Tinha ficado no conto II.35. Volto à obra para mostrar mais excertos de contos.. já falta tão pouco que o novo volume já se avizinha - sim, vou continuar o projecto: mais 52 contos no ano de 2009, um por semana (em princípio com o nome Já deste corda ao pardal?)... acho que vou manter projectos do género até se me esgotarem motivos, temas, formulações... Ficam então aqui mais momentos escolhidos desde o conto 36 até ao actual, o 46.
II. 36. Post das mais belas palavras
Acabei de fazer de fazer um post sobre as palavras mais belas no meu blogue. Não há palavras que nos contem, nem as inventadas entre nós, nas nossas diferentes línguas. E além disso, não são mais do que palavras sem realidade agora, existentes apenas na memória e na expectativa do que poderia ter sido o futuro. Vi-as numa dessas revistas alemãs que me deixaste.
II. 37. As palavras no vento
Fila por fila, os homens com o medo no olhar e nas mãos trementes vão ganhando a coragem necessária para ver mais longe e firmemente empunham as armas: espadas, machados, arcos e flechas. Fecham o coração à vida e centram-se nas palavras que lhes invade o ser pela membrana, pelo martelo, bigorna e estribo e espaços seguintes a estes ossos. Incrível como meras palavras agem de repente e fazem as coisas acontecer – se calhar mais do que os próprios motivos. Mas, normalmente, estas palavras não são mais do que motivos emocionados pela beleza do discurso; tudo estudado ao pormenor ou fruto do momento, dependendo dos casos e necessidades. E uma vez soltas elas penetram os capacetes e entram, fila por fila, homem por homem. Como estes homens, muitos homens que se organizaram como souberam, um pouco abaixo do castelo que pretendem tomar.
II. 39. Monte Clérigo
Ele costumava dizer que não tínhamos ido quatro, mas seis: além de nós, tinham ido também o Cândido e a Paula. Eu andava a ler o Cândido, de Voltaire, ele a Paula, de Isabel Allende. Às vezes líamos um para o outro, para suportar a dor da existência em comum, vinte e quatro horas durante cinco dias. Claro que gostávamos todos uns dos outros, e ainda gostamos. Ou quase todos… Mas enfim, era de mais. A presença era tanta que saímos todos a sair dali com a expressão «tipo»: Tipo, chegas-me o sal?, Já saias do banho, tipo…, Isso é tipo uma coisa tipo… Tipo, tipo, tipo… e aquilo colou-se de tal maneira, com tanto sentido, que mesmo não o querendo dizer, por ser um bordão de linguagem, ainda por cima feio, era impossível não o usar! Tipo – pronto, lembrei-me, já voltou…. Reformulo: então, esses livros iam connosco para a praia.
II. 41 O abismo
A Filipa de papel continuara a ler, e na leitura surgiam as leituras que cada Filipa fazia, e as interpretações exponenciavam-se, e leu durante muito tempo, um livro sobre uma Filipa que estava a ler um livro de contos, onde uma Filipa estava a ler um livro de contos sobre uma Filipa que lia um livro, também ele sobre uma Filipa e um livro… Era um sem fim de Filipas e de contos, espalhados por aí, sem definição, a ler contos. A ler. E com gatos aos pés, a aquecer a cama e a alma. Completamente confundidas, todas as Filipas se estavam a perder na imensidade dos livros e do mundo. Mas então, sem qualquer aviso, as letras acabaram, precipitando-se todas no
A
B
I
S
M
O
O gato ainda esboçou um salvamento.
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S
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O gato ainda esboçou um salvamento.
II. 43 Exp
Mário entrou no autocarro a pensar nos acidentes recentes que haviam vitimado muitos passageiros. Tinham sido cinco os acidentes na última semana, em parte motivados pelo tempo instável, em parte por abusos dos condutores. Mário escolheu uma das melhores companhias do país, uma das poucas de que nunca se ouvira um acidente. Quando encontrou o seu lugar, sentou-se e pensou se teria feito bem: por qualquer ordem cósmica, compensação e justiça, aquela companhia teria de ter também um acidente e podia ser naquele momento, naquela viagem, naquele autocarro, naquele momento em que o autocarro já ia circulando pela cidade para entrar na auto-estrada. Aqueles pensamentos agonizavam-no, mais ainda do que o próprio enjoo que costumava sentir sempre que andava de autocarro. Mas tinha de ser.
5 comentários:
ao excerto 39.
era sobretudo para suportar as dores mentruais.
as outras aturavam-se bem. era verão e havia as coisas por descobrir. o sol nas rochas. e havia sobretudo isso. saber que o tempo era curto.
tipo.
lol... pois é, não pedi autorização para escrever em tua voz este fragmento. é mesmo isso, Monte Clérigo contado por três vozes... duas femininas e uma masculina. e o tipo...
cá no colégio já ensinei o pónei a algumas pessoas ;)
lolol k bom ainda falarmos numa viagem feita ha tanto tempo...torna-se mágica porque tu a embelezas :p
*
até pode ser que sim. e por isso deixo-te mais uns fragmentos. o que postei era uma voz feminina. agora vai a voz maculina, e depois a outra voz feminina. tu saberás dar-lhes nomes.
«Mas a nossa cicerone de tão belas paisagens num Setembro deserto e ainda agradável para praia não queria que nós gostássemos da Arrifana, mas sim de Monte Clérigo. Monte Clérigo é que era! E Monte Clérigo é que foi. Tem aí umas fotos que pode ver, se quiser. O biquini amarelo da D., os meus chinelos de palhinha rodeados de laranja, os livros na areia, as casas nas dunas, nós contra o pôr-do-sol… Sim, Monte Clérigo é que foi.»
«A minha maior conselheira era a água no duche… E aquela noite final é para esquecer. A música romântica, em especial aquela muitas vezes repetida que os outros já não conseguiam ouvir e inventavam versões deturpadas e por vezes menos recomendáveis, enquanto M. se deliciava com ela e eu, por arrasto, também. Os meus amigos, com as suas dores finas que os incomodaram toda a semana, de vez em quando, respeitaram, infelizmente, a minha decisão, e barricaram-se na cozinha e no meu quarto, pretextando terem de conversar em conjunto e estarem fartos da música. Impedi o bom sono deles, compliquei se calhar as dores, e não serviu de grande coisa…».
e por aqui me fico. até à altura em que venha o conto sobre Montalegre ;)
bjs
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