domingo, outubro 30, 2011

Desafio: 10

Mês de tudo e muito preenchido, em que se rouba ao sono, à perda de tempo em deslocações e em cozinhar, coisas assim. É assim que se faz. O desafio continua em bom ritmo e parece-me, ainda, que será realizável, assim me ajudem todos os deuses do Olimpo :)
Destaque para Al Berto e sua poesia, e ainda para José Jorge Letria, nos livros. Nos filmes, Melancholia, Little Miss Sunshine e Midnight in Paris foram as melhores novidades ou surpresas. Tempo para rever The Lord of the Rings, agora em versão (mais) longa e para, finalmente, ver os Pirates of the Caribean...
Um sábado foi passado com Kate Winlet, ou antes, com Mildred Pierce - e foi muitíssimo muito bem passado, recomendo :)
Em Braga, entre a muita oferta, aproveitei para ir ver Teatro Menor, uma peça de teatro feita de pequenos quadros reflexivos, filosóficos, metalinguísticos e de que gostei muito, e ainda para voltar a «ouver» Rodrigo Leão e Cinema Ensemble, outra vez - genial.


Livros:

111. O Macaco Gramático, Octavio Paz, DN, 128p.***
112. Caderneta de Cromos Contra-Ataca, Nuno Markl, Objetiva, 236p.*****
113. O Medo, Al Berto, Assírio & Alvim, 704p.****(*)
114. Lunário, Al Berto, Assírio & Alvim, 166p.***
115. Lenha Seca, Costa Andrade, UEA, 84***
116. Arcano Dezenove, Renata Bomfim, Flor de Cultura, 100p.**(*)
117. Contos Impopulares, Agustina Bessa-Luís, Guimarães, 224p.***
118. Bola com Feitiço, Uanhenga Xitu, BI, 80p.***
119. Produto Interno Lírico, José Jorge Letria, Visão, 56p.*****
120. As vozes de Marraquexe, Elias Canetti, Planeta, 140p.*****
121. O Canto da Corvina Preta, Mario Delgado Aparaín/Incidente na Rua 9 Este, Jill Drower, Asa, 48p.****
122. Menina a Caminho, Raduan Nassar, Cotovia, 84p***(*)

Filmes:

208. The Tree of Life, Terrence Malick**(*)
209. Little Miss Sunshine, Jonathan Dayton e Valeria Faris*****
210. Attack the Block, Jor Cornish**
211. Horrible Bosses, Seth Gordon****
212. Drive, Nicolas Winding Refn****
213. The Perfect Host, Nick Tomnay**
214. Ironclad, Jonathan English****
215. Melancholia, Lars Von Trier*****
216. Hitch, Andy Tennant****
217. Sanctum, Alister Grierson***(*)
218. To Save a Life, Brian Baugh**(*)
219. The Back Up Plan, Alan Poul***(*)
220. Everyone's Hero, Colin Brady, Christopher Reeve e Dan St. Pierre***(*)
221. El Estudiante, Roberto Girault*****
222. Orphan, Jaume Collet-Serra****(*)
223. Midnight in Paris, Woody Allen*****
224. Baby Blues, Lars Jacobson e Amardeep Kaleka**
225. L'Affaire Farewell, Christian Carion*****
226. Lissi und der wilde kaiser, Michael Herbig***(*)
227. Pirates of the Caribean: The Curse of the Black Pearl, Gore Verbinski****(*)
228. Pirates og the Caribean: The Dead Man's Chest, Gore Verbinski*****
229. Pirates of the Caribean: At World's End, Gore Verbinski*****
230. Pirates of The Caribean: On Stranger Tides, Rob Marshall****
231. Crazy, Stupid, Love, Glenn Ficarra e John Requa*****
232. Rubber, Quentin Dupieux*(*)
233. Monsters vs Aliens, Rob Letterman et alii****
234. Planet 51, Jorge Blanco et alii*****
em versão «Blu-Ray extended» a trilogia:
235. The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, Peter Jackson*****
236. The Lord of the Rings: The Two Towers, Peter Jacjson*****
237. The Lord of the Rings: The Return of the King, Peter Jackson***** 
238. Grindhouse - Planet Terror, Robert Rodriguez***(*)
239. Grindhouse - Death Proof, Quentin Tarentino,**(*)
240. $9.99, Tatia Rosenthal****(*)

