Esta palavra morte teima em não me sair
da boca. É antiga e grave como
um pressentimento ou uma cicatriz.
Olho-me nos retratos da distância
e tenho um nome feito de algas.
Toda a minha vida é um círculo inquieto:
os filhos no meio a brincarem com a areia,
a erguerem cidades no vento, e eu de pé,
atordoado pelo medo, a interrogar-me
sobre o amanhã das falas que me tiram
de enganos e temores. Desenho uma planície
branca ou uma casa indefesa e tudo
o que sei é um motim de sombras
à ilharga dos olhos na véspera de outras águas.
Havia as fogueiras e a dança das raparigas
e o verão era um círculo luminoso
no centro do qual o canto todo se movia
como um pássaro ou um fruto
e que ninguém se atrevesse a dizer-me
que não podia ser aquilo a felicidade
com os seus outros nomes e rostos,
com as suas corolas incendiadas
e os seus aromas quentes fugidios.
A infância enchia as casas
com a tinta fresca dos risos e dos jogos
e era como se pintasse as paredes
como o azul limpo da festa irrepetível.
E eu acocorado num canto a contar as horas
que faltavam para setembro ser outono
e para a noite, a dos perturbantes achados,
manchar o soalho com a tinta morna dos temores.
Os Achados da Noite, Prémio Cidade de Ourense 1990, p.85, 89.
Sem comentários:
Enviar um comentário