, mas muito mais fantasioso, poético. Não mostra tudo, preto no branco, o que permite que a imaginação humana explore outros campos e trabalhe por si mesma, atingindo níveis ainda mais interessantes de prazer literário do que com uma linguagem mais explicita.
Em certos dicionários, erótico tem como sinónimo o “amor sensual”, o “lascivo”, enquanto que o pornográfico tem, como sinónimo a “devassidão”, “assuntos e actos obscenos”, “impúdico”.E o que se passa na literatura, passa-se, a meu ver, igualmente, nos outros campos da arte, até porque o erótico é socialmente aceite, enquanto que o pornográfico está ainda dentro de um certo tabu difícil de ultrapassar. No campo da Literatura os limites de um e outro são mais fáceis de esbater, prevalecendo uma outra distinção ténue: o que tem qualidade literária e o que não tem essa qualidade.
Hoje em dia temos uma relação bastante contraditória em relação às obras literárias eróticas. Nunca tivemos tanto acesso à pornografia, sobretudo com o aparecimento e desenvolvimento da Internet. O erotismo literário, no entanto, permanece tão marginal como sempre foi e será. Mas, numa sociedade como a nossa em que cada vez se dá maior importância à imagem, quase toda a obscenidade é convertida para as imagens. Assim, com tantas imagens explícitas à disposição, a literatura obscena deixou de ser o principal estímulo erótico das pessoas, como foi nos tempos antigos.
Entre as civilizações clássicas, foram os gregos que melhor colocaram a expressão literária ao serviço do homem, em peças, poemas e diálogos filosóficos. Na comédia Lisístrata, de Aristófanes, por exemplo, as mulheres fazem uma greve sexual contra os maridos. A poetisa Safo cantou o amor, sobretudo, ao que perece pelos poucos fragmentos que até nós chegaram, o lésbico. O filósofo Platão definiu as formas de amar em O Banquete. Os romanos continuaram o trabalho dos gregos, em obras como A Arte de Amar, de Ovídio, e Satyricon, de Petrónio, tornando-se cada vez mais escabrosos, até que a expansão do cristianismo acabasse com a farra.
A partir daí, o sensualismo clássico caiu em decadência. E, pouco a pouco, a literatura erótica entrou para a clandestinidade e, de certa forma, permanece até hoje. O que não quer dizer, porém, que ela tenha deixado de circular de mão em mão, ou de boca em boca. Histórias, versos e escritos eróticos correram a Europa durante a Idade Média e, finalmente, no Renascimento, voltaram a ter grande expressão, como nos poemas apimentados de Aretino ou em algumas histórias picantes do Decameron, de Boccaccio.
Depois da invenção da imprensa, em 1455, deixou de ser possível controlar a difusão de livros eróticos pelo mundo, pelo que a partir dos séculos XVII e XVIII, proliferaram pela Europa, provenientes sobretudo de França e de Itália. Sempre perseguidos pelo Estado e pela Igreja, os autores destes livros, às vezes célebres personalidades, escondiam-se atrás de pseudónimos. Com frequência, os livros servem ao mesmo tempo como excitante sexual e sátira aos governantes, aos costumes e aos religiosos. É desse período a obra mais polémica da literatura erótica, a do Marquês de Sade.
No final do século XIX e início do XX assiste-se à perda dos limites entre alta literatura e erotismo. Escritores já não temem misturar aos seus temas elevados algumas cenas mais quentes. E alguns chegam mesmo a fazer do próprio sexo o aspecto central das suas obras, como em O Amante de Lady Chatterley, do inglês D. H. Lawrence, ou em Lolita, do russo Vladimir Nabokov.
Por vezes, com uma linguagem chocante e histórias escabrosas, os livros eróticos abordam alegrias, angústias e dramas da nossa sexualidade. Demonstram como o sexo se relaciona com uma rede de outros sentimentos. Apontam como a sexualidade pode ser manipulada por tiranos ou por religiosos a fim de escravizarem os seres humanos. Desmontam a hipocrisia das pessoas e das instituições, e ensinam como tirar maior prazer durante o acto sexual. Dissecam o modo como a sexualidade pode levar o homem a afrontar perigosamente os seus limites morais, e esclarecem tudo o que o erotismo tem de revolucionário para as pessoas.

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