segunda-feira, agosto 18, 2008

3 poemas de Sylvia Plath


Papoilas de Julho

Pequena papolias, pequenas chamas do inferno,
Vocês não fazem mal?

E tremeluzem. Não posso tocar-vos.
Ponho as minhas mãos entre as chamas. Nada queima.

E fico exausta ao olhar-vos
A tremeluzir assim, pregueadas e de um vermelho vivo, como a pele de uma boca.

Uma boca que acabou de sangrar.
Pequenas bainhas ensanguentadas!

Há fumos que não posso tocar.
Onde estão o vosso ópio, essas cápsulas que dão náuseas?

Se eu pudesse esvair-me em sangue, ou dormir!
Se minha boca pudesse casar com uma ferida assim!

Ou se os vossos venenos pudessem penetrar em mim, nessa cápsula de vidro,
Para me entorpecer e inquietarem.
Mas sem cor. Sem cor alguma.

***
A chegada da gaiola das abelhas

Encomendei isto, esta gaiola de madeira limpa
Quadrada como uma cadeira e quase tão pesada para se poder levantar.
Diria que era o caixão de um anão
Ou se um bebé quadrado
Se não tivesse lá dentro tal clamor.

A caixa está fechada, é perigosa.
Tenho de passar a noite com ela
E não me posso afastar dela.
Como não tem janelas, não posso ver o que está lá dentro.
Há só uma pequena rede, sem saída.

Encosto os olhos à rede.
Está escuro, escuro.
Dá a sensação de um formigueiro de mãos africanas
Reduzidas e apertadas para exportação,
O preto sobre o preto, a trepar furiosamente.

Como é que as vou deixar sair?
Assusta-me o barulho mais que tudo,
As sílabas ininteligíveis.
É como a plebe de Roma,
Gente pequena, vistos um a um, mas juntos, meu Deus!

Dou ouvidos a este latim em fúria.
Não sou um César.
Apenas encomendei uma caixa de doidas.
Podem ser devolvidas.
Podem morrer, não tenho de as alimentar, sou a dona.

Pergunto-me se terão muita fome.
Pergunto-me se me esqueceriam
Se eu abrisse a fechadura e ficasse parada e me transformasse em árvore.
Como o laburno, em suas colunatas de oiro,
Ou a cerejeira com seus saiotes.

Talvez me ignorassem de imediato
Vestida com o meu traje lunar e o véu de luto.
Não sou fonte de mel
Por que razão se haviam de voltar contra mim?
Amanhã vou fazer de bom Deus, vou libertá-las.

A caixa é apenas temporária.

Sylvia Plath, Ariel, tradução de Maria Fernanda Borges, Lisboa: Relógio d’Água, 1996, p.165, 127.

*****
Colher amoras

Ninguém nas veredas e nada, nada além das amoras,
Amoras de ambos os lados, embora mais à direita
Uma aléia de amoras descendo em curva e um mar
Se alçando lá no fim. Amoras
Grandes como o meu polegar e a silenciar como olhos
De ébano nas sebes, gordas
De sumo azul-vermelho. O sumo esbanjam entre meus dedos.
Eu não pedira esta fraternidade de sangue: — elas na certa me amam.
E se acomodam em meu jarro, achatando-se os lados.

No alto, as gralhas negras, revoada cacofónica
— Pedaços de papel queimado girando num céu a pleno.
É delas a única voz protestando, protestando...
Acho que o mar não aparecera.
As campinas altas e verdes resplandecem como acesas por dentro.
Chego a um arbusto cheio de amoras tão maduras que o arbusto é de moscas
Pendentes, suas barrigas verde-azuladas e os vitrais das asas numa tela chinesa.
A festa de mel das amoras alvoroçou-as. Elas acreditam no céu.
Uma curva mais: amoras e arbustos terminam.

Tudo o que vem agora é o mar.
De entre dois morros uma súbita brisa se afunila em direção a mim
E me esbofeteia a face.
Esses montes são muito verdes e doces para quem provou sal.
Entre eles, sigo a trilha das ovelhas. Numa última curva
Alcanço a face norte dos montes, cor de laranja e rocha
E a face olha para nada, nada exceto um grande espaço
De luzes brancas metálicas; nada exceto um ruído de ferramentas sobre a prata,
Os golpes e golpes contra um metal intratável.

Lido aqui. http://br.geocities.com/edterranova/sylviap3.htm

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