«Quando Abril com suaves aguaceiros
sacia a sede de Março até às raízes...»
Com a tua voz no seu tom mais elevado, balançando no cimo de um escadote,
braços erguidos - para te equilibrares e
segurares as rédeas da esforçada atenção
daquela tua audiência imaginária - declamaste Chaucer
para um campo com vacas. E o céu da Primavera fez o resto,
com a roupa lavada a escoaçar, o verde-esmeralda
dos espinheiros, o espinheiro branco, o espinheiro negro,
tu com um daqueles copos de champanhe
a que tinhas deitado a mão na arrebatação do momento.
A tua voz voou pelos campos até Grantchester.
Deve ter soado a perdida. Mas as vacas
olharam, e aproximaram-se logo: elas apreciavam Chaucer.
E tu continuaste. Havia razões
para recitar Chaucer. Seguiu-se uma divertida Mulher de Bath,
a tua personagem favorita de toda a literatura.
Estavas arrebatada. E as vacas fascinadas.
Empurravam-se e roçavam-se, faziam um círculo
para contemplar o teu rosto, dando alguns bramidos ocasionais
de exclamação, para avivar a sua assombrosa capacidade de atenção,
de ouvidos à escuta para apanhar todas as inflexões,
à respeitosa distância de dois metros.
Tu simplesmente não conseguias parar. Que podia acontecer
se resolvesses parar. Seriam capazes de te atacar,
assustadas com o choque do silêncio, ou só porque queriam mais? -
E por isso tiveste de continuar. E continuaste -
vinte vacas ficaram contigo, hipotizadas.
Como é que conseguiste parar? Não me lembro
De teres parado. Imagino que se foram embora cambaleando -
a revirar os olhos, como que atraídas pelo cheiro da erva.
Imagino que as devo ter enxotado. Mas
a tua interpretação de Chaucer em sustenido
já era eterna. Aquilo que se seguiu
encontrou a minha atenção demasiado ocupada
e teve de regressar ao esquecimento.
Ted Hughes, Cartas de Aniversário, tradução de Manuel Dias, Lisboa, Relógio D'Água, 2000, p.111
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Cena do momento em que Sylvia Plath declama Chaucer para uma audiência constituída por Ted Hughes e vacas, no filme Sylvia de Christine Jeffs, com Gwyneth Paltrow e Daniel Craig (2003).
6 comentários:
Tiago, como és culto, meu deus, isso não dói?
cara carol (sim, li o email que me mandaste a identificar-te)isto não é ser culto, é ler uns livros e depois chegar aqui e pôr uns poemas de que se gosta... e quando me lembro de mais qualquer coisa, ponho junto... Não dói, dói
é saber que ainda falta muito para ser culto! ;)
bjs
Amigo,
és das pessoas mais cultas que conheço e o melhor é que quando se fala contigo, ao vivo e a cores, tu brilhas, mesmo sem extinguir a luz dos outros...e a isso eu não chamo uma pessoa culta, mas sim especial.
ui meu Deus, essa agora foi para eu corar imenso, não? É que o brilho só pode ser das minhas faces enrubescidas;) obrigado pela descrição exacta da minha pessoa ;), que é ainda mais bem-vinda por vir de uma pessoa tão especial como tu! bjs
Não conheço Ana Luisa mas já principio a gostar mto dela ; ]
Vês? 2 x 1 para nós (vencemos)
bjos, Carol
Tenho saudades dos teus posts e comentários.
Um abraço... peludo!
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