sábado, junho 11, 2011

2 poemas de Natércia Freire

Cidade de Água

O sol e o mar recolhem-se na infância
De áridas terras e de casas frias.
São um ser que já foi, nessa distância,
De estar no Tempo em praias de outros dias.


Por dentro, é a penumbra do casulo,
Cerrado à luz na expectativa informe.
Se vou nascer - a vida não regulo;
Se vou morrer - a morte ainda não dorme.


Tinha histórias de espectros para contar,
Labirintos de seda para correr.
Tudo o que foi o inverno do luar,
Numa cidade de água a amanhecer...



*****

Guerra


São meus filhos. Gerei-os no meu ventre.
Via-os chegar, às tardes, comovidos,
nupciais e trementes
do enlace da Vida com os sentidos.


Estiveram no meu colo, sonolentos.
Contei-lhes muitas lendas e poemas.
Às vezes, perguntavam por algemas.
Respondia-lhes: mar, astros e ventos.


Alguns, os mais ousados, os mais loucos,
desejavam a luta, o caos, a guerra.
Outros sonhavam e acordavam roucos 
de gritar contra os muros que há na Terra.


São meus filhos, gerei-os no meu ventre.
Nove meses de esperança, lua a lua.


Grandes barcos os levam lentamente..




Natércia Freire, Antologia Poética, Lisboa: Assírio & Alvim, 2001

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