A literatura santomense possui já uma série interessante e considerável de poetas e prosadores. Fiz uma pequena seleccção pessoal dos poetas que conheço, baseado sobretudo em No Reino de Caliban II, de Manuel Ferreira, e em alguns livros soltos. Poderia acrescentar outros, como Alda do Espírito Santo ou Maria Manuela Margarido, ou Albertino Bragança na prosa, mas estes são já um começo. E para compreender melhor a evolução desta poesia, seus temas e motivos, suas aspirações e ideologias, fica aqui um sítio que o faz bem melhor do que eu o poderia fazer.
Eu e os passeantes
Passa um inglesa,
E logo acode,
Toda supresa:
What black my God!
Se é espanhola,
A que me viu,
Diz como rola:
Que alto, Dios mio!
E, se é francesa:
Ó quel beau negre!
Rindo para mim.
Se é portuguesa,
Ó Costa Alegre!
Tens um atchim!
Costa Alegre, Versos (1916)
1619
Da terra negra à terra vermelha
por noites e dias fundos e escuros,
como os teus olhos de dor embaciados,
atravessaste esse manto de água verde
- estrada de escravatura
comércio de holandeses
Por noites e dias para ti tão longos
e tantos como as estrelas no céu,
tombava o teu corpo ao peso de grilhetas e chicote
e só ritmo de chape-chape da água
acordava no teu coração a saudade
da última réstia de areia quente
e da última palhota que ficou para trás.
E já os teus olhos estavam cegos de negrume
já os teus braços arroxeavam de prisão
já não havia deuses nem batuques
para alegrarem a cadência do sangue nas tuas veias
quando ela, a terra vermelha e longínqua
se abriu para ti
- e foste 40'L esterlinas
em qualquer estado do SUL -
Francisco José Tenreiro, Obra poética de Francisco José Tenreiro, 1967
Nova Lira – Canção
Quem embarcou no porão
Fechado a sete chaves,
Apertado entre traves,
Sem ver sol sem ver a lua?
Foi o preto!
Quem deixou a terra,
-filho ingrato que fugiu
ao pai e à mãe que não mais viu,
p’ra ir acabar como um cão?
Foi o preto!
Quem a mata derrubou,
E cavou e semeou
E co’a sua mão de bruto
Cuidou, recolheu o fruto?
Foi o preto!
Quem fez o ‘senhor ’– o patrão;
Lhe tirou da vida aflita
Lhe deu senhora bonita
E importância e situação?
Foi o preto!
Marcelo Veiga, in: Poetas de São Tomé e Príncipe (1963)
Caminhos
Amanhã,
Quando as chuvas caírem,
As folhas gritarem d’esperança
Nos braços das árvores,
Os homens se esquecerem de seus passos incertos,
A força do Sol e da Lua vergastarem,
Implacavelmente,
O resto da terra,
Amanhã,
Quando a força dos rios
Derramar o seu sangue na lonjura dos campos,
O ventre faz flores amadurecerem de filhos,
As pedras do caminho se calarem de dor,
As faces dos homens sorrirem de novo,
As mãos dos homens se apertarem de novo,
Amanhã,
Irei de passadas longas
Pelos caminhos largos e certos,
Irei de passadas longas
Sem coração de conóbia
Ou cintas de panos com bênçãos de Deus,
Irei pelos tenebrosos caminhos da vida,
Irei,
De tam-tam
em
tam-tam,
Irei
Desafiar os mais trágicos destinos,
À campa de Nhana, ressuscitar o meu amor.
Irei.
Tomaz Medeiros, in: Cultura (II – 1959)
Descoberta
Após o ardor da reconquista
não caíram manás sobre os nossos campos.
E na dura travessia do deserto
Aprendemos que a terra prometida
era aqui.
Ainda aqui e sempre aqui.
Duas ilhas indómitas a desbravar.
O padrão a ser erguido
pela nudez insepulta dos nossos punhos.
Conceição Lima, in: Vozes Poéticas da Lusofonia
Eu e os passeantes
Passa um inglesa,
E logo acode,
Toda supresa:
What black my God!
