Para a Denise
As Literaturas africanas dos países que foram colonizados por Portugal são normalmente designadas por: «Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa» e/ou «Literaturas Africanas de Língua Portuguesa», de modo semelhante ao que acorre noutros países africanos então colonizados. A primeira designação foi a da «Expressão», embora ainda antes ocorressem outras como «Literatura Ultramarina» ou «Literaturas Portuguesas do Ultramar» (ao gosto de Amândio César, além de que a própria Censura não admitia o uso de «africanas» em relação à Literatura com muita facilidade), onde cabiam as ditas africanas sem qualquer distinção quanto às ideologias, cosmovisões ou pontos de vista dos seus autores, seus livros, suas matérias (ou seja, incluída a Literatura Colonial, a única realmente valorizada então, com algumas excepções).
Manuel Ferreira, um dos primeiros e dos maiores especialistas nestes assuntos, começou por usar «Expressão», como nos célebres livrinhos laranja da Biblioteca Breve: Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (1977, 2 vols), em que faz um estudo panorâmico, distinguindo a literatura dos colonos da dos percursores e da dos autores nacionais africanos (nacionais nem sempre igual a nacionalistas, felizmente). Academicamente, em 1974, surgiu a primeira cadeira destas literaturas em Portugal, apelidada de «Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa» na Faculdade de Letras de Lisboa, e assim se chamou noutras universidades, mas, por exemplo, no Porto, recentemente alterou-se a designação para «Língua». A mudança em Manuel Ferreira dá-se na década de oitenta: no livro O Discurso no Percurso Africano (Plátano, 1989) passa a usar a «Língua» como alternativa, e já antes em 1983 a usou na Bibliografia das literaturas africanas de língua portuguesa (com Gerald Moser). Essa mudança de designação, que se tem vindo a implantar e a tornar-se como a mais consensual ultrapassa outras que também surgiram, como as «Literaturas Africanas Lusófonas», consideradas como tendo contaminações ideológicas oriundas do discurso colonial, ou «Literaturas Africanas de Expressão Oficial Portuguesa», o que só por si é uma evidente redundância. Manuel Ferreira explica (em O Discurso no Percurso Africano) que «expressão» pode ser entendida (e daí a necessidade de mudança) como um conteúdo (visto como portugalidade, lusitanidade e colonialidade), embora «expressão» também signifique tão simplesmente o contexto verbal, o meio pelo qual, ou seja, apenas o significante e não o significado, já que este está contido na expressão «Africanas» (e por isso os africanos não hesitaram em utilizá-la, como Mário de Andrade e Francisco José Tenreiro na Poesia Negra de Expressão Portuguesa de 1953), embora a língua leve consigo conteúdo, modelando e absorvendo, mas sem alterar a natureza do conteúdo.
Só para referir outros estudiosos destas literaturas: Alfredo Margarido reúne os seus ensaios sobre a designação de Estudos sobre Literaturas das Nações Africanas de Língua Portuguesa (1980), Pires Laranjeira prefere «Língua» embora use «Expressão» no seu manual da Universidade Aberta (pois é o nome da disciplina que prevalece), Inocência Mata, José Carlos Venâncio, Cristina Pacheco, Ana Mafalda Leite, Alberto Carvalho, entre outros, usam sempre nos seus livros e artigos a palavra «Língua», assim como estudiosos africanos, que defendem ter assim uma maior distinção e determinação do real conteúdo destas literaturas, como se a designação lhes reconhecesse a autonomia: «Língua» porque é mais directa, menos ambígua, menos polémica, embora de uma língua portuguesa que sabemos ser diferente da portuguesa europeia, com regras que receberam influências directas das línguas locais (o neo-português de que fala a Tia Adoptada). Além disso, e apesar de não haver antes uma tradição de escrita nas línguas africanas, isso não impede que ela não possa acontecer, como acontece em alguma literatura escrita em crioulo ou mesmo em kimbundo, embora o Português continue a ser a língua de expressão preferencial, até porque permite um público leitor mais vasto .
A verdade é que dizer «Literaturas Africanas» é insuficiente porque estão englobas as cinco literaturas (de Cabo Verde, de Angola, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe e da Guiné) mais todas as outras das restantes nações africanas. Assim, embora «Expressão» seja correcta, penso que «Língua» pode evitar mal-entendidos por pessoas que não percebam que ela significa aqui enunciado, manifestação, declaração e sim conteúdo, matéria europeia.
A verdade é que dizer «Literaturas Africanas» é insuficiente porque estão englobas as cinco literaturas (de Cabo Verde, de Angola, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe e da Guiné) mais todas as outras das restantes nações africanas. Assim, embora «Expressão» seja correcta, penso que «Língua» pode evitar mal-entendidos por pessoas que não percebam que ela significa aqui enunciado, manifestação, declaração e sim conteúdo, matéria europeia.
Espero ter-me explicado bem e satisfeito o pedido!
6 comentários:
Amigo querido,
Uma passagem breve para agradecer tamanha solicitude :)
Amanhã regresso com a calma que mereces!
Um beijinho grande
hum, embora não tenha ceretezas quanto ao título escolhido nem à organização do próprio texto, acho que já dá para reflectir...
bjs
Agora que já li o teu post com muita atenção já te posso cumprimentar pela clareza com que expões um assunto que me parece complicado.
Nunca tinha pensado na possibilidade de outras interpretações da palavra «expressão». Assim sendo, e porque compreendo e aceito a tua argumentação, passarei a referir-me a este tipo de literatura como Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.
Não sei se sabes, mas o Francisco divulgou o teu texto. Espreita aqui, no final do post:
http://cyberdemocracia.blogspot.com/2008/06/sartre-e-teoria-do-corpo.html
Sim, divulguei porque gosto de literatura africana de língua portuguesa, em especial alguns poetas moçambicanos do período revolucionário.
O seu post ajuda a esclarecer a noção e espero que escreva mais sobre este assunto.
Cumprimentos
obrigado pelos comentários. entretanto revi o texto por alto e corrigi algumas gralhas ou imprecisões. voltarei às literaturas africanas de língua portuguesa sempre que quiserem, afinal são o meu objecto de estudo, para além de fruição, também!
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