sábado, outubro 29, 2011

três poemas de José Jorge Letria



Teoria geral da chuva

A chuva não sabe enterrar os mortos
nem apagar a dor de quem os chora.
É torrencial e abrupta como a paixão
invernosa dos amantes sem remorso.
À noite oiço-a bater no telhado, sincopada,
com a sua presença felina e esquiva,
e cada gota é uma sílaba, um aviso,
um compasso triste de um alonga espera.
E a chuva vai e volta, herdeira
da pureza das fontes e da saudade das águas.
Vêm os mortos e lavam-se na chuva,
com os seus cântaros e as suas conchas,
com os seus crepes e com os seus murmúrios.
Por vezes, acende-se uma luz dentro da chuva
e a noite torna-se retangular e ostensiva,
sem nada que a comprometa com a ternura.
Escancara as portas e expulsa os intrusos.
Nunca procurei ninguém nos recantos da chuva,
nem nas folhas do chá, nem na insónia
das bebidas espessas e recônditas.
A chuva aprendeu a lavar as almas,
mas depressa se esqueceu do método e da hora,
porque é leviana e volátil como os corpos
que se entregam e se esgotam no furor da conquista.
Foi a chuva que me encheu a boca
de vocábulos lamacentos e brutais
que não são sequer dignos do leitor.


***

As cidades cúmplices

As cidades são a minha fuga, o meu refúgio,
o meu lugar de não ter nome, de não ter casa.
Fujo para as cidades para me perder de mim,
para só me encontrar nos livros que trago
dos esconderijos mais secretos das cidades.
As cidades são as minhas cúmplices. Elas sabem-no.
Tal como acontece com os livros,
sei que nem dez vidas me chegariam para as ler,
para as aprender, para me apaixonar por elas.
São amores fugazes, apressados, indolores.
Não deixam cicatrizes nem remorsos. Apagam-se devagar,
como os círculos ou as estrelas desenhadas a giz
no quadro mais negro do negrume da tristeza.
As cidades são o cálice minguado
em que entorno a luz em vez de vinho,
em que derramo a espuma em vez do néctar.
Retrato-as, retrato-me nelas vorazmente,
sempre a cores, junto das fontes, à porta das catedrais,
sobre as pontes, encostado às estátuas
que dão sombra à sonolência alada dos pombos doentes.
Eu nunca trago as cidades comigo.
Deixo nelas, como penhor da alma, o fio de uma saudade
que o tempo se encarrega de cortar
no ponto em que a ausência sabe a mágoa.

*****

Sobre os poetas que inventam
 
Tenho na mesa uma estrela do mar
e na almofada uma rosa dos ventos.
Tudo me sabe a viagem, mesmo quando
permaneço imóvel, separando no cais
o centeio e o vinho, a pimenta e o ouro.
Não fui almirante de nenhuma armada
nem grumete de nenhum naufrágio;
fui a nau frágil da loucura das ondas,
o albatroz rendido ao chamamento do longe,
a sereia apodrecida nas redes da faina.
Nesse tempo em que eu era tudo e não era nada,
em que existia somente na perdição dos mapas,
vinham as viúvas chorar por mim
com lágrimas do tamanho de pérolas,
do tamanho de conchas no desespero das dunas.
Ai dos poetas que se alimentam apenas do vivido,
ai dos olhos vencidos pela evidência do real.
Eu sou dos que inventam, dos que sempre inventaram,
dos que não podem ser levados a sério,
mesmo quando vestem a roupagem da tristeza absoluta.
Um poeta não pode resumir-se ao que é tangível,
sob pena de ser pequeno de mais para caber num verso.



José Jorge Letria, Produto Interno Lírico, Lisboa: Visão-Frente e Verso, 2010, p.11-12, 24,33.

