segunda-feira, julho 06, 2009

III. 29. E pur si muove


Sentia-se triste como uma casa sem móveis.

Flaubert, Madame Bovary

Os móveis enchiam o espaço interior, e cada um de nós tropeçava, batia, não vivia nele, porque tomavam conta de nós de forma opressiva. Não havia vazio, nem silêncio. E cada um de nós seguiu o seu rumo. Depois, aos poucos, desbaratadas no vento as lembranças e as palavras, queimados que foram os gestos, ficámos sós, eu e a casa. E embora a solidão não doa, entristece. Como a casa sem ti. E perante a minha imobilidade, a minha descrença do vazio que nos tornámos, ela age por mim: de cada vez que olho pelas janelas apercebo-me da mudança como se estivesse num comboio, do que vem e do que ficou para trás, e sempre que me sento no alpendre tenho novas paisagens para apreciar. É a sua forma de ser mais do que uma casa e de me ajudar. Mas alguns sentimentos não se mudam ao mudar-se uma casa, em todos os sentidos.

2 comentários:

anjo disse...

____________________de cada vez que olho pelas janelas apercebo-me da mudança como se estivesse num comboio, do que vem e do que ficou para trás_______________________ muito poética e ao mesmo tempo terrivelmente triste e bela esta imagem.

Um abraço assim «««

tulisses disse...

às vezes somos apenas nós que queremos ver diferenças lá fora, mesmo que vivamos na imobilidade total...

abraço