segunda-feira, agosto 18, 2008

1 poema de Ted Hughes

Chaucer

«Quando Abril com suaves aguaceiros
sacia a sede de Março até às raízes...»
Com a tua voz no seu tom mais elevado, balançando no cimo de um escadote,
braços erguidos - para te equilibrares e
segurares as rédeas da esforçada atenção
daquela tua audiência imaginária - declamaste Chaucer
para um campo com vacas. E o céu da Primavera fez o resto,
com a roupa lavada a escoaçar, o verde-esmeralda
dos espinheiros, o espinheiro branco, o espinheiro negro,
tu com um daqueles copos de champanhe
a que tinhas deitado a mão na arrebatação do momento.
A tua voz voou pelos campos até Grantchester.
Deve ter soado a perdida. Mas as vacas
olharam, e aproximaram-se logo: elas apreciavam Chaucer.
E tu continuaste. Havia razões
para recitar Chaucer. Seguiu-se uma divertida Mulher de Bath,
a tua personagem favorita de toda a literatura.
Estavas arrebatada. E as vacas fascinadas.
Empurravam-se e roçavam-se, faziam um círculo
para contemplar o teu rosto, dando alguns bramidos ocasionais
de exclamação, para avivar a sua assombrosa capacidade de atenção,
de ouvidos à escuta para apanhar todas as inflexões,
à respeitosa distância de dois metros.
Tu simplesmente não conseguias parar. Que podia acontecer
se resolvesses parar. Seriam capazes de te atacar,
assustadas com o choque do silêncio, ou só porque queriam mais? -
E por isso tiveste de continuar. E continuaste -
vinte vacas ficaram contigo, hipotizadas.
Como é que conseguiste parar? Não me lembro
De teres parado. Imagino que se foram embora cambaleando -
a revirar os olhos, como que atraídas pelo cheiro da erva.
Imagino que as devo ter enxotado. Mas
a tua interpretação de Chaucer em sustenido
já era eterna. Aquilo que se seguiu
encontrou a minha atenção demasiado ocupada
e teve de regressar ao esquecimento.



Ted Hughes, Cartas de Aniversário, tradução de Manuel Dias, Lisboa, Relógio D'Água, 2000, p.111



Cena do momento em que Sylvia Plath declama Chaucer para uma audiência constituída por Ted Hughes e vacas, no filme Sylvia de Christine Jeffs, com Gwyneth Paltrow e Daniel Craig (2003).

6 comentários:

Anónimo disse...

Tiago, como és culto, meu deus, isso não dói?

tulisses disse...

cara carol (sim, li o email que me mandaste a identificar-te)isto não é ser culto, é ler uns livros e depois chegar aqui e pôr uns poemas de que se gosta... e quando me lembro de mais qualquer coisa, ponho junto... Não dói, dói
é saber que ainda falta muito para ser culto! ;)
bjs

analuisacorreia disse...

Amigo,
és das pessoas mais cultas que conheço e o melhor é que quando se fala contigo, ao vivo e a cores, tu brilhas, mesmo sem extinguir a luz dos outros...e a isso eu não chamo uma pessoa culta, mas sim especial.

tulisses disse...

ui meu Deus, essa agora foi para eu corar imenso, não? É que o brilho só pode ser das minhas faces enrubescidas;) obrigado pela descrição exacta da minha pessoa ;), que é ainda mais bem-vinda por vir de uma pessoa tão especial como tu! bjs

Anónimo disse...

Não conheço Ana Luisa mas já principio a gostar mto dela ; ]
Vês? 2 x 1 para nós (vencemos)
bjos, Carol

SP disse...

Tenho saudades dos teus posts e comentários.

Um abraço... peludo!