Voltar

houve lugar para «Voltar» na quinta-feira, no Theatro Circo.
voltar a ouvir em presença Rodrigo Leão e o Cinema Ensemble,
voltar a emocionar-me com muitas músicas e muitas canções,
e voltar ao «Voltar», música de amores passados :)



sábado, outubro 22, 2011

Al Berto e Wordsong

Wordsong sobre a poesia de Al Berto. Três exemplos abaixo, aqueles que foi possível encontrar no youtube. Faltam algumas das minhas favoritas como «14 de janeiro», «Telegrama STOP», «Horto dos Incêndios», «Amar, Amar-te»...




«Ouve-me»



«Les Mots»



«Cabeça de Vidro»



uma mão cheia de poemas de Al Berto




é tarde meu amor
estou longe de ti com o tempo, diluíste-te nas veias das marés, na saliva de meu corpo sofrido
agora, tuas máquinas trituram-me, cospem-me, interrompem o sono
habito longe, no coração vivo das areias, no cuspo límpido dos corais… e no ventre impossível das cidades nocturnas
a solidão tem dias mais cruéis

tentei ser teu, amar-te e amar o falso ouro… quis ser grande e morrer contigo
enfeitar-me com as tuas luas brancas, pratear a voz em tuas águas de seda… cantar-te os gestos com ternura
mas não

águas, águas inquinadas pulsando dentro de meu corpo, como um peixe ferido, louco
em mim a lama... e o visco inocente dos teus náufragos sem nome-de-rua, nem estátua-de-jardim-público
aceito o desafio do teu desdém

na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição
apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras tristes que te cantam.

***

envolver-me na mais obscura solidão das searas e gemer
amassar com os dentes uma morte íntima
durante a sonolência balbuciante das papoulas prolongar
a vida deste verão até ao mais próximo verão
para que os corpos tenham tempo de amadurecer

colher em teu sexo o sumo espesso
e no calor molhado da noite seduzir as luas
o riso dos jovens pastores desprevenidos... as bocas
do gado triturando o restolho... as correrias inesperadas
das aves rasteiras

e crescerei das fecundas terras ou da morte
que sufoca o cio da boca
subirei com a fala ao cimo de teu corpo ausente
transmitir-lhe-ei o opiáceo amor das estações quentes


***

11 de Março

definha-se texto a texto, e nunca se consegue escrever o livro desejado. morre-se com uma overdose de palavras, e nunca se escreve a não ser que se esteja viciado, morre-se, quando já não é necessário escrever seja o que for, mas o vício de escrever é ainda tão forte que o facto de já não escrever nos mantém vivos. morre-se de vez em quando, sem que se conheça exactamente a razão, morre-se sempre sozinho.
nunca fui um homem alegre. morro todos os dias, como poderia estar alegre?
sento-me e medito na busca de novas palavras. tornou-se quase inútil escrevê-las; chega-me saber que, por vezes, as encontro, e nesses momentos readquiro a certeza dalguma imortalidade.


****

[excertos de Carta da Flor do Sol (a meu amigo)]

vou partir
como se dosses tu que me abandonasses

(...)

sabes
por vezes queria beijar-te
sei que consentirias
mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter-nos-íamos separado
porque os beijos apagam o desejo quando consentidos
foi melhor sabermos quanto nos queríamos
sem ousarmos sequer tocar nossos corpos
hoje tenho pena
parto com essa ferida
tenho pena de não ter percorrido teu corpo
como percorro os mapas com os dedos teria viajado em ti
do pescoço às mão da boca ao sexo
tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro
acordado
perto de ti as noites teriam sido de ouro
e as mãos teriam guardado o sabor de teu corpo
ah meu amigo
estou definitivamente só


*****

Recado


ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

Al Berto, O Medo, Lisboa: Assírio & Alvim, 2009, p.160, 262, 365, 405-414, 605

pequena obsessão aqui.

segunda-feira, outubro 17, 2011

melancolia dos dias

Alex Turner, «Hiding Tonight»


The Temper Trap, «Love Lost»