sábado, janeiro 31, 2009

O Livro dos Dias - (breve selecção de Janeiro)

2. Eu, de vez em quando, T.
Porque a rotina da escrita interlocutiva me exige uma marca pessoal além da óbvia, da lógica, da vulgar. E porque «eu sou um outro», ou muitos, às vezes.

6. Hoje estou com preço verde FNAC: €12,95.

(pista: Expiação)

7. «Sentia-se triste como uma casa sem móveis.» Flaubert, Madame Bovary
Os móveis enchiam o espaço interior, e cada um de nós tropeçava, batia, não vivia neles, porque tomava, conta de nós de forma opressiva. Não havia vazio, nem silêncio. E cada um de nós seguiu o seu rumo. Depois, aos poucos, desbaratadas no vento as lembranças, as palavras, queimadas, que foram os gestos, ficámos sós, eu e a casa. E embora a solidão não doa, entristece. Como a casa sem ti.

10. «Olha sexto, fazemos assim, nada de promessas, nem de palavras vãs… Pois… Não sei… Sem palavras é complicado… eu sei… Mas as palavras não resultam comigo. O que faço?» Pensamentos Blogueados

Cortava os pulsos para poder escrever assim.

12. Em demanda de um novo ser. Não ser tão, mas ser. Ser implica tão. E não somos apenas uma matilha de lobos solitários que andam ao desencontro ansiando por uma alma gémea que teima em não aparecer, somos, mais a matilha que também não a quer achar. Ou a nós.

15. 14 de Janeiro. Todo o santo dia bateram à porta. Gostava que sim. Mas só estive em casa à noite, Al Berto. Estás a ver, o teu dia foi melhor do que o meu. Abriria, e verias as pessoas. Escrevo agora, apenas. Não ouço o mar nem me sobressalto, mas as tuas palavras dizendo-o desconfiam-me de o ver entrar pelos olhos, a outra janela para lado nenhum. Serei um homem privilegiado não por (não) ouvir o mar ao entardecer, mas por desejar mais. Estou tão triste e apaixonado. E escrevo sem fim. Oh!

16. Dizem que sou demasiado intenso… ou demasiado superficial… decidam-se e depois avisem-me.

17. Se fosse para comentar o teu epíteto, «o amado», seria para o transformar em forma verbal de primeira pessoa. Com pronome de segunda. E seria então ainda mais óbvio.

21. O teu nome persegue-me no que leio, no que assisto, ao acaso. Em O Mercador de Veneza, no Boa Noite Senhor Soares. Eu não acredito em sinais, mas gostava. E saber interpretá-los dava jeito.

22. Não se sabe por que gostamos de pessoas que não conhecemos, mas gostamos. Coisas estranhas. E gostamos. Não de todas as coisas estranhas, mas algumas tuas. Ou todas. Ou tu, em suma. Tudo o que não de ti está no meu gosto. E sei que gosto de ti, porque fico triste se, por qualquer motivo, me atraso a chegar à nossa sala e menos tempo estaremos juntos, a falar do trivial, enquanto me perco como se te abraçasse e estivéssemos sós. Gosto só de ti.

25. Diz Kierkegaard qualquer coisa parecida com isto: que o Homem, não ser ele próprio, é o desespero. Mas onde fica o desespero do Homem na procura de si próprio?

27. Eu também sei que nenhum de nós não será alguma coisa. Ou seja, todos nós seremos alguma coisa. Nem que seja apenas agora nesta hora em que nos deixamos acreditar podermos ser. E mais não digo, que estou baralhado (as minhas certezas são sempre tão efémeras).

29. Pode ser que te surpreendas um dia, velho amigo. De não falares abertamente, não em rodeios, às voltas, mas como se percorresses com a linguagem um labirinto do qual não consegues sair – talvez porque não o queiras. Mas não te arrependas: nesses labirintos surgem portas, janelas, bifurcações. E se as tomares, quem sabe onde irás parar, o que te reservam para além do visível indistinto. Mas talvez possas arrepiar já caminho e em vez de janelas ou portas tenhas varandas. E daí ao infinito é um passo – sem perdas, pelos menos de maior.

11 comentários:

Milai disse...

2. Eu nao sou eu nem sou o outro.. bla, bla, bla. Para mim serás sempre o TA

Milai disse...

7. hum...muito bonito. apetece me ler (outra vez?) . Numa casa vazia, existo eu e o eco.

Milai disse...

10: engraçado o 10:) o um a seguir ao zero.:) obrigada pelo elogio suicidista.

Milai disse...

12: Agora acho que mais vale ser sem querer.

Milai disse...

17: o bem amado ou o mal amado?

tulisses disse...

obriagado pelos múltiplos comentários. isto tem estado meio parado, a caminhar para uma lenta morte (acabei de ler A Morte de Ivan Ilitch, isto não está fácil).

elogios são comigo, minha cara! A ver se depois voltam para mim também ;)

até logo

tulisses disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Milai disse...

25: fica num copo de leite achocolatado.

Milai disse...

serão? certezas efémeras? tens a certeza?

Milai disse...

29: ok...provavelmente não era para mim, mas fiquei tão impressionada e cheia de medo de morrer e nunca dizer as palavras mais sinceras e sem rodeios que aqui vai...Não quero que morras, nunca. Nem na escrita, nem em corpo, nem em alma. Para mim és um ser eterno, por isso é que às vezes me desleixo. Não quero mortes, nem escritas, nem em nada. E a tua escrita nunca esteve por um fio, ela é vida e parece-me solta de ti. Parece-me que cada palavrinha que escreves, nem que seja um pronome de segunda abre imensas portas e janelas e em todas elas não há escuridão, nem desilusão. E, já me estou a afastar do ocncreto... tentei, mas não arrepiei.

tulisses disse...

de facto não era para ti, era para mim mesmo, uma tentativa vã de me chamar a atenção para a necessidade de dizer o que sabemos a quem nós sabemos. parece que o fiz, mas não da melhor maneira, com uma brutalidade que me julgava incapaz, com a ironia, a inconsequência... eu, em suma.

não me arrependo das portas que entretanto se fecharam porque vou quebrá-las e seguir em frente. e o labirinto vai arruinar-se perante mim, porque as perdas são cada vez menores e tudo, ou quase, é remediável. mas como tudo não passa de tudo, ou nada, ou de mundo, nada verdadeiramente interessa.

e as tuas palavras, embora bonitas e eufóricas, em certa maneira, não me fazem jus. tudo está por um fio, às vezes. mas um fio de Penélope. e por isso não me preocupo muito - eu ainda estou tempo de ser - ou de me perder definitivamente. e não terei pena.

e fico-me por aqui. logo poderemos falar melhor e em presença. é sempre mais difícil, mas mais eficaz.