segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Três poemas de Czesław Miłosz


Marta Minujin, Torre de Babel



Fé, é quando vemos
A gota de orvalho ou a folhinha pelo rio fluir
E sabemos que existem pois têm de existir.
E ainda que de olhos fechados nos deixemos sonhar
Só haverá no mundo o que havia
E as águas do rio a folhinha vão levar.

Fé, é quando ferimos
O pé na pedra e sabemos que as pedras
Lá estão para que os pés nos firam.

Vejam quão grande é a sombra das árvores,
Assim como a nossa e a das flores,
O que não tem sombra, não tem força para existir.

**
Amor

Amor significa olharmo-nos
Como se olha as coisas não familiares,
Pois somos apenas uma entre milhares.
E quem assim se olha, mesmo sem saber,
De muitas mágoas o coração vai proteger.
E chama-no de antigo o pássaro e a árvore.

Então sim, quer desfrutar de si e de tudo
Para que tudo brilhe no clarão da plenitude.
E não importa não saber ao que servir,
Nem sempre serve melhor quem sabe.

***
Cardo, urtiga

(...) le chardon et la haute
Ortie et l'ennemie d'enfance belladonne

O. Miłosz


Cardo, urtiga, bardana, beladona
Têm futuro. Deles são os baldios,
Os trilhos enferrujados, o céu e o silêncio.

Quem serei eu para as gerações vindouras,
Quando depois da babel das línguas se premiar o silêncio?

Devia ter.me resgatado o dom de versejar,
Mas tenho de estar pronto para a terra não gramatical.

Com o cardo, a urtiga, a bardana, a beladona,
E sobre eles uma brisa, uma nuvem sonolenta, o silêncio.


Czesław Miłosz e Wisława Szymborska, Alguns Gostam de Poesia. Antologia, Lisboa: Cavalo de Ferro, 2004:21, 25, 81.