segunda-feira, novembro 17, 2008

Selecção sofrida e demorada, mas breve, da poesia reunida de Jorge Sousa Braga


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Alguns enxames de abelhas invadiram o Museu do Louvre e exploraram cuidadosamente todas as naturezas mortas com flores, não tendo deixado um único grão de pólen.

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Era quase tão bela como a Vénus de Milo. Um dia cortou os braços a sangue frio.

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Na tarde em que ia morrer estava Sócrates com os seus discípulos quando um pássaro com um ramo de ervas no bico irrompeu na cela. Depois de ter bebido a cicuta, Sócrates continuou discorrendo durante algum tempo ainda, sobre a imponderabilidade do pensamento. Morreu com um sorriso na boca. Os discípulos repartiram entre si os objectos de uso pessoal. O pássaro que até aí se mantivera na penumbra apoderou-se do sorriso e desapareceu no céu de Atenas.

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Cabril

Esta noite sonhei que era um rio. Um rio pequenino, é certo, que nada mais conhecia além das montanhas onde nascia, dos amieiros e dos juncos que nele se debruçavam. Como todos os rios, o que eu mais ardentemente desejava era desaguar. Comecei a perguntar onde ficava o mar, mas ninguém me sabia responder. Apontavam-me com um gesto vago ora o este ora o oeste. Escolhera já a forma de desaguar – em delta, claro – mas não recolhera ainda o menor indício da proximidade do mar. Uma noite em que estava acampado ente as dunas cheguei finalmente a uma conclusão (a mesma a que todos os rios chegaram talvez antes de mim): o mar não existia.

(E essa conclusão era salgada.)

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A borboleta que poisou
no teu mamilo perdeu
a vontade de voar

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Vou ao céu
E venho-
-me

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Qual é a minha
ou a tua
língua?

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O Velho Poeta

O seu desejo era que plantassem
um espinheiro numa nesga de

terra frente ao mar e ao rio
e que ele florisse nem

que fosse uma única vez
Este espinheiro protegê-lo-ia

mais do frio que um edredão
A nesga de terra continua lá

e o mar e o rio e a manhã
Só o espinheiro e o poeta

é que não

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A Religião da Cor

A paleta está cheia de cores: azul-celeste, laranja, rosa, cinábrio, amarelo vivo, violeta, borra de vinho.

Falta-me uma cor ainda. Para pintar a inexistência de Deus.

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Van Gogh por ele próprio

Vivo numa cela. O universo é uma cela com três metros de comprimento por dois de largura. Fecharam-se nesta cela e disseram-me: Bem, Vincent, agora podes correr à vontade.


Jorge Sousa Braga, O Poeta Nu, Assírio & Alvim, p.30, 36, 37, 99, 178, 179, 184, 277, 296, 299.

5 comentários:

SP disse...

Que dizer a cada um dos amigos que me disseram: gosto de ti - vem e fica??

Deixo este testemunho: esta luz forte e sublime.

OBRIGADO!

muito obrigado*

tulisses disse...

quer dizer que voltaste? que bom! vou poder continuar a descobrir mais da poesia - dos outros e tua! Quem bom!

abraço

Unknown disse...

só para dizer que gosto muito da poesia do jorge sousa braga.e sim. tenho de trabalhar , por isso aqui. beijo

Anónimo disse...

oh.. porque apareceu assim? eu sou mim.
:(

tulisses disse...

lol, serás sempre a mim... fica-te tão bem! e depois, Marta já tenho uma outra, também especial, no colégio. Mas serás sempre a mim, a das coisas todas. e jorge sousa braga é muito bom. e não me fales em trabalho, que me apetece atirar-me da janela! boa sorte com a comunicação ;)

bjs