Se é espanhola,
A que me viu,
Diz como rola:
Que alto, Dios mio!
E, se é francesa:
Ó quel beau negre!
Rindo para mim.
Se é portuguesa,
Ó Costa Alegre!
Tens um atchim!
Costa Alegre, Versos (1916)
1619
Da terra negra à terra vermelha
por noites e dias fundos e escuros,
como os teus olhos de dor embaciados,
atravessaste esse manto de água verde
- estrada de escravatura
comércio de holandeses
Por noites e dias para ti tão longos
e tantos como as estrelas no céu,
tombava o teu corpo ao peso de grilhetas e chicote
e só ritmo de chape-chape da água
acordava no teu coração a saudade
da última réstia de areia quente
e da última palhota que ficou para trás.
E já os teus olhos estavam cegos de negrume
já os teus braços arroxeavam de prisão
já não havia deuses nem batuques
para alegrarem a cadência do sangue nas tuas veias
quando ela, a terra vermelha e longínqua
se abriu para ti
- e foste 40'L esterlinas
em qualquer estado do SUL -
Francisco José Tenreiro, Obra poética de Francisco José Tenreiro, 1967
Nova Lira – Canção
Quem embarcou no porão
Fechado a sete chaves,
Apertado entre traves,
Sem ver sol sem ver a lua?
Foi o preto!
Quem deixou a terra,
-filho ingrato que fugiu
ao pai e à mãe que não mais viu,
p’ra ir acabar como um cão?
Foi o preto!
Quem a mata derrubou,
E cavou e semeou
E co’a sua mão de bruto
Cuidou, recolheu o fruto?
Foi o preto!
Quem fez o ‘senhor ’– o patrão;
Lhe tirou da vida aflita
Lhe deu senhora bonita
E importância e situação?
Foi o preto!
Marcelo Veiga, in: Poetas de São Tomé e Príncipe (1963)
Caminhos
Amanhã,
Quando as chuvas caírem,
As folhas gritarem d’esperança
Nos braços das árvores,
Os homens se esquecerem de seus passos incertos,
A força do Sol e da Lua vergastarem,
Implacavelmente,
O resto da terra,
Amanhã,
Quando a força dos rios
Derramar o seu sangue na lonjura dos campos,
O ventre faz flores amadurecerem de filhos,
As pedras do caminho se calarem de dor,
As faces dos homens sorrirem de novo,
As mãos dos homens se apertarem de novo,
Amanhã,
Irei de passadas longas
Pelos caminhos largos e certos,
Irei de passadas longas
Sem coração de conóbia
Ou cintas de panos com bênçãos de Deus,
Irei pelos tenebrosos caminhos da vida,
Irei,
De tam-tam
em
tam-tam,
Irei
Desafiar os mais trágicos destinos,
À campa de Nhana, ressuscitar o meu amor.
Irei.
Tomaz Medeiros, in: Cultura (II – 1959)
Descoberta
Após o ardor da reconquista
não caíram manás sobre os nossos campos.
E na dura travessia do deserto
Aprendemos que a terra prometida
era aqui.
Ainda aqui e sempre aqui.
Duas ilhas indómitas a desbravar.
O padrão a ser erguido
pela nudez insepulta dos nossos punhos.
Conceição Lima, in: Vozes Poéticas da Lusofonia
6 comentários:
goto muito do seu poema
goto muito do seu poema
fiquei sem saber a que poema se refere... até porque nenhum deles é meu, no sentido de não ter sido eu que os escrevi, apesar de os ter escolhido...
muito bom!!
Parabens pelo blog, é ótimo! Que belíssimo poema! Fique à vontade para visitar meu blog. há postagens que talvez te interessarão, pois seu "gosto" pela literatura é refinado. Talvez a postagem "nova poesia marginal" lhe será util, ela trata de novíssimos poetas brasileiros.
http://semioticaeminimalismo.blogspot.com/
obrigado pelas palavras gentis e em breve irei ao seu blogue, que me parece também apetecível :)
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